Stenio e Nostradamus
Quando eu tinha uns 12 anos, Stenio, irmão de Teté, nossa mãe de criação, nos deu de presente um velho livro, que segundo ele continha profecias que diziam tudo que aconteceria com o mundo a partir de 1555, quando foi publicado pela primeira vez.
Em espécies de saraus, que ele organizava, no terraço da casa de nossos pais, no Outeiro da Cruz, ele nos contou a história do tal profeta. Disse que ele era um francês e que se chamava Nostradamus, nome que mais tarde descobri ser um daqueles escolhidos pelos judeus convertidos ao catolicismo, como os nomes de árvores usado pelos cristãos novos em Portugal.
Stenio nos contou que mesmo em seu tempo, Nostradamus era muito famoso, que perdeu sua mulher e seus filhos na peste negra que devastou a Europa. Uma das grandes curiosidades sobre aquele profeta dizia respeito ao fato dele ter previsto a morte do rei Henrique IV, que trabalhou para a rainha Maria de Medicis, que inclusive teria sido ela quem mandara Daniel de La Touche fundar a cidade de Saint Louis, em terras que pertenciam naquela época a um Portugal que era então dominado pela Espanha.
Nossa infância foi muito rica, cheia de informações advindas de pessoas como Stenio e seu Braz, um velho cearense de Sobral, motorista de nosso pai.
O tal livro se apresentava em uma velha encadernação de capa dura, tinha o papel de suas páginas manchado pelas águas do tempo. Por sua composição gráfica aparentava ser um livro muito antigo. Tempos mais tarde, quando já tinha algum convívio e informação sobre livros, procurando uma ficha catalográfica ou algo que pudesse me dar uma noção de quando ele tinha sido publicado, encontrei um número impresso em algarismos romanos que pareciam ser o ano de sua edição: MCMXXII (1922)
Durante muito tempo aquele livro povoou nossa mente, até porque, ao se ler As Centúrias, conjuntos de versos com 100 quadras em rimas de quatro linhas, elas realmente nos faziam encaixá-las em acontecimentos ocorridos, como no caso da citação quase literal de um dos anticristos arrolados no livro: Hilter. Nostradamus troca o lugar da letra “L” no nome do cabo Adolf.
Faz algum tempo, depois de muitos anos sem lembrar do velho Nostra, uma alusão foi feita a ele, envolvendo-o numa fraudulenta centúria onde ele supostamente teria previsto a pandemia do Covid-19 ou Novo Corona Vírus.
Os fraudulentos versos são: “E no ano dos gêmeos, uma rainha surgirá do leste e espalhará a praga dos seres da noite pela terra das 7 colinas, transformando em pó os homens do crepúsculo, culminando na sombra da ruína”. E sua interpretação seria: “Em 2020 uma epidemia iniciada na China e proveniente de morcegos, atingirá inclusive a Itália, matando principalmente as pessoas mais velhas e causando uma grande devastação na economia mundial.
Quem criou tais versos, é um gênio do embuste!… Mas aqui abandono Nostradamus para focar no novo coronavírus.
Em pleno século XXI, em tempos de tamanha evolução tecnológica, a humanidade ainda é atingida de forma avassaladora por surtos, epidemias e pandemias!… Segundo as estatísticas da OMS, morrem vítimas dos mais diversos tipos de gripe, duas pessoas por minuto, 120 por hora, mais de 2.800 pessoas por dia, mais de 86.000 por mês, o que totalizaria mais de 1 milhão e 50 mil pessoas anualmente.
Mas, há um dado ainda muito mais alarmante que o dessa peste que se abate sobre a humanidade, ciclicamente.
Em meio a tudo isso nós somos confrontados a uma realidade muito mais cruel e permanente que a da saúde. Falo da fome, um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse, que junto com a Peste, a Guerra e a Morte se espalharão pela terra e a devastarão.
Segundo estatísticas da FAO, a fome mata pelo mundo, 10 pessoas por minuto, 600 por hora, mais de 14.000 por dia, algo em torno de 430.000 por mês, totalizando mais de 5 milhões, 180 mil pessoas por ano…
Por incrível que parece a Guerra, outro Cavaleiro do Apocalipse mata muito menos pessoas. Estimativas indicam que aproximadamente 200 mil pessoas morreram em 2019 nas guerras convencionais em curso no mundo, o que é muito inferior a quantidade de outras mortes, causada pelos outros agentes citados anteriormente.
Nota de pesar: Meu querido “tio”, Stenio Magalhães Barros, faleceu há alguns meses. Ele não entrou nas estatísticas da Covid-19. Foi atropelado na porta de sua casa, no bairro do Anil. Com ele se foi, boa parte das lembranças de minha infância, um dos maiores patrimônios que tenho e um dos que mais tenho motivo para me orgulhar, pois foi lá que foi gestada, nascida e criada a pessoa que sou.