Em todos esses anos, o fracasso, graças ao bom Deus, não têm sido meu companheiro de jornada. Recentemente, no entanto, depois de semanas de muito trabalho, experimentei a presença incômoda dele. Talvez nem se possa dizer que o que aconteceu tenha sido totalmente um fracasso. Relatarei o acontecido e gostaria que você julgasse.
Eu e um grupo seleto de profissionais do cinema, composto por roteiristas, produtores e diretores, nos juntamos para construir e apresentar projetos ao Fundo Setorial do Audiovisual, que estava recebendo propostas para séries destinadas às TVs públicas.
Resolvemos apresentar dois projetos. Um sobre os fluxos migratórios brasileiros e outro sobre crianças confrontadas com temas da atualidade. Ambos com 13 episódios, sendo que no primeiro, eles teriam duração de 52 minutos e no segundo, apenas de 7.
O projeto sobre as crianças, que chamamos de “Vozes do Futuro”, foi construído sem maiores problemas, pois concebi uma mecânica simples para executá-lo, sendo que o roteirista Mauro D’Addio me ajudou a contextualizar as ideias de forma rápida e eficaz, com isso o projeto ficou rapidamente pronto.
A partir daí caímos de cabeça no outro projeto, muito mais denso, cheio de camadas e um prato cheio para gente apaixonada por documentação audiovisual.
A abordagem estava construída em minha cabeça desde o momento em que resolvi entrar no projeto.
Em cada episódio da série sobre correntes migratórias acontecidas no Brasil entre as décadas de 50 e 80, batizadas de “Migrantes – Na Asa do Vento”, apresentaríamos um radialista, o Zé Demétrio, que do estúdio de sua pequena, mas poderosa rádio em ondas médias e tropicais no remoto sertão do Nordeste brasileiro serviria de link com seus vizinhos que resolveram levantar voo e se aventurar por outras paragens. Esse personagem foi criado por Messina Neto, escritor que sistematizou nosso roteiro.
Zé Demétrio seria muitas vezes a voz dessas pessoas, seu correio, seu padre, seu psicólogo ou conselheiro e refletiria nas histórias que contasse e nas músicas que tocassem a realidade, as circunstâncias e as consequências dessa “arribação”.
Em todos os episódios teríamos pelo menos três depoimentos de antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores, geógrafos ou outro profissional que pudesse esclarecer melhor as circunstâncias e as consequências desses fluxos migratórios e das pessoas por trás deles.
Além disso, em cada episódio apresentaríamos pelo menos três depoimentos de testemunhas oculares da história, melhor dizendo, agentes/pacientes desses momentos, atores que contracenariam nos cenários e nos tempos que são objetos de nossa série.
Usaríamos uma grande quantidade de imagens fotográficas e cinematográficas concernentes aos assuntos que estivéssemos especificamente abordando. Usaríamos também imagens de jornais e revistas que trataram desses assuntos no decorrer dos anos. Nesse contexto, seriam usados recursos gráficos e animações computadorizadas para aclarar os fluxos migratórios.
Apresentaríamos referências históricas e culturais dos tempos e dos espaços por onde os personagens de nossas histórias passaram. Com isso construindo teríamos um cenário rico, amplo e tridimensional, fixando assim na cabeça do expectador as fortes ligações dos migrantes com suas realidades.
Lançaríamos mão de encenações dramáticas para construir reflexões sobre os sentimentos dos personagens dessas histórias. Exemplo disso seria a Jandira, moça que migrou para o Rio de Janeiro com sua família, sublime paixão de Zé Demétrio.
Em todos os episódios nosso radialista chamaria uma audição “ao vivo”, diretamente do estúdio da Rádio Cordel, onde um grupo musical apresentaria uma canção que contextualizaria o assunto abordado naquele capítulo, enriquecido pelas imagens de arquivo.
Lembro ao nobre leitor, que aqui também é o juiz que me julga agora, que o tempo total destes filmes seria de 676 minutos, ou seja, quase 12 horas, tempo que teríamos para contar a história dessas pessoas maravilhosas, que, se não são todas importantes, são todas indispensáveis para que se desenhe o mural de um país permanentemente em movimento.
No final, fizemos tudo isso e quando fomos subir os formulários para o site do FSA deu erro. O site estava congestionado. Não conseguimos apresentar nossos projetos em tempo hábil.
Tentamos de todo jeito, ligamos para lá, falamos com algumas pessoas que, simpáticas, tentaram ajudar, mas não resolveu.
Moral da história: Nadamos, nadamos, nadamos e morremos na praia.
Moral da história 2 – A volta dos que não foram: Vamos descobrir um jeito de produzir estas séries que foram muito bem concebidas e roteirizadas e que merecem ser bem produzidas, para que o público conheça algumas histórias fantásticas sobre si mesmo.
The End.