Nas últimas semanas engoli vários sapos em nome da urbanidade, da civilidade e em alguns casos, em nome da preservação de queridas e indispensáveis amizades.
Tive que em diversas ocasiões recorrer aos tais exercícios respiratórios que aprendi na única aula de ioga que tive e acho que o fiz com sucesso.
Não vou aqui relatar com riqueza de detalhes as questões do âmbito fraternal, pois são problemas bobos que causam desconforto e dor, como aquela com um amigo que nos deixa em situação constrangedora por furar prazos de entrega de um serviço, ou uma na qual outro amigo, por um equivocado posicionamento pseudo-político, comete uma desconsideração quando confunde gratidão com submissão.
O que vou passar a comentar aqui acontece com muito mais frequência. Algumas pessoas chegam para mim e dizem que preciso fazer uma coisa importante para elas. Que como sou político, ocupante de um cargo no governo, só não faço se não quiser.
O mais comum nesses casos é pedirem um emprego. Só muda o destinatário do emprego. Para a própria pessoa, para um filho ou filha, para um parente ou para um amigo. Já me apareceu um sujeito que precisava se livrar da ex-mulher e me pediu que arrumasse um emprego para ela, e o pior, uma colocação onde ela ganhasse algo em torno de três mil reais.
Isso acontece diariamente. Falam como se fosse a coisa mais fácil e simples do mundo, “que eu só não faço se não quiser”. Mais delicado é quando abordam a minha mãe, para que ela interceda junto a mim.
Existem também aqueles que pedem para que eu interceda junto a alguma instituição, para que um candidato a concurso seja chamado ou aprovado em uma seleção ou prova. Um verdadeiro absurdo!
Pedido de ajuda financeira para tratamento de saúde, para comprar remédios, óculos, até para viagens. Para pagar contas de luz, água ou gás.
Já aconteceu, e não foi uma vez só, de um pai ou uma mãe chegar até mim para pedir que interceda junto a uma autoridade policial ou jurisdicional para soltar um filho que se envolveu em alguma briga ou em algum delito.
O último pedido absurdo que recebi foi de um torcedor do Moto Clube, que ao invés de pedir ajuda para seu time, que está precisado, gostaria que a Sedel ou seu gestor, eu, contribuísse para uma feijoada e uma roda de samba que faria em um desses finais de semana. Seria pouca coisa… Só uns mil reais. Ele ainda se sentiu no direito de ser grosseiro porque neguei a tal “ajuda”.
Outro dia fui convidado para exibir meu filme, “Pelo Ouvido” e participar de um debate sobre o atual momento do cinema no Maranhão. Aceitei e fui, crente que falaríamos de cinema, que o papo seria sensacional, que todos estavam preparados para uma boa conversa. Isso foi quase totalmente verdade, com exceção de um sujeito obtuso que resolveu direcionar a conversa sobre cinema para o lado político, cometendo a grosseria e a tolice de me usar como símbolo do que ele acredita ser a falta de apoio do Estado à cultura, às artes e ao cinema de modo específico. O imbecil simplesmente esqueceu ou não quis se lembrar que as leis de incentivo à cultura e ao esporte, colocadas democraticamente a serviço desses setores pela atual administração são de minha autoria, quando ainda era deputado estadual.
A vontade que tive foi de ter sido violentamente verborrágico. Meu lado animal chegou bem perto de, como um lobisomem, pular na jugular do ogro que nada tinha de Shrek e trucidá-lo. Foi ai que comecei a me sentir orgulhoso de mim mesmo. Respirei fundo, exercitei a respiração e sorri um sorriso irônico, beirando o deboche. Olhei-o nos olhos até que ele abaixasse a cabeça e quando fui perguntado se eu gostaria de me manifestar, sacudi a cabeça negando e sorrindo discretamente. Não iria revidar dizendo que só os como ele, os preguiçosos, os incompetentes e os incapazes de produzir bons projetos estão fora do mercado desde que essas leis de incentivo passaram a funcionar.
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Escrevi este texto primeiramente para mim, mas espero que ele sirva, de algum modo, para você também, querido leitor. Que ele possa nos ajudar a aprender a perdoar os amigos queridos, a reconhecer como devemos tratar e a compreender as pessoas…
PS:
Por amor um homem é capaz de fazer quase qualquer coisa.
Só por amor um homem é capaz de abrir mão de coisas que lhe são realmente importantes, inclusive eliminar um pedaço de um texto seu que foi gestado e fundido na fornalha mais profunda de seu ser.
Prezado Joaquim Haickel,
Sua atitude foi a mais sábia. Primeiro a de respirar e respirar e respirar mantendo o seu centro de equiíbrio. Afinal, a paz deve ser buscada como qualidade externa e não como um estado decorrente de eventos alheios à nossa vontade ou consciência.
Em segundo lugar por praticar algo que chamamos de compaixão. Que é você se colocar no lugar do outro e compreender o estágio de evolução no qual ele se encontra.
Nem por isso devemos perder nossa capacidade de nos defendermos e nos posicionarmos perante os fatos.
Veja que comigo, recentemente, aconteceu exatamente o contrário. Fui até uma pessoa de comando de uma política cultural para propor uma parceria em um projeto de grande proveito institucional para o Estado, pronto, formatado e pesquisado por profissionais com carreira séria e reconhecida e recebi em troca uma resposta de total desprezo. Ou seja: há imbecis por toda parte. Não nos deixemos contaminar!
Joaquim,
Tentei escrever várias vezes um comentário e apaguei todos, não queria ser redundante, com um simples parabéns pelo artigo de hoje, que certamente, outros leitores o dariam. Mas expressar minha admiração pela sua sensibilidade quando fala das pessoas, arte, politica, esporte, comida, vinhos, familiares e amigos. Irei usar o presente artigo nas minhas aulas de Administração, junto com o artigo de hoje de seu confrade e meu ex-professor de Ciências Politicas (UEMA) Benedito Buzar para falar de relações humanas, dedicação e postura profissional. Obrigado e todas as vezes que lhe encontro, o meu sentimento é que toda semana aos domingos conversamos…
Um abraço,
Júlio
Texto louvável, realidade triste. Todo esse comportamento “do outro lado” o qual recebeu o nobre Joaquim é o retrato da ignorância que assola a mente do nosso povo. Aquele que ocupa cargo político, deve olhar o coletivo e não o “umbigo” de uns. Esta prática colonial, ao invés de ficar no passado, torna-se cada vez mais comum. Ajudar não é sinônimo de beneficiar, quando se ajuda, se ampara alguém isto engrandece, enobrece, mas beneficiar é feio, imoral, vergonhoso.
No dia em que a EDUCAÇÃO for a força motriz que move um povo, tudo isto ficará para a história.
Abraços.