Santo!? Nem tanto.

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Há uns quarenta anos, creio eu, assisti a um filme que me impressionou imensamente: O homem que não vendeu sua alma.

Naquela época, é bom que se diga, a televisão brasileira propiciava acesso a alguma cultura através de sua programação cinematográfica…

Pois bem, aquele filme narrava parte da vida de um personagem a quem passei a admirar desde então: Thomas More.

O que dizer de Sir Thomas? Advogado, diplomata, homem de Estado, lorde, chanceler da Inglaterra sob o reinado de Henrique VIII. Grande humanista, escritor, autor de vários livros, entre eles, uma das mais importantes obras literárias de todos os tempos, Utopia. Católico fervoroso, foi canonizado santo pela Igreja Católica em 1935, é patrono e padroeiro dos políticos e governantes (quem dera que a maioria de nós honrasse nosso padroeiro!). Decapitado por ordem de seu amigo, o rei Henrique, por recusar-se a jurar obediência ao ato de supremacia que criava a Igreja Anglicana separando os católicos ingleses do papa e de Roma, transformando seu rei em chefe da nova religião.

More é uma personalidade fascinante, ainda mais para um adolescente que, através de um magnífico filme histórico, passava a conhecer sua história de coragem, nobreza, justiça e honra.

A partir dali, eu quis muito ter aquelas qualidades que vi estampadas naquele personagem apaixonante, um homem a quem foi oferecida muita coisa, e em troca foi pedido um simples juramento, que bem poderia ser falso. Mas ele não cedeu.

Através daquele filme, a televisão estava indiretamente ajudando a forjar meu caráter, soprado pelo fole de uma família equilibrada e correta.

A teatralização de pequena parte da vida de um personagem tão ilustre fez com que o adolescente Joaquim viesse a ler Utopia, livro de difícil entendimento para um garoto inquieto. Esse fato me obrigou a lê-lo novamente mais tarde, quando eu já tinha adquirido mais sossego e algum suporte cultural capaz de me fazer entender de que tratava todo aquele louco sonho. Até hoje, não sei ao certo qual o significado mais preciso para a palavra utopia (etimologicamente não lugar), se sonho, algo ideal ou se loucura, no sentido de coisa impossível.

Recentemente voltei a me encontrar com Sir Thomas e com seu livro, desta vez em audiobook, ouvido no carro, em capítulos do tamanho dos meus trajetos, com direito a voltar para não perder o fio da meada.

Desde o dia em que vi aquele filme, passando pela minha dolorida primeira leitura de Utopia, pela esclarecedora segunda lida, até a mais recente, fui conhecendo mais e mais o autor da obra, o humanista, e dediquei alguns instantes a pesquisar mais sobre ele e seu tempo.

Nesse intento, há uns 20 anos, descobri coisas horríveis. O meu ídolo era menos inteligente, menos coerente, menos honrado e menos nobre do que eu imaginava. Continuava sendo corajoso e justo, até porque coragem não depende de ponto de vista, enquanto senso de justiça só se pode analisar do ponto de vista do personagem.

Minhas pesquisas comprovaram que More foi diretamente responsável pela morte de vários homens considerados por ele, e pelos seus iguais, como hereges. Fiquei ultrajado.

Ainda bem que só vim saber mais sobre Thomas More quando já tinha maturidade e poderia entender todas as circunstâncias que envolviam os fatos concernentes a ele.

A perseguição às pessoas que pensam diferentemente de nós é um dos maiores e piores crimes que pode haver contra a humanidade. É a derrubada do principal pilar dessa mesma humanidade: o direito de pensar o que se quiser, como se quiser. É a destruição do livre-arbítrio, aquilo que, segundo os teólogos, nos liga a Deus e dele nos distingue.

Como poderia um homem de Deus, tão justo, nobre e honrado, ser tão covarde e negar a seus semelhantes o direito de ser, dom que o mesmo Deus, que ele tanto amava, lhes deu?

Total incoerência, só é possível em mentes que praticam a religião com fanatismo. Como meu ídolo humanista poderia ser um fanático religioso, assassino de pessoas que não pensavam como ele?

Mais recentemente fiz meu próprio julgamento de Thomas More. Excomunguei-o com os poderes a mim delegados pelo Pai todo-poderoso, no qual ele acreditava mais do que eu creio. Rebaixei-o à condição de homem comum, passível de erros comuns e o bani de minha lista de heróis.

No entanto não posso desconhecer que ele, com seu livro Utopia, nos fez, e faz acreditar que é possível almejar um lugar e um tempo melhores.

Sir Thomas More pode não ter vendido sua alma a Henrique VIII, mas a vendeu para uma equivocada crença da Igreja Católica, a mesma que quase matou Galileu e que jamais poderia ter patrocinado a perseguição àqueles que professavam outra fé, ou mesmo outras doutrinas da mesma fé.

Ontem sonhei com Thomas More. Ele usava o mesmo colar dourado do filme, a mesma roupa escura e o mesmo chapéu engraçado. Ele estava em pé em um jardim, num lugar alto, de onde se via uma linda praia. Parecia ser a ilha Utopia, nome que significa não lugar, habitada pelos aleopolitas, cidadãos sem cidade e governada por Admeus, príncipe sem povo.

Ele sorriu para mim e então eu acordei.

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Aparas do tempo

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Meu método de criação literária é um tanto exaustivo. Quando tenho vontade de abordar um assunto, o coloco no papel e volto a ele quantas vezes forem necessárias para que as ideias utilizadas nele quase se transformem em granito, onde eu possa exercitar uma técnica literária bem parecida com a da escultura. É como se ao invés de escritor, me transformasse em um escultor de ideias, usando palavra, frase e sentença como fossem martelo, cinzel e lixa, com as quais construísse minha obra.

Recentemente notei que, ao contrário de antes, meus textos tem ficado maior que o normal e descobri que deve ser efeito colateral de minha abstinência de tribuna. Meno male! Que me faltem tribunas formais e que as informais se proliferem.

A seguir vou relacionar três trechos que fui obrigado a retirar de crônicas recentes, ou por falta de espaço ou por opção de abordagem, mas que acredito que devam ser publicadas aqui até como sugestão de pautas, para mim e para você.

1 – Do texto sobre Haroldo Tavares:

Acho que estou perdendo a mão!

Antes, meus textos fervilhavam dentro de mim e pulavam pra fora com arroubo e volúpia tão fortes, que com seu calor, faziam a tinta das canetas se fixarem no papel.

Agora, eu claudico “catando milho” em um notebook que teima em não aceitar alguns pensamentos e sentimentos meus. Teima ainda mais em não aceitar algumas das formas com as quais tento exprimi-los.

Nesses anos todos tenho falado de muita coisa. Já até tentei escrever menos, mas alguns assuntos se impõem contra minha vontade e minha necessidade de resguardo.

Vinte anos atrás falei da morte de meu pai, no calor da hora. Depois, comentei sobre política, cinema, sobre as relações das pessoas, sobre filosofia, sobre o dia a dia, e até sobre a lembrança do cheiro do pão de minha infância. Hoje vejo que tudo isso, que escrever, para mim, nada mais é do que a feitura do diário de minha humilde existência. Falando dessas coisas, falo essencialmente de mim de minhas circunstancias e de suas consequências.

O artista é um egoísta. O pintor se pinta, o cineasta se filma e o escritor se escreve. Ou pelo menos eles tentam.

Hoje vou tentar ser menos egoísta e vou falar de…

2 – Do texto sobre a reforma política:

A função de gestor público é bem parecida com a de pai e mãe. Não que eles devam ser paternalistas, isso não. Refiro-me ao fato de que aqueles que dependem dos pais, ou seja, os filhos, em primeiro lugar, antes de amá-los, devem respeitá-los. Esse respeito gera a confiança que os filhos precisam para seguir os pais, criando assim uma forte relação onde um e outro se sentem parte de um mesmo grupo, sentem uma interdependência que se transforma em uma força quase insuperável, capaz de suplantar muitas dificuldades. Assim deveria ser a relação entre o povo e seu mandatário.

Quando isso acontecer, e não vou dizer que isso é fácil, mas não é impossível, teremos um sistema político menos imperfeito.

Quando um pai perde o respeito do filho a família está condenada à ruptura.

Quando o mandatário perde o respeito de seu mandante, ele tem que ser substituído. Isso, numa democracia, se faz é na eleição subsequente. Qualquer outra forma de agir estará indo de encontro com a nossa carta constitucional que…

3 – Do texto sobre as manifestações que ocorrem pelo Brasil afora:

Um provérbio antigo originário de diversas culturas diz que só se costuma fechar a porta depois que a casa é assaltada.

É isso que está acontecendo em nosso país. Todos sabiam que era preciso tomar providências efetivas, eficientes e eficazes em vários setores, mas precisou que o povo se revoltasse e fosse para as ruas para que os governantes tentassem fazer alguma coisa.

Quem não sabe que as ações de saúde executadas pelos governos, nos três níveis da administração pública, não se efetivam, são ineficientes e ineficazes? Quem não sabe que o mesmo ocorre na educação, na segurança, no saneamento básico, no transporte…

Essa realidade é amplamente conhecida e o que se tem feito para resolver tudo isso? Temos tomado algumas medidas paliativas e localizadas, inventamos ações com nomes bonitos e atalhamos na tentativa de conter a maior parcela da população instituindo “Bolsas”.

Depois da redemocratização do país, a grande mídia elegeu um presidente da República e em seguida tratou de derrubá-lo. A Globo e as outras redes de televisão, na ida e na volta, manipularam a população.

Primeiro, deram ressonância ao discurso do candidato das Alagoas fazendo guerra contra os marajás e direcionaram os anseios por tempos melhores dando-lhe a cara de um político jovem, bem apessoado, escondendo o que sabiam há tempos que se tratava de um homem descontrolado.

Depois, na hora de destituí-lo, usaram sem cerimônia a mesma técnica utilizada para elevá-lo, sempre respaldados na massa, sempre facilmente manipulável.

Ora, se a massa é facilmente manipulável quando a mídia quer, imagine o quanto essa mesma massa terá de poder quando der a essa mídia motivos para repercutir uma verdadeira e genuína revolta. Não sei se podemos chamar de círculo vicioso ou virtuoso, onde quem protesta usa quem comunica e quem comunica o protesto usa os protestantes.

Mas essa é apenas uma ínfima parte do problema. Do problemão que hoje…

 

PS: Tempos atrás já havia observado esse fenômeno “esculturista” acontecer comigo e naquela época cometi um pensamento em forma de poesia que bem exemplifica esse fato: Quando se tira mais do que se põe, o poema vira escultura.

 

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Projeto HOLT

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Hoje quero falar de um gênio na mais pura concepção da palavra: Haroldo Olympio Lisboa Tavares.

Mas não vou me deter falando de sua doce mãe nem de seu importante pai, mesmo tendo ele também sido, algumas décadas antes do filho, prefeito de São Luís.

Não me deterei falando de seu cunhado, Pedro Neiva de Santana, também prefeito da capital e governador do Estado do Maranhão. Não comentarei sobre sua irmã nem sobre seu sobrinho que também tiveram sua importância em nossa história

Quero falar menos do jovem engenheiro que tendo se formado fora, veio ser aos trinta e três anos, em 1966, no governo de José Sarney, Secretário de Viação e Obras Públicas. Nem vou lhe contar que ele foi chegando e foi logo criando moda. É que aqui não havia escola de engenharia e ele se achou na obrigação de criar uma, já que as obras que o Maranhão iria precisar para sair do século XIX não poderiam ser feitas apenas por mestres de obras, por melhores que eles fossem.

Esse mesmo jovem que em apenas quatro anos comandou a construção do Porto do Itaqui, das pontes do São Francisco e do Caratatíua, da Barragem do Bacanga. Que saneou, urbanizou e implantou bairros como o Anjo da Guarda, a Areinha, o São Francisco e a Ponta D’areia. Que iniciou a construção dos muitos Conjuntos Habitacionais de nossa cidade. Que pavimentou a rodovia São Luis-Terezina e que construiu a São Luís-Açailandia, ajudou a transformar o Maranhão.

Não vou me deter aqui falando do sujeitoque para uns era visionário, para outros, sonhador, para outros ainda, era um louco. Vou simplesmente dizer a você que me lê agora e não conheceu Haroldo, que não sabe o que ele fez, que ele era tudo isso, em maior ou menor quantidade e intensidade, mas digo também que ele era, apesar disso tudo, um pragmático que preferia sempre a obra civil à obra de arte. Ou seja, preferia o aterro e a barragem ao invés da ponte ou do viaduto, pois acreditava em soluções simples, naturais e mais baratas.

Será impossível não falar aqui que aos trinta e nove anos ele assumiu a prefeitura de São Luís e a frente dela realizou obras tão importantes que se não fossem elas, o caos em que nos encontramos hoje seria muito maior e pior.

Nem vou lhes dizer que ele, anos antes de se tornar realidade, aventou a possibilidade da construção da Estrada de Ferro Norte-Sul, que deveria ficar quase no mesmo paralelo em que portugueses e espanhóis dividiram o Brasil quinhentos anos antes, fazendo com que as riquezas do centro-oeste brasileiro e do sul do Maranhão ganhassem o mundo pelo Porto de Itaqui, que ele, por ordem de Sarney, construiu para nós.

Chamá-lo de doido passou a ser uma prática corriqueira na cidade. É que as pessoas não estavam acostumadas com alguém que pensasse para frente, que fizesse agora o que precisaríamos amanhã, até mesmo porque o hoje já estava comprometido.

Diziam que Haroldo rasgava avenidas que ligavam nada a lugar algum. Sem essas obras, hoje não teríamos avenidas como Franceses, Holandeses, Africanos, Guajajaras, artérias pelas quais escorrem as nossas vidas.

Durante o tempo em que Haroldo Tavares esteve à frente da Prefeitura de São Luís ele não cuidou apenas da construção de obras físicas. Preocupou-se também com a valorização de nossa arte, nossa tradição, nosso patrimônio histórico e arquitetônico. Fez exposições de obras dos nossos pintores e escultores, festivais de música popular, apoiou as manifestações folclóricas, gravou discos de diversos sotaques de bumba boi, criou as festas da juçara e da mandioca, escolinhas de artes e esportes, e criou um cinturão viário em volta do centro histórico, protegendo nosso casario.

Uma vez perguntaram para Haroldo qual seria, em sua opinião, a obra mais importante que ele realizou. Todos pensaram que ele iria dizer ser o porto, a barragem, a ponte ou o anel viário, ele saiu com uma conversa de que era a obra de contenção da Lagoa da Jansen, uma obra menor, menos importante. Ele disse isso simplesmente pelo fato dela não ter custado quase nada e ter sido feita em um final de semana.

Quero falar de outro Haroldo Tavares. Quero falar do marido de Vera, moça bonita e rica que roubou seu coração. De Márcia, de Cristina, de Adriana, de Valéria e de Jaime, filhos que tiveram a sorte de ter um pai que conhecia, como poucos em nossa terra, a história, as artes, a filosofia e que puderam na convivência com ele desfrutar de seu oásis.

Gostaria de falar de sua paixão pela música, pela obra do seu compositor favorito, a quem ele chamava carinhosamente de “João Sebastião Bar”, da prática do violino que abandonou há muitos anos.

Devo falar do empreendedor, do industrial, do construtor de tratores anfíbios, de bugres, de barcos de pesca e de catamarãs de luxo.

Preciso falar do Haroldo que tinha fé, que acreditava na existência de uma força maior, mas que desprezava todas as formas de escravização do homem através da religião.

Durante o tempo em que convivi com a família Martins Tavares, enquanto namorei Cristina, pude conhecer e aprendi a admirar não apenas o ex-prefeito, o ex-secretário, mas o homem, a pessoa de Haroldo Tavares. Genial maluco beleza. Visionário, irônico e pragmático.

Sarney acertou em cheio ao convidar Haroldo para ser seu secretário em 66, mas errou redondamente em ter escolhido outro engenheiro para ser seu menino de ouro. Sarney sabia que por trás da loucura de Haroldo havia sua clara genialidade, coisa que pouco combina com a função política formal. Ele então optou por um burocrata medíocre que ao invés de ter ideias geniais, dizia amém a tudo que seu mestre mandava, até que, taludo, abandonou o velho mestre.

Até hoje eu acreditava que o rompimento entre Sarney e Pedro Neiva havia sido uma tolice. Coisa da política. Agora vejo que foi muito mais que isso, que se não tivesse acontecido o rompimento entre eles, talvez os amigos de Haroldo tivessem conseguido concretizar o projeto HOLT que consistia em transformar Haroldo Olympio Lisboa Tavares em um verdadeiro político e quem sabe fazê-lo governador do Maranhão.

Conhecendo Haroldo, sabendo como ele pensava e agia, seria praticamente impossível fazer com que ele jogasse o jogo da política como deveria ser jogado.

Pessoas como Haroldo não morrem. Vão em uma viagem sem volta, mas deixam para nós sua maravilhosa obra e sua eterna lembrança.

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Sobre a Reforma Política

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Já faz bastante tempo que muita gente boa vem dizendo que precisávamos urgentemente de uma reforma política. Ela, entre outras coisas, nos garantiria mais segurança e legitimidade no que diz respeito ao sistema de escolha e de regulação de nossa representação parlamentar e executiva.

Fico feliz de ter sido um dos primeiros a levantar essa bandeira e mais ainda por vê-la agora desfraldada por muitos daqueles que quando eu conclamava a todos para essa empreitada, se faziam de surdos.

Agora quase todos concordam que precisamos redefinir os parâmetros políticos de nosso país. Para isso temos que discutir e pautar uma extensa e complexa agenda.

Qual deve ser o perfil de nossos mandatários? Qual deve ser a importância dos partidos políticos nesse sistema? Pode haver candidatos avulsos? Qual deve ser o tipo de financiamento das campanhas eleitorais? Qual é o tipo de governo queremos? Quais responsabilidades devem ter aqueles que forem nos dirigir? Qual o tempo de duração dos mandatos? O voto deve ser facultativo? Devemos fazer eleições gerais, fazendo com que haja coincidência entre os mandatos de prefeitos, governadores, presidente, senadores, deputados e vereadores? Deve haver reeleição para cargos majoritários? Os senadores suplentes devem ser os segundos e terceiros colocados nas eleições, ou devemos, para efeito de substituição destes cargos, obedecermos à chapa partidária?

São muitas questões. Muitas, delicadas e complicadas. Acredito que ao Congresso que ai está não se deva dar a tarefa de emendar nossa Constituição. Devemos eleger um novo Congresso ordinário e dar-lhe incumbência para tanto.

Mesmo não sendo uma Assembleia Nacional Constituinte o próximo Congresso Nacional deverá ser formado por parlamentares que tenham o pensamento num patamar mais elevado, que sejam donos de uma visão mais abrangente e de uma consciência comprometida com a cidadania.

O mais grave nessa história toda é querer-se fazer reforma de qualquer coisa através de plebiscito. Este dispositivo deve ser usado pontual e topicamente. Em um plebiscito não pode haver mais de duas ou no máximo três perguntas e ainda assim que elas sejam totalmente conexas, sob pena de se perder a segurança e a objetividade.

Você acredita que a população brasileira seria capaz de responder de forma verdadeira em um plebiscito, com o mínimo de conhecimento das causas e de seus efeitos, sem sofrer coação irresistível por parte da mídia, dos partidos, dos grupos de pressão, das redes sociais, às perguntas que constam no quarto parágrafo deste texto? Você sabe sobre todos os assuntos constantes daquele parágrafo? Se você sente alguma dificuldade para entender o que está contido ali, como você acha que se sentirá o eleitor médio brasileiro quando essas perguntas forem feitas para ele, colocando diretamente sobre os ombros dele, a responsabilidade da decisão de uma coisa que ele não conhece nem entende?

Um político com mandato ou que estivesse almejando um, jamais diria o que acabo de dizer. Isso seria suicídio político e eleitoral. Como não sou candidato a nada e como ocupei cargos no Legislativo por muitos anos, sei do que estou falando e falo mais. São poucos, mesmo dentre vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, governadores, e até a presidente, que sabem sobre essas coisas de maneira clara. Imagine o eleitor médio, o caboclo do meu Pindaré ou do meu São Domingos!? Eles estão mais preocupados é com o dia a dia. Eles não têm tempo para essas coisas. Depositam suas esperanças em homens de sua confiança e os mandam para Brasília para representá-los. E é isso mesmo que eles devem fazer. Escolher bem seus representantes, com critérios sérios, sem venalidade.

Você acredita que esses manifestantes pacíficos que pedem por melhorias pelas ruas de nossas cidades, sabem realmente o que é isso? Eles sabem é que tem muita coisa errada, que a corrupção campeia, que não há saúde, que a educação é fraca, que o preço do transporte público é impagável.

E os vândalos? Você acha que eles sabem algo sobre isso? Será que eles estão pelo menos interessados em saber?

Por favor, não vamos usar os anseios de nossa boa gente, de nosso povo valoroso, contra eles mesmos.

Ano que vem, além de ser ano de Copa do Mundo, será também tempo de se eleger uma nova bancada para o Congresso Nacional. A nossa Constituição prevê que ele, o CN, pode alterar seus dispositivos desde que sejam obedecidas as precauções nela previstas: três quintos de votos favoráveis em duas votações consecutivas na Câmara dos Deputados e depois no Senado Federal.

Fazendo isso teremos a vantagem de sabermos antecipadamente que vamos eleger um Congresso que irá fazer mudanças importantes para nossas vidas, e por isso mesmo, poderemos procurar escolher melhor os nossos representantes do que normalmente temos feito ultimamente.

Os que agora estão apressados em fazer alguma coisa para agradar a massa, podem cometer um erro tremendo querendo reformar a CF antes de 3 de outubro de 2013, em um prazo de menos de 120 dias. Esse tempo é insuficiente para isso. E como todos sabem, a pressa é inimiga da perfeição.

Os gritos das ruas não vão mudar só porque resolveram fazer uma reforma que já podia ter sido feita há muito tempo. Ruim será fazermos uma emenda pior que o soneto, usando de um lado o medo e de outro a pressão como desculpa para encobrir nossos erros e fugirmos de nossas responsabilidades.

São muitas as coisas sobre as quais devemos nos aprofundar para que possamos realizar uma reforma política tão boa, que se passem muitos anos até que os avanços da sociedade nos exija uma outra.

Uma coisa é certa. Esse negócio de plebiscito é conversa pra boi dormir. Vivemos em uma democracia representativa. O povo tem que eleger seus representantes e estes devem resolver por eles qual o melhor caminho para se seguir. Fazer diferente disso é golpe contra o sistema constitucional e democrático que está em vigor em nosso país desde 1988. O mesmo sistema que elegeu e cassou Collor e que fez Itamar Franco substituí-lo; o sistema que elegeu duas vezes Fernando Henrique Cardoso e levou para o governo Sergio Mota e os seus; o mesmo sistema que criou o Plano Real e colocou a inflação sob controle, fazendo com que o Brasil figurasse entre as grandes economias do mundo; o mesmo sistema que elegeu duas vezes Lula e implantou as “Bolsas”; o mesmo que elegeu Dilma, a primeira mulher a nos governar.

O problema não está no sistema democrático, republicano e constitucional vigente. O problema é de controle, de afinação, de detalhes.

Não me venham mexer onde não devem. Façam o que tem que ser feito e nada além disso. E façam isso da forma correta, pois de nada irá adiantar fazer o certo da forma errada. É indispensável que o certo seja feito da forma correta. É isso que garante a sua legitimidade.

Não me matem a vaca mocha na intenção de acabar com a praga de carrapato!

 

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