Matéria vencida, mas Importante

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Antes que a Câmara dos Deputados rejeitasse a PEC 37 eu estava escrevendo um artigo sobre esse assunto. Em grande parte ele ficou prejudicado, pois matéria vencida se arquiva. No entanto, ainda acredito que algumas considerações devam ser feitas a esse respeito.

Depois da queda do aumento das tarifas de transporte, a rejeição dessa PEC passou a ser o alvo prioritário das manifestações que tomaram conta do Brasil.

Minha sobrinha Pillar, de 12 anos é um desses jovens que se posicionaram contra a PEC 37.

Eu gostaria muito de saber se Pillar, assim como aqueles que se posicionaram contra, sabiam realmente do que se tratava. Gostaria de questionar o entendimento deles sobre esse assunto, não apenas sobre a notícia dele, pois ela, do ponto de vista jornalístico, na maioria dos casos, foi apresentada de forma falaciosa e ganhou a antipatia de quase toda gente.

Quem ouvisse falar de uma lei feita no intuito de proibir que se investigassem políticos e gestores públicos, uma lei que impediria o MP de processar e prender corruptos, enfraquecendo assim a democracia, quem tem essa informação como sendo verdadeira, é lógico que iria se posicionar totalmente contra essa lei.

Pois bem, vamos aos fatos.

A PEC 37 pretendia definir como competência “privativa” das polícias federal e civil as investigações criminais ao acrescentar um parágrafo ao artigo 144 da Constituição. A legislação constitucional brasileira já confere à polícia a tarefa de realizar investigações criminais, mas não atribui a ela exclusividade na realização dessa ação.

Outra verdade importante sobre este assunto, que quase ninguém quis abordar, é que dentre as atribuições constitucionais do Ministério Público não se encontrava antes e ainda não se encontra agora, a de oficialmente investigar crimes. Para saber disso basta ler os artigos 127, 128, 129 e 130 da Constituição Federal que tratam do MP.

A rejeição da PEC 37, por si só, não resolverá esse vácuo legislativo. Para que isso ocorra é preciso que outra PEC, nesse sentido, seja aprovada pelo Congresso Nacional, ou, que o STF supra essa lacuna da legislação, o que em minha modesta opinião seria uma ofensa aos preceitos constitucionais, já que legislar é função do Congresso Nacional.

Foram apresentadas nos últimos anos algumas propostas de emendas à Constituição Federal na tentativa de incluir nela as investigações criminais como sendo prerrogativa do Ministério Público. O CN rejeitou todas se respaldando no preceito de que era necessário e indispensável que se preservasse o equilíbrio do sistema de persecução criminal brasileiro, que se funda na separação de atribuições entre órgão investigador, acusador, defensor e julgador.

Os constituintes de 1988 estabeleceram com clareza quem deveria ter a prerrogativa da investigação criminal. A polícia. Quando eles foram estabelecer as incumbências do Ministério Público, não relacionaram entre elas a execução dessa atividade, talvez porque pensassem que essa atribuição conflitaria com sua função maior, a de fiscal da lei.

Caso se queira mudar essa realidade, incluindo como prerrogativa do Ministério Público a investigação criminal, isso tem de ser feito através de PEC, coisa que hoje tenho certeza não será difícil, pois quem votou contra a 37 certamente aprovará agora uma em favor do MP.

Só resta perguntarmos: por que o Congresso Nacional não fez isso antes, já que quase a unanimidade dos deputados demonstrou concordar com a tese de que o MP deve proceder a investigações de crimes de todas as naturezas.

Em resumo, o que havia até a rejeição da PEC 37 eram duas classes disputando uma mesma atribuição, a de investigar crimes judiciariamente. Venceu a que soube melhor se posicionar em relação à opinião pública.

Para isso, como bandeira contra a PEC 37, seus adversários usaram exaustivamente o mote da guerra contra a impunidade. Fizeram parecer que o Ministério Público só seria proibido de executar investigações criminais de corrupção, crimes praticados por políticos, funcionários públicos e empresários, quando na verdade essa proibição se estenderia a todos os tipos de investigação criminal. De roubo de galinha a jogo do bicho; de tráfico de drogas a assalto a banco; de assassinato a prostituição. Mas ninguém falou nisso. Repudiaram a PEC 37 como sendo um instrumento a serviço da impunidade, como se com a aprovação dela nunca mais fosse haver uma investigação contra políticos corruptos. O que é pior, passaram subliminarmente a sensação de que a sua rejeição iria acabar, como num passe de mágica, com a corrupção ou pelo menos teríamos a garantia de que todos os corruptos seriam presos.

O Ministério Público é uma instituição importantíssima. Tem ações nos mais diversos âmbitos. Existem procuradorias relacionadas ao meio ambiente, à saúde, à educação, às minorias… O MP atua nas Varas Criminais e Cíveis da justiça comum e especializada, e sua função é indispensável ao bom funcionamento do sistema judiciário brasileiro. Seria um desserviço ao país querer enfraquecê-lo ou podá-lo, mas por outro lado, desconhecer o que preceitua a Constituição Federal, é um desserviço ainda maior.

Quando a Câmara dos Deputados rejeitou a PEC 37 ouviu menos as vozes das ruas e sentiu mais as pedradas daqueles que mesmo não sabendo direito porque protestam, sabem que muita coisa está errada em nosso país.

Uma dessas coisas é o fato de que o STF tem legislado “mais” que o Congresso, fato que é culpa exclusiva da falta de ação efetiva, eficiente e eficaz do Poder Legislativo que tem deixado muito a desejar na execução de suas funções constitucionais.

Para mim é indiferente sobre quem recai a função da investigação criminal. O essencial é o respeito irrestrito às leis estabelecidas no país, principalmente à Constituição. Nesse caso específico só temo pelo desequilíbrio do sistema judiciário brasileiro.

Quem for contrário a uma determinada lei, que a mude da maneira correta. Quem almeja melhorias na educação, na saúde, na segurança, que eleja representantes no Legislativo e no Executivo que façam as mudanças desejadas.

Parem de eleger os Tiriricas da vida e seus assemelhados. Acredito que está mais do que provado que pior do que está sempre pode ficar!

Que venha logo a reforma política, a reforma do Judiciário, a reforma fiscal e tributária. Com elas poderemos consolidar ainda mais a democracia brasileira. Mas que venham da forma correta! Por favor! Não me venham inventar moda!… Bem, mas isso é tema para uma outra conversa.

 

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Primavera Sem Flores, Mas Com Frutos.

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O texto a seguir é resultado de meia dúzia de tentativas que tenho feito desde a última terça-feira (17/6/13) de escrever alguma coisa sobre essa serie de manifestações que vem acontecendo pelo Brasil afora.

Estando insatisfeito com os textos anteriores, resolvi descartá-los e começar este que, juro, será o último.

Descartei a primeira crônica que escrevi por achá-la simplista; outra por reputá-la preconceituosa; uma outra por ter nela sido radical, extremista; a quarta por tê-la aprofundado demais ao ponto de vê-la quase transformada em um ensaio sobre as reações populares, suas causas e consequências. A anterior à atual por ser o resultado infrutífero da exaustiva tentativa de definir o que realmente está acontecendo, de tentar saber o que realmente desejam os manifestantes. Eu não sei e creio que em sã consciência, quase a totalidade deles também não.

Como cronista, político ou simplesmente como cidadão não posso deixar de participar deste debate que foi proposto inicialmente por um grupo de jovens paulistanos, líderes de um pequeno movimento que luta para implantar um sistema gratuito de mobilidade urbana.

Tenho que dizer algo a respeito de tudo isso, afinal de contas esta é uma das características mais marcantes desse movimento. A necessidade que as pessoas estão sentindo de participar, de dizer sobre algumas de suas insatisfações, de protestar contra qualquer coisa, de postar nas redes sociais suas opiniões, algumas delas absurdas, verdadeiros despautérios, ou simplesmente repercutir as opiniões de alguém que nem sempre são pessoas que deveríamos seguir, nem mesmo virtualmente.

 Eu tenho que fazer parte disso de alguma maneira, e como não vou para as ruas, o farei daqui, dessa privilegiada tribuna, longe das balas de borracha e dos sprays de pimenta. Impregnado pelo mesmo espírito de brasilidade, de nacionalismo e de cidadania, mas tendo estes sentimentos completamente harmonizados com a realidade e a lógica dos fatos, patamar que muitos desses jovens só atingirão daqui a algum tempo.

Cerro fileiras do lado bom desse movimento e repudio peremptoriamente os atos de violência e vandalismo de uma minoria imbecil que quase desqualifica e invalida tudo o que está acontecendo.

Você que me lê agora pode esperar que mais adiante, antropólogos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos e jornalistas aparecerão com explicações acadêmicas complicadas para esse fenômeno que estremeceu as cidades brasileiras, principalmente as capitais, notadamente as maiores, sendo São Paulo o epicentro deste cismo.

Estou pasmo com a falta de preparo dos governantes para tratar com esse tipo de evento. Isso é um absurdo!

Parte do povo deste país cujo hino o diz “deitado eternamente em berço esplendido” é na verdade um bando de sonâmbulos que ingenuamente pensam estar acordados. Na última semana esse povo tem sido dirigido por um grupo de jovens idealistas que se tornaram vítimas de vândalos que invadiram seu sonho transformando-o em um pesadelo midiático.

São Paulo, assim como muitas outras cidades brasileiras, aumentou em vinte centavos de real os preços das passagens de ônibus. Esse teria sido o estopim dos protestos. Por isso a multidão saiu às ruas.

Vários dias após o inicio dos protestos, alguns dos líderes desse movimento sem cabeça disseram que se a prefeitura de São Paulo revogasse o aumento todos voltariam para casa. Pobres tolos, eles não sabem que arrombaram uma porta e que dela deixaram escapar um animal incontrolável. Um homem que busca uma causa pela qual lutar. Eles não imaginam o que começaram e o que é pior, não tem noção das consequências que podem advir disso.

O advento das redes sociais, neste caso serviu como fio condutor de tudo o que está acontecendo. Foram elas que serviram de assembleias para conclamar os manifestantes a comparecer aos eventos.

Lendo o que as pessoas postam em suas páginas, nos jornais de suas vidas, se vê, com total impotência, do que é capaz a massa, que como já pudemos observar no decorrer da história, é incontrolável. Assim foi quando tinha a sua frente grandes líderes e o é ainda agora com muito mais desenvoltura quando tem à sua frente a idealista e simpática garçonete e estudante de geografia da USP, Mayara Vivian.

É incrível que uma manifestação como essa corra a cidade, se espalhe pelo estado, invada o país de maneira tão incontrolável.

Repentinamente os protestos ampliaram e multiplicaram os seus focos. Passaram a ser contra os investimentos para a Copa do Mundo, contra a corrupção, contra a impunidade, contra a PEC 37, contra a cura gay, contra as bolsas do governo federal, em favor de maiores e melhores investimentos em educação, saúde, segurança pública, por uma reforma agrária imediata, e muitas outras coisas.

Aí, então, ficou fácil. Com isso o movimento agregou pessoas que jamais iriam para as ruas derramar lixeiras, quebrar vidraças e incendiar veículos. Entre essas pessoas posso incluir minha mãe, minha mulher e minha sobrinha de 12 anos.

Minha mãe é uma manifestante distante em favor de maiores investimentos em saúde, educação e segurança. Minha mulher se indigna com a corrupção e a impunidade. Minha sobrinha é contra os gastos com a Copa, a cura gay, a PEC 37, que na verdade ela assim como a maioria das pessoas não sabe o que é.

Eu também sou a favor de muitas dessas coisas e contra outro tanto delas, mas não apoio o tipo de manifestação, onde o manifestante busca aquilo que pensa ser seu direito destruindo o direito de outras pessoas. Evoca a democracia para em seguida assassiná-la em nome dos direitos que essa mesma democracia lhe garante.

Não me venham gritar que “violência não”, por parte da polícia, se muitos manifestantes não se controlam e usam de violência em um ato que se fosse pacífico seria perfeito, demonstraríamos amadurecimento cívico, republicano e democrático. Mas ainda é tempo.

Depois de ver várias agressões sofridas por jornalistas, saques, depredações e ações de vandalismo, depois de ver que um protesto verdadeiro, legítimo e pacífico foi infiltrado por radicais arruaceiros, violentos e até por alguns bandidos, acredito que ele possa até ter algumas conquistas, mas terá falhado fragorosamente na sua intenção de protestar pacificamente.

Repito: a participação de uma minoria violenta e vândala descaracteriza e descredencia esse movimento.

A Primavera Brasileira, no final, pode ficar sem flores, mas talvez já tenha dado frutos.

 

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