Pilares e Vigas
A arte não pode ter seus pilares fundados em ideologias políticas. O mesmo ocorre no que diz respeito ao vigamento dessa que é a suprema manifestação do espírito humano.
Isso não pode acontecer, sob pena da arte perder a sua mais importante função, que é a de representar o espírito humano em sua plenitude, livre de qualquer amarra, padrão ou de qualquer coisa que possa segregar, não só pessoas, mas também ideias e pensamentos.
Em contrapartida ao fato da arte não poder ter seus pilares e suas vigas corrompidas por ideologias, a sustentação transversal dela, ou seja, suas lajes, aquilo que seria em alguns casos o piso, ou de outro ponto de vista, o teto dessa intrincada construção, estas sim, podem ser amalgamadas por ideologias, quaisquer que sejam elas.
Resumindo, enfatizando e usando ainda o sistema pilar-viga-laje, como metáfora, repito: a arte não pode nunca, jamais ou de qualquer forma, ter seus elementos estruturais, verticais e horizontais, contaminados por ideologias, mas seu terceiro elemento, este transversal, pode e até deve, ter aspectos e ingredientes filosóficos e ideológicos.
Lajes não se sustentam sem pilares e vigas.
O problema é que no intuito de conquista, dominação e hegemonia da sociedade, a arte sempre foi usada como vetor, como arma, às vezes de forma sutil, às vezes de forma descarada, às vezes de forma aceitável, e algumas vezes de forma inadmissível.
São as pessoas para as quais a arte é apresentada, que podem ou não gostar dela, podem assimilá-la ou não, podem classificá-la de forma positiva ou negativa. Mas a arte não pode trazer em si alguns ingredientes comuns a outros setores da vida humana, tais como a propaganda, o marketing, a hipnose, o aparelhamento, sob pena dela deixar de habitar o nobre espaço que lhe é reservado, e passar a habitar uma outra dimensão, nada nobre.
Quando na antiguidade, os escultores clássicos entalharam em pedra seus deuses, heróis, governantes, filósofos e personagens, eles nos legaram a sua visão, com pouquíssima influência ideológica.
Quando no século XV, durante o renascimento, os artistas tentaram continuar a tradição artística grega e romana, a igreja católica, poder hegemônico daquela época, interferiu em muitos casos, inclusive obrigando os artistas a encobrirem os órgãos genitais, expostos em seus quadros, afrescos ou esculturas, com panos ou folhagens, incidindo assim de forma política sobre a criação artística.
No século XVII, pintores como Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Velásquez e Vermeer, pintaram o que lhes era comum. Em sua obra há ingredientes políticos? Há, mas eles não são os pilares e as vigas mestras de sua arte. São ingredientes de suas lajes.
Nos anos de 1800, a humanidade começava a atingir um certo nível de maturidade e sofisticação. Foi nessa época que começaram a aparecer as mais diversas escolas artísticas.
O Romantismo, o Realismo, o Impressionismo e o Expressionismo revolucionaram as artes plásticas, e como um rastilho de pólvora incendiaram todas as expressões artísticas. Nessa mesma época aconteceu um grande ressurgimento filosófico no mundo, impulsionado de forma favorável ou contrária, pela revolução industrial.
De um lado, o que temos nessa época, são figuras como Goya, Delacroix, Manet, Coubert, Renoir, Monet, Van Gogh, Lautrec, Munch e Modigliani e do outro, Nietzsche, Freud, Camte, Darwin, Emerson, Marx, Engels e Weber. Artistas que estabeleceram e firmaram suas escolas, e filósofos que em seu campo de atuação, fizeram a mesma coisa, mas não necessariamente se influenciaram mutuamente.
Já o que aconteceu no século XX, em relação ao Cubismo, ao Dadaísmo, ao Surrealismo e à Pop Arte, foi uma total interferência filosófica e ideológica, principalmente pelo fato dos artistas terem passado a personificar sua arte, como foi o caso de Picasso, Duchamp, Dali e Warhol. Ainda assim era aceitável.
A partir daquele momento, os artistas passaram definitivamente a ser partes integrantes de suas artes, confundindo as pessoas que começaram a ser influenciadas pelos ingredientes ideológicos impregnados nelas, muitas vezes inconscientemente, pelas teorias hegemônicas e controladoras da sociedade de António Gramsci.
Hoje, quando se vê um artista que constrói sua arte com pilares e vigas ideológicas, não se vê na verdade um artista, nem se aprecia uma arte. O que se vê é um militante e o que se admira, ou não, é a sua bandeira.