Nazaré

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Tenho comentado aqui, sempre que falece alguém ligado a minha família. Desta vez infelizmente falarei sobre Dona Nazaré Martins do Vale, amada esposa do velho Zé do Vale, ex-caseiro do sítio de meu pai e amantíssima mãe de nove filhos. Todos criados nos arredores do nosso sítio do Angelim, onde hoje se encontra o Residencial Pinheiro e que se estendia, de um lado, até a Avenida Jerônimo de Albuquerque e do outro, até quase chegar aos fundos da Cohama.

Não tenho memória de quem meu pai comprara aquele sítio, mas sei que foi no início dos anos 60. Lembro que vizinho dele havia uma fábrica de papel reciclado pertencente ao “tio” William Nagem, grande amigo de papai.

Quando eu era criança, minha família saía de nossa casa no Outeiro da Cruz toda sexta-feira à tarde, depois que chegávamos do Colégio Batista e se dirigia para o sítio, de onde só voltávamos depois que o último raio de sol do domingo se despedisse da gente. A viagem era maravilhosa. Um dia eu conto.

No sítio, moravam primeiramente seu Sergio e Dona Maria, herança do antigo proprietário daquelas terras. Seu Sergio era um velho alto e magro, falante e exímio contador de causos. Dona Maria era uma velhinha baixinha. Mesmo que não fosse gorda tinha uma cara redonda e estava sempre com cara de poucos amigos.

Comentavam que eles morriam de ciúmes um do outro. Em minha cabeça de criança não entendia como aquele velho homem podia sentir ciúmes daquela velhinha ranzinza.

Baseado na relação dos dois, meu pai criou a lenda do caju do amor. Este era o fruto proveniente de um imenso cajueiro que havia do lado da casa de seu Sergio e dona Maria, onde hoje se encontra uma igreja. Era um daqueles cajueiros que tinha seu imenso caule, todo contorcido e em alguns casos corria em paralelo ao chão. Anos mais tarde, quando fui a Natal, no Rio Grande do Norte, conheci o bisavô do cajueiro do amor. O fato é que todos os cajus daquela árvore eram doces. Meu pai dizia que o mel deles era resultado do amor de seu Sergio e dona Maria.

O tempo passou, seu Sergio adoeceu e veio a falecer. Dona Maria ficou inconsolável e quis ir morar com parentes no interior do Ceará. Meu pai mandou levá-la de carro até lá e nunca mais soubemos notícia dela.

Zé do Vale que fora contratado por seu Sergio para tomar conta das vaquinhas, carneiros, cabritos, porquinhos e das muitas galinhas que tinham por lá, passou assim a ser o responsável pelo nosso sítio.

Um dia meu pai perguntou a seu Zé o que fazia a mulher dele. Ele respondeu que lavava roupa. Meu pai perguntou então se ela não gostaria de trabalhar para ele lavando uma sacaria. Foi assim que, lavando sacos de açúcar, dona Nazaré ajudou a pagar a casa que iriam comprar. Pouco depois toda família veio morar em nosso sítio.

Nelsi, Gilvan, Ivan, Gilmar, Miriam, Regina, Mirani, e as gêmeas Lucinha e Verinha, passaram a ser tão donos daquele mundo quanto eu, Nagib, Jorge ou Celso, pois como não pudéssemos dispor de nada dali financeiramente, como o usávamos de igual modo e na mesma medida, éramos todos donos. Fomos todos criados como iguais. Quase como irmãos.

Zé do Vale sempre foi caladão. Nem sei como é a maneira politicamente correta de falar isso, mas ele era um negro imenso e forte. Suas feições não eram grosseiras. Ainda hoje ele demonstra ter sido um sujeito bem apessoado, mas era imenso para nós que não passávamos de pirralhos de pouco mais de metro de altura.

No sítio nossa vida era só alegria. Lá não havia tristeza. Acordávamos e já pulávamos na piscina que meu pai construíra represando um riacho que cortava a propriedade. Hoje, fazer aquilo seria crime ambiental, mesmo tendo ele previsto que não devesse interromper o curso d’água, e deixado um sorvedouro que perenizava o córrego.

Mas voltemos à dona Nazaré. Ela era uma cabocla de olhos apertados, um tanto asiáticos. Era falante e alegre, sempre pronta para uma brincadeira, mesmo que não gostasse muito das safadezas de meu irmão Nagib, que sempre contava piadas fortes e cheias de duplos sentidos.

Dona Naza fazia um feijão branco com toicinho que, comido só com arroz ou mesmo com farinha d’água, era uma comida digna dos Deuses.

Era de seu cardápio também dois tipos de farofa sem igual: de ovo com tomates e cebolas, e de carne seca.

Quando não tinha os ingredientes à mão mandávamos comprar latas de sardinha e ela cortava tomates, pepinos, cebolas e decorava com alfaces e nos fazia sentir pequenos reis.

O tempo foi passando, nós fomos crescendo. O sítio que antes era muito longe, era agora quase dentro da cidade.

Em 1978 papai vendeu o sítio para pagar as contas de sua primeira eleição de deputado federal. Quem o comprou foram seus amigos proprietários do moinho de trigo. Zé do Vale, Nazaré e seus filhos ficariam por lá até que os novos donos vendessem o sítio.

Meu pai então comprou um terreno próximo e construiu nele cinco casas para Zé do Vale e Nazaré, Ivan, Gilmar, Miriam e Regina, todos que haviam trabalhado com ele.

Esse ano fará 20 anos que meu pai morreu e comprovo que suas amizades são indestrutíveis, principalmente aquelas construídas com gente humilde como os Martins do Vale.

Miriam e Regina, filhas de Nazaré e seu Zé, continuam trabalhando conosco. Continuamos como uma família, só que agora um pouco mais órfãos.

Lembro com saudade que mesmo depois de muito tempo, de vez em quando, eu e meu irmão Nagib, íamos à casa de Nazaré só pra comer de seu feijão.

O tempo passa… Meu mundo está ficando menor… Mas eu venho ficando mais rico… De memórias e de saudade.

 

3 comentários para "Nazaré"


  1. Luís S. Lima

    Meu caro Joaquim Haickel,
    Fiquei muito emocionado com o que você escreveu sobre dona Nazaré e gostaria de dizer que sou testemunha da forma generosa e fraterna com que agia seu pai, o saudoso Nagibão.
    Trabalhava num banco em São Luis com o qual ele mantinha negócios.
    Algumas vezes fui convidado a participar de um jogo de futebol nesse sitio ao qual você se reporta. Não me lembro da dona Nazaré, mas lembro do caseiro, marido dela, que algumas vezes abria ou fechava o imenso portão que dava para a recém construída avenida Jerônimo de Albuquerque.
    Seu pai era um homem raro já naquela época. Hoje em dia ele seria ainda mais raro.
    Em seu texto transparece que você herdou de seu pai bons valores.
    Receba aqui, em nome da família de dona Nazaré, meus votos de pesar.
    Abraço,
    Luís S. Lima

  2. Manoel Botelho

    Já havia ouvido alguns políticos falarem sobre suas idéias, e sempre me parecia um grande homem. Hoje após ler o sua publicação fico a imaginar um homem com esse sentimento de amor, gratidão,seriedade, paz e respeito, tendo a oportunidade de governar o nosso Estado!!!
    O mundo atual precisa depessoas com o seu perfil de, sério, honesto,e principalmente, o sentimento de gratidão, que me pareceu peculiar. É o que não acontece com muitos que lhe são dados a oportunidade do poder.
    Aqui, fica a adimiração por um homem que o Maranhão precisa.
    Um forte abraço!
    Prof. Manoel Botelho.

  3. Luís Mário Oliveira

    Muitos de nós temos em nossas vidas uma Sra Nazaré por algum tempo. Que seja a mulher de um caseiro, uma émpregada doméstica ou até mesmo tia e/ou vizinha. Estória cinematográficas do nosso passado. Eu, Joaquim, sinceramente passei por este sítio e cheguei a sentir o gosto do feijão de dona “minina” na minha boca. A outra estória, suprimida nessa que acabaraa de descrever, que é a do translado até a chácara, e seu retorno aos Domingos, ahh!! essa aí eu já viajei com vocês. Lembro da personalidade forte do Carcará e sei o legado deixado por ele pra família e para a sociedade que legislou. Grato por esse passeio maravilhoso nesse conto saudosista e real por esse sítio do pica-pau-amarelo. Ops, perdão, sítio do AMOR! parabéns poeta…

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