A Ilíada Impossível

Quem conhece a Ilíada certamente sabe o que é honra e respeito, pois Homero nos conta que um alquebrado rei Príamo se esgueira pela noite para resgatar o corpo de seu filho Heitor das mãos de seu algoz, Aquiles, em uma das mais belas passagens da literatura universal.

Olho em volta e só vejo homens miseráveis, que pouco se assemelham a Agamenon, Menelau, Páris ou Enéas, personagens menores daquela tragédia épica, sendo que penso ser uma grande injustiça querermos comparar aqueles bravos gregos e troianos aos homens de hoje.

Trago comigo, tatuados em cada um de meus braços, dois conjuntos de ideogramas chineses. No braço esquerdo, os desenhos simbolizam “sabedoria e inteligência”, enquanto no direito estão representados “honra e lealdade”. Fiz isso para jamais esquecer meu roteiro.

Depois de revisitar a Ilíada sinto-me conformado com o pouco sucesso que obtive em minha vida, pois ele veio exatamente pela força de um pouco de sabedoria aliada a alguma inteligência e pela ação sempre baseada na lealdade e na honra. Olho em volta, e mesmo ficando preocupado, sinto-me feliz e realizado.

Me pego tentando descobrir nos dias de hoje homens e mulheres que possam possuir os nobres sentimentos e as louváveis atitudes demonstradas por personagens que se só existiram na mente de um gênio como Homero.

Amor e paixão, respeito e consideração, coragem e desprendimento, lealdade e honra, sabedoria e inteligência, paciência e resignação… Há também nos personagens dessa história, que narra a guerra de Tróia, sentimentos e ações menos citáveis como, medo e traição, arrogância e prepotência, mitomania e crendices… Estes bem mais comuns em nossos dias.

Não consigo resistir em fazer comparações. Será que estamos mais ao nível de um generoso Príamo, ou nos colocamos mais na estatura de Agamenon, um rei obstinado, não em resgatar a mulher de seu irmão, mas em tomar o estreito de Dardanelos dos troianos, sem se importar de como o fizesse.

Quem seria hoje Páris e Helena!? Em toda essa nossa “fauna” não consigo identificar dois espécimes que possam ser minimamente comparados a eles.

Quanto a Menelau, consigo identificar diversos de seu tipo. Homens menores, por culpa de sua própria pequenez.

Certamente não há por aqui quem possa encarnar Ulisses ou Aquiles, heróis na mais profunda acepção da palavra, mesmo que nesta narrativa, Ulisses demonstre mais ceder aos caprichos de Agamenon que deveria, não sendo tão grandioso como em sua Odisseia. Já Aquiles é reto e rijo como uma lança grega. Impossível de comparar-se a outrem, mesmo que carregasse consigo suas idiossincrasias, como todos nós carregamos as nossas.

Quanto a Heitor, desde a primeira vez em que tive acesso a essa história, sempre quis me espelhar nele e em suas atitudes. Sinto muito por não ter sido capaz.

Nobre, corajoso, resoluto, generoso… Homero erigiu nesse personagem todos os anseios que uma pessoa que se pretende boa, possa almejar. Seu triste destino só o engrandece ainda mais. É uma pena que os homens que vieram depois dele, inclusive os de hoje, prefiram a hipocrisia e a perfídia.

Por causa da história de Heitor não tenho medo da morte! Temo sim é ter uma vida vazia e oprimida, onde não possa ser quem eu desejo e agir como eu acredite ser melhor.

Tróia foi destruída, mas os gregos também não venceram aquela guerra. O que ficou daquilo tudo foram apenas as lições deixadas por Homero através de personagens de 3.000 anos de idade, com ações e sentimentos tão atuais quanto o sinal digital que propicia você estar lendo agora este meu texto em um de seus dispositivos eletrônicos.

PS: Neste Dia das Mães, meu presente para minha mãe, é ser o mais honrado e leal, sábio e inteligente, simples e generoso que eu puder, para que ela sinta orgulho do trabalho que ela realizou ao esculpir neste mármore, uma figura do bem.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

Busca

E-mail

No Twitter

Posts recentes

Comentários

Arquivos

Arquivos

Categorias

Mais Blogs

Rolar para cima