Imagine uma pessoa boa, sem maldade, sem malícia, uma pessoa pura. Imagine um homem sem vaidade, sem ambição pessoal, uma pessoa simples. Imagine alguém econômica e financeiramente pobre e ao mesmo tempo dono de uma riqueza de espírito extraordinária, alguém que amealhou uma fortuna imensa, contabilizada em respeito, gratidão e amizade. Imagine uma pessoa simples, um amigo leal, um companheiro de jornada, alguém sempre alegre e disposto a ajudar a todos.
Se você está imaginando uma outra pessoa que não seja Luiz Phelipe Andrés, você está redondamente equivocado. Não que não haja mais alguém neste mundo que tenha exatamente essas características. É difícil, até pode haver, mas eu não conheço nem tenho notícia. Alguém assim, como eu disse, só conhecia Luiz Phelipe. Eu disse conhecia, pois ele, para nossa tristeza e infelicidade, faleceu no final da noite do dia quatro de dezembro deste maldito ano de 2021.
Minha primeira reação, quando soube da notícia da morte de Phelipe, foi blasfemar, e blasfemei e não tive medo da ira de Deus, pois sei que ele, em sua imensa bondade e sabedoria, sabe perdoar humanos pecadores como eu, ainda mais quando o pecado que eu possa ter cometido ao blasfemar, seja totalmente justificado e perdoável. Blasfemei pelo fato de pessoas de bem e do bem, pessoas boas como Phelipe nos deixarem, enquanto outras, más e do mal, ainda permanecerem por aqui.
Não vou colocar neste momento, o vasto e rico currículo de Luiz Phelipe Andrés, farei um resumo dele ao final deste texto. O que vou dizer é que ele foi um dos maiores responsáveis pela restauração do centro histórico de São Luís, e que se São Luís é hoje reconhecida como patrimônio da humanidade, deve muito a ele. Só vou dizer que desde que veio morar em nossa cidade sempre lutou em defesa da nossa cultura.
Luiz Phelipe é um daqueles que não tendo nascido em São Luís, tornam-se mais apaixonados por ela que muitos de seus filhos legítimos. Luiz Phelipe era um desses filhos de criação que honram a mãe mais que muitos daqueles que saltaram de seu ventre. Uma mãe que hoje chora sua perda, assim como nós, seus amigos, choramos pela falta que ele nos fará, pelo buraco que sua ausência abre em nossas vidas, um buraco muito difícil de ser tapado.
Poucas pessoas nos dias de hoje, em nossa cidade, merecem ter seus nomes em logradouros públicos e nenhuma dessas poucas pessoas merecem mais que Luiz Phelipe Andrés ser nome de uma praça, para que daqui a alguns anos, quem sabe, um grupo de estudantes ou mesmo alguns turistas perguntem para a professora ou para o guia, quem foi esse tal Luiz Phelipe, e eles possam responder, foi um mineiro de Juiz de Fora, que morou mais tempo aqui que em sua terra e amou mais essa cidade que a cidade em que nasceu, tento ajudado a restaurar seu centro histórico e fazê-lo patrimônio da humanidade.
Nos últimos anos Phelipe vinha se dedicando ao Estaleiro Escola, empreendimento para o qual eu vi, diversas vezes, ele tirar dinheiro do próprio bolso para que nada faltasse lá. E como já disse, Phelipe não era um homem de posses, era um pequeno assalariado.
Quem o conhecia sabia de sua paixão por embarcações. Foi por essa paixão que ele me levou para ser coprodutor de um filme maravilhoso, “O império de um navegador”, onde documentamos a lida de “seu” Silicrim, um velho amigo dele, que uma hora dessas está recebendo-o em sua majestosa embarcação, lá no céu.
Fico imaginando se esse amor por barcos, não faria com que Phelipe, ao invés de ser enterrado, não preferisse uma cerimónia funerária viking, onde seu corpo saísse em uma canoa costeira, do Estaleiro Escola, lá no Tamancão, singrasse o rio Bacanga e fosse para Baía de São Marcos, em chamas, rumo ao Valhala.
Ave, Luiz Phelipe!… Os que vão continuar por aqui, te saúdam, mesmo estando mais pobres com tua ausência…
Luiz Phelipe Andrés
Nasceu a 20 de fevereiro de 1949 em Juiz de Fora-MG, filho do médico Alberto Andrès Júnior e da escritora Cordélia de Carvalho Castro Andrès. Estudou na sua cidade natal no Colégio dos Jesuítas, graduado em Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972) e mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (2006).
No Rio de Janeiro estudou artes plásticas com Ivan Serpa, no Centro de Pesquisa de Arte. Foi ilustrador de livros de ciências do 1º grau para a Companhia Editora Nacional, atuou como artista gráfico para a Revista Engenharia Sanitária nos anos 1974 a 1976 (capas e ilustrações) e realizou trabalhos de artes gráficas para a Secretaria de Divulgação do antigo Banco Nacional de Habitação.
Desde março de 1977 radicou-se no Maranhão, dedicando-se exclusivamente às atividades na área cultural, notadamente como um dos fundadores do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís, do qual foi coordenador por mais de 27 anos. Autor do projeto de pesquisas sobre as Embarcações do Maranhão e criador do Estaleiro Escola do Sítio Tamancão.
No período de 1993-95 foi Secretário de Estado da Cultura do Maranhão e desde 2010 é Conselheiro do Conselho Consultivo do IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como representante da sociedade civil. É diretor do Centro Vocacional Tecnológico Estaleiro-Escola, professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas de São Luís do Maranhão e do Curso de Arquitetura da Universidade Dom Bosco, atuando principalmente nos seguintes temas: história, patrimônio cultural, tombamento, monumento nacional, construção naval artesanal.
Coordenador da pesquisa para edição do livro Monumentos históricos do Maranhão, editado em 1979 pelo Serviço de Obras Gráficas do Estado – SIOGE, contendo o primeiro inventário dos principais monumentos arquitetônicos e da arte sacra de São Luís, Alcântara e Rosário.
Responsável pelo Setor de Pesquisa e Documentação do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís/Projeto Praia Grande, onde descobriu 166 exemplares remanescentes da Coleção dos Livros da Câmara de São Luís dos séculos XVII, XVIII e XIX. Idealizador e coordenador do Projeto de Restauração e Transcrição Paleográfica desses livros, financiado pelo CNPq.
Foi Coordenador Geral do Programa de Preservação do Centro Histórico de São Luís, Membro do Conselho Estadual de Cultura do Maranhão e Coordenador Geral do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão.
Estagiário no Centre d’Etudes Superieures d’Histoire et Conservation des Monuments Anciens, Paris. Coordenador da Unidade Executora Estadual-UEE do Programa BID/PRODETUR do Maranhão. Coordenador Geral do Projeto São Luís – Patrimônio Mundial para preparação e apresentação do Dossiê à UNESCO com propósito de obtenção do título. Responsável técnico que assina os originais do referido dossiê que se encontra arquivado nos anais do Comitê do Patrimônio Mundial na sede da Unesco em Paris.
Membro da Academia Maranhense de Letras.
Que texto lindo e verdadeiro, Joaquim! Que o ‘franciscano’ Luiz Phelipe esteja agora singrando mares em uma embarcação construída no Estaleiro Escola, num magnifico encontro com Mestre ‘Silicrim’, não tenho dúvida. Que continue olhando com generosidade e carinho para esta ilha que tanto amou, tenho certeza!
O Sr. Luiz Phelipe é merecedor do maravilhoso texto de Joaquim Haickel e de outros já publicados e que ainda serão. Eu, sem conhecê-lo pessoalmente mas de acompanhar seu amor e trabalho pela nossa cidade tinha grande admiração por ele que, com certeza foi recebido no infinito amor de Deus.
A LEITURA DO TEU TEXTO SO AUMENTOU EM MIM A ADMIRAÇÃO PELO lUIS PHILIPE, QUE SERA ETERNIZADO PELO LEGADO QUE DEIXOU. AS QUALIDADES CITADAS O FAZ MERECEDOR DE TODAS AS HOMENAGENS. SUAS CINZAS SERAO JOGADAS NO LUGAR CERTO, EM TORNO DO QUE ZELOU E AMOU, O ESTALEIRO ESCOLA E SOB O RIO BACANGA. AH SE TODO MARANHENSE AMASSE SUA TERRA COMO ESSE MINEIRO AMOU. MTO TRISTE SUA PARTIDA.