Há 10 anos eu fui assistir a uma peça de teatro em São Paulo para analisar a performance de uma atriz que me fora indicada para protagonizar o meu primeiro filme, “Pelo Ouvido. Tratava-se de Amanda Acosta, cantora e atriz que estrelava o musical “My Fair Lady” e que quando criança fizera sucesso como a voz feminina do grupo “Trem da Alegria”.
“Minha Bela Dama” conta a história de um professor de fonética esnobe e preconceituoso que, por causa de uma aposta, transforma a vendedora de flores Eliza Dolittle em uma lady. Eu já conhecia a história do cinema, quando Eliza foi imortalizada pela maravilhosa Audrey Hepburn, tendo Rex Harrison como o fleumático professor Higgins.
Ao final do espetáculo, abismado pela montagem, digna da Broadway, fui aos bastidores conhecer Amanda. Já havia mandado para ela o roteiro do filme e ela havia se interessado, mas disse que só decidiria se falasse comigo pessoalmente, pois queria me fazer uma única pergunta. Eu, curioso, fui até lá, mais para saber que pergunta era essa, pois também tinha em mente outros nomes para o papel, entre eles o de Branca Messina.
Fomos jantar e a pergunta surgiu normalmente: “No fundo, no fundo, esse seu filme é sobre amor ou sobre sexo?” Fiquei aliviado, pois foi fácil explicar a ela que minha intenção ao escrever a história que deu origem ao roteiro de “Pelo Ouvido” foi falar de um amor que como tal, tem um forte componente sexual, porém, mais que isso, é um filme que fala de uma condição inata das mulheres e das pessoas de um modo geral. O fato delas e de todos nós gostarmos e precisarmos ouvir coisas que lhe causem boas sensações e prazer, seja um poema, um recado carinhoso na secretária eletrônica, uma música, uma declaração de amor ou até um arfar ofegante de excitação e volúpia ao telefone. Amanda ouviu atentamente tudo o que eu expliquei sobre minha visão do filme, e um tanto emocionada, aceitou ser a minha Keitey.
Mas, nada disso importa tanto agora. O que importa é que 10 anos após conhecer Amanda Acosta, 10 anos depois dela ter aceitado encarnar o papel de Keity em “Pelo Ouvido”, 10 anos após nosso filme ter feito sucesso, participado de mais de 120 festivais pelo mundo afora e ganhado mais de 20 prêmios, reencontrei Amanda novamente em um teatro, mais uma vez estrelando um musical, agora em homenagem a uma das mais importantes personalidades artísticas de nosso país: Abigail Izquierdo Ferreira ou simplesmente Bibi!
O que importa é que essa extraordinária atriz continua num crescendo vertiginoso em sua carreira, que agora dá voz e movimentos a uma deusa do nosso teatro, chamada Bibi Ferreira, a quem todos tem obrigação de conhecer e de cultuar.
A vida de Bibi se confunde com a história do teatro brasileiro. Filha de um dos maiores atores que já pisaram em um palco, ela herdou do pai o talento e o multiplicou por mil, pois também como produtora e diretora, nos deu peças das quais jamais nos esqueceremos, pois elas entraram nos roteiros de nossas vidas e suas musicas passaram a fazer parte de nossas trilhas sonoras, como dizem os jovens de hoje, de nosso spotify.
A montagem de “Bibi, uma vida em musical” é soberba e impecável. As músicas escolhidas para contar a trajetória do personagem são tão precisas que até mesmo aquelas que não fizeram parte de seu repertório, como uma modinha de Noel Rosa cantada no início da peça, casa como uma luva em uma delicada mão, como a de Amanda ou de Bibi. Inclusive, algumas vezes me peguei boquiaberto com o fato da primeira ter absorvido completamente o gestual, o sotaque quebradiço e agudo da segunda, que cheguei a me emocionar. O mesmo ocorre com o ator que faz Procópio.
Destaque para o conciso porém, bastante detalhado roteiro e a direção bem marcada, feita por quem conhece o segredo do tempo teatral dos musicais, além de uma produção rica como deve ser a de um musical feito com profissionalismo, isso sem comentar sobre a luz, o figurino, o cenário, a coreografia… Tudo perfeito!…
Depois do espetáculo ficamos, eu e Jacira, esperando Amanda sair do camarim para darmos um abraço nela. Foi muito bom revê-la! Aproveitei para convidá-la para participar do meu primeiro longametragem de ficção que em breve estaremos produzindo. Ela aceitou.
Aquela noite havia sido perfeita. Uma bela peça de teatro, um reencontro com alguém que me é caro, a lembrança de coisas boas de minha história, na companhia da mulher que amo…
Só tenho que agradecer!
Caro JH, Seus textos, sempre de qualidade inquestionável, são imprescindíveis neste espaço. Como leitor, agradeço a volta, com mais este, que deleita a todos pela concisão, atualidade e precisão.
Obrigado amigo, por sua palavras gentis e incentivadoras!