Vou tentar resumir, sem deixar de narrar as passagens mais relevantes de minha convivência com José de Jesus Louzeiro, ele que foi pioneiro dos romances reportagens no gênero policial no Brasil, autor de livros que serviram de base para que ele mesmo desenvolvesse os roteiros de filmes que marcaram o cinema nacional no final dos anos de 1970 e começo da década de 1980, com “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia” e “Pixote, a lei do mais fraco”.
Conheci Louzeiro no Rio de Janeiro. Fui até lá exclusivamente para conhecê-lo. Havia dois anos que “Pixote” fora lançado e eu queria conhecer o maranhense que havia escrito o livro e o adaptara para o cinema. Naquela época fazíamos a “Revista Guarnicê” e falar com Louzeiro renderia uma boa matéria.
Ele me recebeu em seu apartamento, em Laranjeiras. Cheguei lá por volta de 10 da manhã. Tivemos imediata empatia um com o outro. Como ludovicences apaixonados, São Luís foi um dos nossos assuntos recorrentes. Como cinéfilos contumazes, filmes antigos foram referências constantes em nossa conversa. Eu que era deputado pelo PDS, descobri nele um militante de esquerda com senso crítico apurado, coisa rara de se encontrar. Amigo pessoal de Neiva Moreira e de Leonel Brizola, tinha predileção pelo PDT, apesar de se dizer do “partidão”.
Por volta do meio dia, Zé me convidou para almoçar. Pensei que comeríamos em sua casa, mas ele quis me levar em um de seus restaurantes favoritos, o bom e velho “Lamas”, restaurante tradicional, fundado em 1874. Este passou a ser o nosso ponto de almoço, todas as vezes que nos encontrávamos no Rio.
Voltamos para seu apartamento e continuamos nossa conversa que versou por toda a paleta de cores da atividade humana. Falamos sobre quase tudo. Por volta das quatro da tarde, ele me convidou a ir a um cinema no Largo do Machado, pois às 17 horas, naquele dia “Pixote” iria ser exibido e a renda seria revertida para uma instituição de menores carentes.
Antes da sessão ele fez questão de me levar em um boteco próximo ao cinema para tomar um café e lá ele me deu uma verdadeira aula de observação dos tipos mais curiosos daquele habitat. O apontador do jogo do bicho, seu segurança, a prostituta vespertina, o traficantezinho de quinta categoria afugentado pelo dono da boca de fumo da região, o batedor de carteira… Esse era seu conhecido e ele o chamou para perguntar se ele se atrevia a tentar bater a minha carteira, ao que o meliante respondeu sem nenhuma cerimônia: “Seu Zé, só se eu tivesse com um ferro! Um sujeito desse tamanho, se me pega eu tô morto!”. Louzeiro mandou o atendente dar ao meliante um salgado e um suco e o despachou.
Aquela foi apenas a primeira vez que o encontrei. Dali por diante eu o escolhi como meu guru e mestre.
Agnóstico como eu, Louzeiro cultivava uma espécie de fé pessoal nas pessoas e nos grandes mestres da humanidade, por isso era na sua essência um verdadeiro humanista.
Muitas foram as vezes em que nos encontramos no Rio ou mesmo em São Luís, na casa de sua eterna professora Maria Freitas e de sua filha Marita, sempre na companhia de amigos queridos como Jesus Santos, Ivan Sarney e Eliezer Moreira.
Em 1987, quando eu era deputado federal constituinte, fui o relator do projeto do também deputado Amaral Neto que pretendia estabelecer a pena de morte no Brasil. Precisando de ajuda para enfrentar o maior repórter da TV brasileira de então, convoquei Louzeiro, não apenas por ser repórter de polícia, presidente do Sindicado de Escritores do Rio de Janeiro, mas por ser autor de obras de repercussão mundial sobre a violência e a criminalidade brasileira. Seu depoimento na Comissão de Direitos e Garantias Individuais foi decisivo para embasar o meu parecer contrário à pena de morte.
Poucos anos mais tarde, ao vir a São Luís, foi Louzeiro quem primeiro lançou a ideia de implantarmos aqui um Polo de Cinema, este mesmo que hoje colhe os frutos do trabalho de gente tão boa quanto Arturo Saboia, Fred Machado, Breno Ferreira, Leandro Guterres e Breno Nina, dentre outros.
Minha amizade com Louzeiro foi coroada quando o convidei para ser o membro da Academia Maranhense de Letras que faria o discurso de recepção da Casa, no dia de minha posse nela. Ele, mesmo já bastante debilitado pelos problemas resultantes do diabetes, foi impecável, como sempre.
Para mim e para aqueles que o amavam, Louzeiro não morreu, pois sua vida está retratada fielmente em sua obra imortal.
PS: No link abaixo você pode assistir a um documentário que o Museu da Memória Audiovisual do Maranhão fez sobre Zé Louzeiro.
https://www.youtube.com/watch?v=PiTX49XyzNU&list=PL1CRSF1DLcjxHIc5CEin-yqte-0EhOApp&index=9