Devido à dislexia e a consequente dificuldade de leitura e aprendizado resultante dela, sempre me fascinaram as matérias discursivas, pois bastava que prestasse atenção nas aulas e fizesse perguntas pertinentes que eu dominaria tais assuntos, mais até que meus colegas, que se matavam de estudar, coisa que eu nunca fiz. Foi assim que me tornei bom aluno em história, geografia, literatura e outras matérias onde a porta para o aprendizado fosse o ouvido e o motor a imaginação.
Se minha paixão pela história surgiu no colégio, foi no cinema que ela se transformou em devoção, uma vez que apresentado aos filmes deste gênero, descobri nessa linguagem a possibilidade de viajar no tempo, visitar e observar personagens e fatos que marcaram a humanidade.
Filmes históricos podem ser chamados também de épicos, se bem que a definição de épico é um pouco mais pontual do que o adjetivo histórico em si, bem mais amplo e abrangente. Épico é aquilo que versa sobre a vida de um herói ou sobre um determinado povo ou um fato específico. Filmes épicos tem como características principais, entre outras coisas, ser uma megaprodução, com orçamento milionário, locações magníficas, cenários perfeitos, música grandiloquente e elenco extraordinário.
Tive a sorte de ter nascido numa época em que foram produzidos os melhores filmes épicos da história do cinema, desde “Júlio Cesar” até “Lawrence da Arábia”, passando por obras magníficas como “Os dez mandamentos”, “Ben-Hur”, “Spartacus”, “El Cid”, “Barrabás”, “Cleópatra”, “Guerra e Paz”, “Agonia e êxtase”, “Doutror Jivago”, apenas para citar alguns.
O Brasil não tem tradição neste tipo de filme, até por ele demandar um enorme orçamento! Filmes épicos brasileiros, que eu me lembro e que marcaram a minha vida de cinéfilo são, “O cangaceiro”, “Ganga Zumba”, “Quilombo”, “Chica da Silva”, Bye bye, Brasil” e “Carlota Joaquina”. Por licença poética poderia relacionar entre os nossos filmes épicos, obras do quilate de “Deus e o Diabo na terra do sol”, “Os fuzis”, “Vidas secas”, “Macunaíma”, “O pagador de promessas” e “O tempo e o vento”.
O cinema nacional nos deve pelo menos dois filmes sobre personagens realmente épicos de nossa história: Santos Dumont e Cândido Rondon, sem contar com um que eu pretendo realizar em parceria com o cineasta Erik de Castro, que mostrará o heroísmo dos pilotos brasileiros na II Guerra Mundial, cujo maior expoente foi o maranhense Ruy Moreira Lima.
Mas todo esse preâmbulo é para lhes falar de um dos melhores filmes brasileiros da atualidade, um que em minha opinião entrou para a categoria dos épicos. Trata-se de “Entre irmãs”, de Breno Silveira, que depois de se consagrar como diretor de fotografia e ter realizado “Dois filhos de Francisco” e “Gonzaga”, estabelece-se agora como um dos principais candidatos a sucessor de Cacá Diegues, nosso maior traçador de personagens históricos.
“Entre irmãs” é desses filmes que nos atinge em cheio. Ele tem uma história envolvente que nos é contada com competência, tanto por quem a escreveu como por quem a dirigiu. Se passa em um cenário maravilhosamente lindo, com locações comparáveis aos lugares mais belos do mundo. Tem uma direção de arte, um figurino e uma maquiagem digna das melhores produções de Hollywood e se não fosse por tudo isso, conta com um elenco que daria conta do recado sozinho, sem nada, em um cenário teatral totalmente clean.
Marjorie Estiano e Nanda Costa dão vida às irmãs Emília e Luzia, através das quais a escritora Frances de Pontes Peebles e a roteirista Patrícia Andrade nos mostram a vida no sertão nordestino, durante a era Vargas, a condição do povo do interior e dos cidadãos da capital pernambucana. Coadjuvadas por Rômulo Estrela e Júlio Machado, que completam seus pares, fazendo com que o elenco principal se torne, quem sabe, o melhor dos últimos anos no Brasil.
O filme conta ainda com as participações de excelentes atores, como Leticia Colin, Cyria Coentro, Angelo Antonio, Fábio Lago e do magistral Cláudio Jaborandy, em performance impecável.
A música de Gabriel Ferreira nos embala durante cada segundo das 2h40 que passamos nessa viagem por um Brasil, que por incrível que pareça, ainda é pouco visitado. Um Brasil feito por bravos homens e mulheres fortes, por gente de coragem e pessoas preconceituosas, por um povo deserdado de pão mas rico em fé, por gente rica e pobre, sonhadora e hipócrita, coisas que juntas constituem o cenário e o enredo deste verdadeiro épico do cinema brasileiro.
Particularmente para mim foi muito prazeroso ter visto em cena o ator maranhense Romulo Estrela, maduro, completo, íntegro, interpretando um personagem difícil, onde qualquer deslize o faria ser caricato ou excessivo. O Degas de Romulo é seu passaporte para figurar definitivamente entre os grandes atores de sua geração.
Sebastião e Helena conseguiram!