A cidade e o imitador

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Como temos feito sistematicamente nos últimos anos, passamos mais este carnaval viajando. Desta vez fomos conhecer a Cidade do México. Agora, das capitais de países americanos, só nos restam conhecer Caracas, La Paz, Quito e Assunção, isso sem contar com duas das três Guianas. Para minha alegria constato que sobraram apenas aquelas capitais onde os mandatários nacionais são caudilhos populistas. Perdemos pouco, quem sabe depois que eles se forem nós visitemos seus países!

A Cidade do México é fascinante. Tudo lá é muito. A população é muita; a quantidade de carros é muita e por isso é muito o transtorno do tráfego e a consequente poluição advinda deles; É muita a quantidade de sítios arqueológicos, museus, pontos turísticos e históricos que precisam ser conhecidos; a quantidade de bons restaurantes que não podem deixar de ser visitados é grande… Os seis dias que por lá ficamos poderiam ter sido poucos para fazermos tudo aquilo que nos programamos, mas acabamos cumprindo nosso roteiro.

Fizemos logo que chegamos um city tour para conhecermos a cidade antes de nos atrevermos a ir onde não deveríamos ou deixarmos de ir onde seria pecado mortal não visitar. Essa é uma exigência de minha mulher Jacira, ávida por conhecer tudo e jamais deixar de conhecer o essencial.

Tivemos uma verdadeira aula de história com Manuel López, um guia extremamente gabaritado, durante as visitas que fizemos por todo um dia pela gigantesca cidade que já foi de Tenoch, Montezuma, Cortez, Hidalgo, Juárez, Maximiliano e Carlota, Díaz, Madero, Villa, Zapata, Rivera, Frida e Cantinflas, e que hoje é ocupada por mais de 25 milhões de mexicanos, legítimos e verdadeiros donos dessa que é a segunda maior cidade do mundo, onde vive o segundo homem mais rico da terra, Carlitos Slim.

Falar da beleza das Pirâmides de Teotihuacán, do Bosque e do Castelo de Chapultepec, dos Canais de Xochimilco, dos Museus de Antropologia e de Arte Moderna, dos palácios, das igrejas monumentais… Falar disso tudo é um mero exercício de memória e a simples capacidade de narrar as belas coisas que existem naquela cidade, que coroa o sucesso de diversas culturas pré-colombianas, algumas delas com mais de quatro milênios, superando em mil anos as mais importantes e sofisticadas culturas europeias. Incrível!

Em meio a tudo isso, nos deparamos com um povo extremamente religioso, devoto da uma santa própria, a primeira das Américas, com uma história semelhante à da nossa padroeira brasileira, Aparecida. A deles, Guadalupe, apresentou-se para um nativo chamado Juan Diego, muito mais famoso que os nossos Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso, achadores de Aparecida, de quem só sabemos os nomes se pesquisarmos. Isso é outra coisa que ficou clara para nós desde o primeiro instante em que começamos a conhecer a cidade e sua história: aquele povo é muito mais patriótico e demonstra muito mais amor e orgulho por seu país e por sua história do que o nosso, eles demonstram muito mais intimidade, não só com a sua santa, mas com tudo o que diz respeito a seu país e suas tradições.

Particularmente não acredito em santos, mas admiro as histórias que se criam em torno deles. Elas servem de bálsamo para nossa dolorida humanidade, para nossa frágil psiquê e embalam a nossa necessidade de acreditar em algo maior.

Ficamos encantados com essa cidade, com a riqueza de sua história, com a diversidade de influências culturais desse povo. Vimos preciosos detalhes históricos em todos os lugares, até mesmo ornando suas ruas. O Paseo de La Reforma é, sem medo de ser injusto, uma das avenidas mais bonitas do mundo. A mulher mais famosa do México é de uma singularidade única. Confirmamos nossa admiração por Frida Khalo. Com toda sua inquietude, foi uma mulher forte, que nem mesmo a deficiência física e as dores pelas quais passou durante toda vida, lhe fizeram deixar de ser uma pessoa marcante. Muito pelo contrário. Penso que isso foi mais um estímulo para a construção de sua obra.

E o povo mexicano! Como deixar de citá-lo!? São todos de uma simpatia e disponibilidade nunca visto antes em nossa experiência pelo mundo.

É difícil nos apercebermos, mesmo quando somos confrontados com a história desse lugar, que essa civilização é herdeira de uma cultura que data de quatro milênios, enquanto a história de nosso país tem pouco mais de 500 anos.

Existem pequenos detalhes aparentemente insignificantes que fazem desse um lugar especial. Imaginem que foi de lá que saiu o ingrediente que rega os domingos da maioria das pessoas do mundo, pois sem o tomate mexicano, jamais os italianos teriam inventado os deliciosos molhos das pizzas e das massas que nos enlouquecem e se não fosse pelo seu milho, o estado americano de Iowa não seria tão rico, já que ele produz quase 25% de todo o milho americano, maior produtor mundial.

Porém de tudo o que vi e que fiz na Cidade do México, uma coisa me marcou profundamente. Depois de visitarmos a Praça da Constituição, o Palácio do Governo, de andar pelas ruas que antes eram os canais da antiga cidade asteca, depois de visitar o magnífico Templo Mayor, descoberto e desenterrado em 1978, no coração da cidade, fomos conhecer a Catedral do país. Qual não foi a minha surpresa ao entrar pela gigantesca porta da nave central e ouvir o que disse o sacerdote que rezava a missa para um número imenso de fiéis:

“… deixem que eu use do meu modo as palavras de São Paulo ao convocar as pessoas para imitá-lo: venha imitador do Cristo! Pois a simples tentativa honesta e verdadeira de imitares as ações do filho de Deus faz de ti um seguidor de seus ensinamentos, faz de ti um ser digno do amor daquele que morreu para nos salvar…” Quando ouvi o que disse o padre, senti uma forte emoção, pois é exatamente assim que eu penso. A mim, não importam os ritos, os dogmas ou as tradições dessa ou daquela religião. A verdade é que acho religião um tema muito delicado e controverso. Para mim o que importa é entender corretamente e procurar seguir e imitar os ensinamentos dos profetas e doutores das várias religiões, todas cheias de bons ensinamentos e semeadoras da paz e da tolerância.

Sei que minha mãe não vai gostar nem um pouco do que vou dizer a seguir, mas é o que sinto, com toda pureza que possa ter minha alma: a mim não importa se Jesus é filho de Deus, nem mesmo que Deus exista, para mim o que mais importa é que a história desse judeu da Palestina me faz ter vergonha de não conseguir imitá-lo, minimamente, por mais que eu quisesse ou tentasse, pois seu amor verdadeiro, sua história de vida, como nos foi contada, nos obriga a uma tentativa desesperada de imitar suas mais simples atitudes, como a de ser um bom filho, bom irmão, bom amigo, de acolher os enfermos e necessitados, de ser tolerante e não ter preconceitos, por respeitar as leis dos homens sem se submeter à sua tirania…

A emoção que eu senti dentro daquela igreja foi para mim o ponto alto da nossa viagem.

Jacira saiu da Cidade do México maravilhada com o que viu. Eu, além de maravilhado com tudo o que vi, saí de lá leve, certo de que a minha forma de pensar e de agir, longe de ser errada, no que tange à religião, é bem aceita pelo maior dos doutores do cristianismo, Paulo de Tarso.

 

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A diferença entre deputado e parlamentar

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Tanto o parlamento quanto os parlamentares, representantes dos anseios e dos interesses da população, vêm sendo alvo das atenções da imprensa e da opinião pública brasileira nos últimos anos. Atenções estas quase sempre inclinadas a supor que, tanto a instituição como seus membros, procuram sempre o caminho do desacerto.

Nasci no meio político e desde cedo, acompanhando a trajetória assimilei os ensinamentos da representação popular e a importância da atuação parlamentar. Também aprendi muito escutando as palavras e observando o modo de agir e pensar de grandes e ilustres políticos maranhenses como Milet, La Rocque, Burnett, Alexandre, Lobão, Ivar, Nunes Freire, Newton Bello, Cafeteira, Castelo, Pedro Neiva e Sarney, para citar apenas uma dúzia dentre os maiores. Deles, só quatro ainda vivem, cinco foram também prefeito da capital, sete foram senadores, oito chegaram a ser governadores e um foi até presidente da República, mas todos foram ou são parlamentares.

A palavra parlamento é composta da junção do substantivo: parla, que significa conversa ou falatório; e do sufixo: mento, que representa ação ou resultado da ação.

O parlamento clássico é originário da Grécia, onde era plebiscitário e direto, e de Roma onde era representativo. O parlamento moderno teve origem na Inglaterra e na França, onde em ambos os países, foi instalado como assembléia política representativa de suas monarquias. Na França, teve ainda o papel de assembleia judiciária.

Parlamento, na realidade, é uma assembleia deliberativa encarregada principalmente de votar o orçamento e as leis que regulam as relações entre os poderes constituídos e a vida dos cidadãos. Logo, parlamentar é aquele que faz com que suas conversas resultem em ação, regulando a relação entre as instituições e o povo.

Jovem ainda, com pouco mais de 22 anos, lembro-me muito bem do torcicolo que sentia, quando sentado numa das cadeiras do corredor central do plenário acompanhava com atenção os maravilhosos duelos verbais ali travados entre o grande deputado José Bento Neves, que se sentava na última poltrona à direita e o não menos importante e saudoso líder oposicionista Gervásio Santos, que se sentava no lado diametralmente oposto, na primeira cadeira do lado esquerdo, na velha Assembleia Legislativa, na Rua do Egito.

Naqueles momentos, me sentia tal qual o jovem Marco Antônio, que dividia sua atenção entre Júlio César e Cícero, imortais tribunos do venerável Senado Romano.

Benditos torcicolos! Assistindo aquelas pelejas memoráveis naquele rico período de nossa história, a transição da ditadura à democracia, do último governante militar para o primeiro presidente civil, comecei a redigir meu currículo.

Era o renascer da cidadania. Nos Estados, pela primeira vez, desde o golpe militar de 64, viveríamos a experiência de sermos governados por um representante guindado ao poder pelo voto direto.

No período legislativo seguinte, fui novamente agraciado pelo voto popular e pude participar ativamente de outro momento de grande significação que poucas gerações de políticos tiveram acesso. Fui deputado constituinte, um dos mais de 500 parlamentares que assinaram a Constituição Cidadã do doutor Ulisses Guimarães.

Maquiavel, em sua obra-prima “O Príncipe”, controvertida lição de antropologia, psicologia, sociologia, politica e de história, sempre interpretada pelo ângulo mais mesquinho e pejorativo, diz no capitulo XVII: “Da crueldade e da piedade – Se é melhor ser amado ou temido.” Ainda bem que o “Secretário de Florença” destina sua obra ao detentor do poder central, pois aos parlamentares, esse dilema não deve afligir diretamente. Esses não tem que ser necessariamente amados ou temidos, têm na verdade é que serem respeitados e ouvidos. Nos dois casos, não pelo cargo que exercem, mas pela função, pela procuração que lhes foi confiada, registrada em cartórios competentes para tal. Procuração intransferível, com prazo determinado, revogável e retratável apenas em caso de arguição do descumprimento do decoro parlamentar.

Entendo que a atuação parlamentar deve ser marcada pelo profundo respeito aos interesses dos eleitores que os elegeram. Mas aqui vai um alerta: o parlamentar não tem que fazer necessariamente o que o povo quer, como ele quer, quando ele quer. Até porque, para o parlamentar nem sempre é fácil escolher que parcela do povo ele representa. O parlamentar tem de fazer o que precisa ser feito.

De meu pai, herdei o respeito ao parlamento e a defesa férrea do mandato popular. Tal qual ele, entendo que independente de siglas, cor partidária ou ideológica, o parlamentar tem que ser respeitado e seu mandato protegido.

Com ele aprendi que a liberdade de expressão é a pedra basal que sustenta os alicerces da democracia. Sem ela, não existe parlamento na acepção da palavra. A voz do parlamentar que ecoa aos quatro ventos é a garantia da democracia é a reprodução exata e proporcional das idéias, pensamentos e opiniões que formam este imenso painel diferenciado que é a sociedade.

Deputado pode ser qualquer um que consiga os votos necessários para se eleger. Parlamentar é mais que deputado, é aquele que sabe usar com inteligência, correção e coerência a procuração eleitoral que lhe foi confiada pelo povo.

Com meu pai, com Platão, com Maquiavel e com Alexandre Dumas aprendi o verdadeiro valor de algumas palavras entre as mais importantes em qualquer idioma: Amizade; Compreensão; Coragem; Generosidade; Gratidão; Honra; Humildade; Idealismo; Justiça; Liberdade; Respeito; Sabedoria; e União.

No final destas mal traçadas linhas resta-me apenas repetir uma pequenina oração que minha mãe passou toda a sua vida tentando ensinar para meu pai e que de tanto ouvir acabei aprendendo: “Que Deus nos dê serenidade para aceitar o que não se pode mudar; coragem para mudar o que pode ser mudado; e sabedoria para que se possa reconhecer a diferença”.

Desejo que meus amigos deputados, que hoje assumem seus mandatos para esta legislatura e se pretendem parlamentares nesses tempos difíceis, consigam as graças dessa oração.

 

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