Um sargento que era general

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No dia 14 de agosto a Academia Maranhense de Letras, a literatura e a cultura maranhense, ficaram órfãs. Naquele dia o Maranhão perdeu um de seus mais importantes, ativos e prolíferos intelectuais: Jomar Moraes.

Jomar não era um grande poeta como Gullar, Odylo, Nauro, Burnet ou Chagas. Não era um romancista da estatura de Josué ou Sarney. Jomar era um de nossos maiores cronistas e muito mais que todos os citados, muito mais que qualquer outro no Maranhão moderno, Jomar era um pesquisador incansável, um historiador minucioso e um editor arguto.

Não vou tratar aqui de sua vasta e rica obra. Vou falar apenas do homem Jomar Moraes, da pessoa controversa que ele fazia questão de ser.

Quando eu soube de sua morte, liguei imediatamente para Júlia, filha dele, com quem tenho uma amizade muito próxima. Ela seria a pessoa dentre todas as de seu relacionamento que mais estaria precisando de uma palavra de consolo. Depois de conversarmos ao telefone, depois de chorarmos juntos a nossa perda, eu e ela, começamos a imaginar o que ele diria sobre tudo que aconteceria em seu velório e em seu enterro.

Eu e Júlia acabamos nossa conversa telefônica em meio a gargalhadas e choros, graças a nossa tentativa de construir as frases que ele diria se pudesse falar de dentro do caixão. Coisas como: “O corpo deve ser enterrado no jazigo da Academia, afinal ele serve para isso; não me venham com aquela falação de religião; tenho certeza que o Mario Cella vai aparecer no velório e vai querer rezar em minha cabeça; procurem cumprir o estatuto da AML”. Eu e Júlia sabíamos que até no velório dele mesmo, ele iria botar defeito, pois ele era além de perfeccionista, um cri-cri!

Jomar não tinha uma personalidade fácil. Crítico ácido daquilo que não gostava, chegava a ser cítrico até em relação àquilo de que gostava. Tinha sempre uma resposta na ponta da língua. Ele era genioso e turrão. Eu, tendo descoberto isso muito cedo, num dos movimentados “Jomingos”, que eram manhãs de domingo na casa de Jomar, mais precisamente em sua biblioteca, onde alguns amigos desfrutavam de sua companhia e conversavam sobre artes, política, e assuntos diversos, lhe disse ao sair, depois de ouvi-lo se vangloriar de um de seus desentendimentos: “Jomar, ficas tu sabendo que podes enticar e brigar comigo o tanto que tu quiseres e pelo motivo que tu desejares, mas eu não vou nem te dar bola, não vou brigar contigo jamais”. Ele riu e confessou que suas brigas, depois de um tempo, se tornaram uma espécie de esporte para ele, e que depois de mais algum tempo, ele passou a cultivá-las como um velho jardineiro faz com suas rosas.

Na última vez que nos falamos ao telefone, três dias antes daquele fatídico domingo, combinamos que eu iria procurar a Alumar, a Vale e a Cemar para nos ajudarem na reedição de cinco importantes obras, entre elas o Dicionário Histórico e Geográfico do Maranhão, de Cesar Marques, o Guia de São Luís do Maranhão, uma das mais espetaculares obras de Jomar, um livro sobre Gonçalves Dias, outro sobre Sousândrade e mais um quinto ainda a ser escolhido. Por fim, acertamos que eu iria gravar entrevistas com ele, para delas extrair um dos livros que ele vinha tentando escrever fazia muito tempo, o “Anedotário da AML”, onde ele contaria casos engraçados, curiosos e quase sempre constrangedores, envolvendo membros daquela casa e outros que se não o eram, estavam envolvidos com literatura, arte e cultura.

Depois que desliguei o telefone com Júlia, lembrei-me da minha mãe de criação, a inigualável mãe Teté, que diz brincando, que quando ela morrer, talvez nós não sintamos saudade dela, mas com toda certeza iremos sentir muito a sua falta. Ela está redondamente enganada! Pessoas como Mãe Teté, assim como Jomar, pessoas que marcam as vidas das pessoas com sua energia e seu caráter ferroso e ferrenho, pessoas que não conhecem o medo de desagradar por expressar suas opiniões sinceras, essas pessoas, nos deixam muita saudade e nos fazem muita falta, pois precisamos delas para nos dar rumo!

Antes de entrar para a Academia Maranhense de Letras eu achava bastante curioso que o homem que presidia aquela imponente instituição tivesse sido sargento da Polícia Militar. Mal sabia eu que o tal sargento na verdade era um autêntico general.

A morte de Jomar Moraes nos trará a comprovação material da imortalidade, façanha conseguida apenas por algumas pessoas, pois a presença permanente dele em nossas conversas o fará vivo enquanto nos lembrarmos dele.

 

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