Acalanto para uma outra São Luís

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Enganar-se-á redondamente quem imaginar que o título acima se refere a um tema político. Estará equivocado aquele que pensar que eu desejo hoje abordar algum aspecto de nossa cidade usando a vertente partidária ou ideológica. Cairá em erro quem supor que eu vá hoje vociferar contra o abandono do centro histórico, contra a inação dos governos em suas três esferas de descaso para com o nosso patrimônio cultural, histórico e arquitetônico.

A outra São Luís de que falo nos chegará hoje pelo foco da sensível e competente lente de um de nossos maiores cineastas.

A São Luís dele é a cidade das calmas ruas do centro. Nela se materializam os personagens do belíssimo drama concebido na genial cabeça de Mia Couto, maior escritor cabo-verdiano. Uma outra São Luís, um doce cenário que se adequa perfeitamente a quase todas as histórias que já tenham sido escritas ou que ainda venham a ser, tendo o ser humano, suas circunstâncias e suas conseqüências como pano de fundo.

Falo da São Luís de Arturo Saboia, cineasta que compõe a elite do cinema maranhense. Nesse ofício ele encontra-se ao lado de Frederico Machado, Francisco Colombo, Beto Matuck, Breno Ferreira, João Paulo Furtado, Zé Maria Eça de Queiroz, Junior Balbi, Ione Coelho, Denis Carlos, entre outros, sempre inspirados no trabalho de pioneiros como Murilo Santos, Euclides Moreira Neto, Ivan Sarney, João Ubaldo de Moraes… Tenho certeza que você leitor amigo pouco conhece sobre o cinema e os cineastas maranhenses. A culpa não é sua. Espero que muito em breve essa realidade mude. Tenho fé de que logo isso vai acontecer.

Recentemente Arturo chamou a mim e a Jacira à sua casa para assistirmos ao seu novo filme, “Acalanto”. Uma verdadeira obra-prima.

Arturo que estreou com o também excelente “Borralho”, baseado em um conto do mesmo Mia Couto, é um cineasta cuja maior qualidade, longe de ser a única, é a forma delicada e sensível com que aborda os temas aos quais se debruça. Ele faz isso mais uma vez com maestria em seu novo filme.

Roteirista minucioso, desenha as palavras de seu guião de tal forma, que de posse dele, qualquer um possa realizar um belo filme.

Tive o prazer e a honra de trabalhar com Arturo na confecção dos roteiros de alguns de meus filmes e posso garantir-lhe que ele é sensível, culto, aplicado, humilde e generoso, qualidades que fazem com que ele seja um grande artista.

Quanto ao filme, sem correr o risco de desmanchar o prazer de quem vier a vê-lo, posso dizer que é a declaração de amor fraterno mais doce que vi ultimamente no cinema. Digno de produções grandiosas. Devo dizer que este curta-metragem bem que poderia fazer parte de um longa que retratasse essa temática, que desfolhasse a flor do amor simples e singelo que a maioria das pessoas nem percebem que existe, bem ao nosso lado.

Arturo com o seu “Acalanto” dá um salto qualitativo e quantitativo imenso em relação ao seu primeiro filme, “Borralho”. Este que já era bom, agora passará a ser uma referência filmográfica importante, pois o segundo é muito melhor.

Dizer isso mais que um mero elogio é um desafio ao autor, para que ele se supere também no próximo, coisa que tenho certeza, ele o fará.

Quanto ao desempenho dos dois atores em cena, ele é irretocável. Luiz Carlos Vasconcelos e Léa Garcia estão perfeitos em seus papeis. Tempos atrás eu havia sugerido a Arturo que chamasse Laura Cardozo para viver Dona Luzia. Não foi possível e acabou por ser melhor. Léa Garcia está soberba. Para mim e para quem viu o filme ela arrebatará muitos dos prêmios que disputar.

O mesmo deve ocorrer com “Acalanto”, que tendo um tempo de duração elevado para um curta-metragem – eles devem ter até quinze minutos, o filme de Arturo tem vinte e três – mesmo assim, ele deve ser o filme curto maranhense mais premiado do ano.

“Acalanto” é um filme do qual gostaria de ter participado em qualquer função, mesmo que trabalhasse como operador de Travelling ou como um simples continuísta. Por isso a Fundação Nagib Haickel e a Guarnicê Produções se responsabilizarão pelo custeio do envio dessa obra para alguns dos mais importantes festivais de cinema do Brasil e do Mundo.

Fico orgulhoso de, em nossa terra, termos pessoas como Arturo Saboia, capazes de realizar uma obra tão importante. Sinto-me privilegiado e orgulhoso de fazer parte desse grupo, de ser amigo desses meninos que tanto honram a nossa tradição cultural.

Vai demorar algum tempo até que eu perdoe Arturo por não ter me chamado para que, mesmo de longe, eu pudesse presenciar a realização dessa bela obra. Vai demorar muito tempo para que eu perdoe a mim mesmo, por não ter à minha disposição o tempo necessário para fazer essas coisas que tanto me aprazem.

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Muitas perguntas, poucas respostas e várias dúvidas.

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Imagino que tudo que será dito a seguir já seja farta e vastamente sabido por todos aqueles que entendem ou pensam que entendem pelo menos um pouquinho sobre a política do Maranhão.

Acredito que suscitar esse assunto possa fazer surgir por entre as neblinas da dúvida, uma visão de norte nessa bússola que aponta nosso caminho na travessia que se aproxima.

Um único movimento, de uma única peça no conturbado tabuleiro de xadrez da atual política maranhense deverá decidir o destino da próxima eleição para o governo de nosso Estado.

O simples fato da governadora Roseana Sarney permanecer ou não em seu cargo, até o último dia de mandato, poderá selar o resultado do próximo pleito.

Essa foi a primeira pergunta que me fizeram alguns deputados de oposição quando estive na Assembleia Legislativa poucos dias atrás.

O fato é que, caso a governadora opte em se candidatar à única vaga em disputa para o Senado em 2014, a vitória de seu candidato ao governo passará a depender diretamente de quem for ocupar o cargo de governador do Estado em seu lugar.

A saída da governadora para disputar e certamente ganhar o pleito ao Senado, abre muitas indagações. Algumas fáceis de responder, outras difíceis, outras ainda praticamente impossíveis de obtermos resposta.

(?) Quem assumirá o governo? O vice, Washington Luiz Oliveira? Ou será que este aceitará a vaga no Tribunal de Contas do Estado, possibilitando que a Assembleia Legislativa decida quem será o governador tampão? Caso o vice não aceite ir para o TCE, ainda assim a governadora se desincompatibilizaria para concorrer ao Senado? Entregaria ao PT a incumbência de ajudar a eleger o candidato da coligação apoiada pela presidente Dilma?

(?) Caso o vice-governador aceite o cargo de conselheiro do TCE, o presidente da Assembleia Legislativa, Arnaldo Melo, assumindo o governo interinamente por 30 dias, como manda a Constituição, irá permanecer no cargo até o final do mandato? Penso que este questionamento é fácil de responder. É muito provável que sim, pois assumindo o governo no período vedado pela lei eleitoral, ele torna-se automaticamente inelegível para qualquer outro cargo que não seja o de governador.

(?) Assim sendo, ele sentado na cadeira de governador, será candidato ao governo para um mandato subsequente? Acredito que esta é outra pergunta que pode ser respondida com alguma segurança. Não. Não acredito que ele tentaria uma candidatura, pois tem compromisso com aquele que deverá ser o candidato a governador apoiado por todos os partidos que formam a base de seu grupo. Candidato este que deverá ser o ministro Edison Lobão ou o secretário Luís Fernando Silva.

Há outro fato importante que desejo comentar hoje. É que nessa eleição não poderemos carregar certos fardos, peso morto com os quais só conseguimos formar uma densa massa de manobra que só tem servido para dificultar nossa caminhada.

Devemos apoiar preferencialmente quem tenha capacidade e possa agregar suas forças às nossas, nas duras batalhas que certamente serão travadas nessa campanha. Esses companheiros devem possuir adjetivos capazes de se consubstanciarem em predicados necessários para nos fazer vencedores no próximo pleito.

Já foi o tempo de se eleger deputado quem não consegue ser um parlamentar ou escolher-se para suplente de senador alguém a quem não depositemos a confiança necessária para que, num caso de problema grave de saúde, o senador prefira não se licenciar.

Alguém poderia questionar: quem é este sujeito para abordar esse assunto. Restaria dizer que mesmo sem desejar exercer mandato eleitoral, não consigo me distanciar da política. Que a prática de anos não se esquece ou se abandona de uma hora para outra.

Gosto mesmo é da parte da política que liga à filosofia, à sociologia, à psicologia e à antropologia. Da parte que trata da razão de ser e de não dever ser das coisas no âmbito dessa prática, que em minha opinião se aproxima muito de uma forma de arte.

Um dia desses, quando levava minha enteada para escola, pela manhã, bem cedinho, fiquei imaginando tudo isso e acabei por descobrir que o que no fundo, o que distingue os homens, na vida como na política, é o espaço que há entre o que eles precisam, o que eles querem e aquilo que eles acabam por fazer.

 

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Nazaré

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Tenho comentado aqui, sempre que falece alguém ligado a minha família. Desta vez infelizmente falarei sobre Dona Nazaré Martins do Vale, amada esposa do velho Zé do Vale, ex-caseiro do sítio de meu pai e amantíssima mãe de nove filhos. Todos criados nos arredores do nosso sítio do Angelim, onde hoje se encontra o Residencial Pinheiro e que se estendia, de um lado, até a Avenida Jerônimo de Albuquerque e do outro, até quase chegar aos fundos da Cohama.

Não tenho memória de quem meu pai comprara aquele sítio, mas sei que foi no início dos anos 60. Lembro que vizinho dele havia uma fábrica de papel reciclado pertencente ao “tio” William Nagem, grande amigo de papai.

Quando eu era criança, minha família saía de nossa casa no Outeiro da Cruz toda sexta-feira à tarde, depois que chegávamos do Colégio Batista e se dirigia para o sítio, de onde só voltávamos depois que o último raio de sol do domingo se despedisse da gente. A viagem era maravilhosa. Um dia eu conto.

No sítio, moravam primeiramente seu Sergio e Dona Maria, herança do antigo proprietário daquelas terras. Seu Sergio era um velho alto e magro, falante e exímio contador de causos. Dona Maria era uma velhinha baixinha. Mesmo que não fosse gorda tinha uma cara redonda e estava sempre com cara de poucos amigos.

Comentavam que eles morriam de ciúmes um do outro. Em minha cabeça de criança não entendia como aquele velho homem podia sentir ciúmes daquela velhinha ranzinza.

Baseado na relação dos dois, meu pai criou a lenda do caju do amor. Este era o fruto proveniente de um imenso cajueiro que havia do lado da casa de seu Sergio e dona Maria, onde hoje se encontra uma igreja. Era um daqueles cajueiros que tinha seu imenso caule, todo contorcido e em alguns casos corria em paralelo ao chão. Anos mais tarde, quando fui a Natal, no Rio Grande do Norte, conheci o bisavô do cajueiro do amor. O fato é que todos os cajus daquela árvore eram doces. Meu pai dizia que o mel deles era resultado do amor de seu Sergio e dona Maria.

O tempo passou, seu Sergio adoeceu e veio a falecer. Dona Maria ficou inconsolável e quis ir morar com parentes no interior do Ceará. Meu pai mandou levá-la de carro até lá e nunca mais soubemos notícia dela.

Zé do Vale que fora contratado por seu Sergio para tomar conta das vaquinhas, carneiros, cabritos, porquinhos e das muitas galinhas que tinham por lá, passou assim a ser o responsável pelo nosso sítio.

Um dia meu pai perguntou a seu Zé o que fazia a mulher dele. Ele respondeu que lavava roupa. Meu pai perguntou então se ela não gostaria de trabalhar para ele lavando uma sacaria. Foi assim que, lavando sacos de açúcar, dona Nazaré ajudou a pagar a casa que iriam comprar. Pouco depois toda família veio morar em nosso sítio.

Nelsi, Gilvan, Ivan, Gilmar, Miriam, Regina, Mirani, e as gêmeas Lucinha e Verinha, passaram a ser tão donos daquele mundo quanto eu, Nagib, Jorge ou Celso, pois como não pudéssemos dispor de nada dali financeiramente, como o usávamos de igual modo e na mesma medida, éramos todos donos. Fomos todos criados como iguais. Quase como irmãos.

Zé do Vale sempre foi caladão. Nem sei como é a maneira politicamente correta de falar isso, mas ele era um negro imenso e forte. Suas feições não eram grosseiras. Ainda hoje ele demonstra ter sido um sujeito bem apessoado, mas era imenso para nós que não passávamos de pirralhos de pouco mais de metro de altura.

No sítio nossa vida era só alegria. Lá não havia tristeza. Acordávamos e já pulávamos na piscina que meu pai construíra represando um riacho que cortava a propriedade. Hoje, fazer aquilo seria crime ambiental, mesmo tendo ele previsto que não devesse interromper o curso d’água, e deixado um sorvedouro que perenizava o córrego.

Mas voltemos à dona Nazaré. Ela era uma cabocla de olhos apertados, um tanto asiáticos. Era falante e alegre, sempre pronta para uma brincadeira, mesmo que não gostasse muito das safadezas de meu irmão Nagib, que sempre contava piadas fortes e cheias de duplos sentidos.

Dona Naza fazia um feijão branco com toicinho que, comido só com arroz ou mesmo com farinha d’água, era uma comida digna dos Deuses.

Era de seu cardápio também dois tipos de farofa sem igual: de ovo com tomates e cebolas, e de carne seca.

Quando não tinha os ingredientes à mão mandávamos comprar latas de sardinha e ela cortava tomates, pepinos, cebolas e decorava com alfaces e nos fazia sentir pequenos reis.

O tempo foi passando, nós fomos crescendo. O sítio que antes era muito longe, era agora quase dentro da cidade.

Em 1978 papai vendeu o sítio para pagar as contas de sua primeira eleição de deputado federal. Quem o comprou foram seus amigos proprietários do moinho de trigo. Zé do Vale, Nazaré e seus filhos ficariam por lá até que os novos donos vendessem o sítio.

Meu pai então comprou um terreno próximo e construiu nele cinco casas para Zé do Vale e Nazaré, Ivan, Gilmar, Miriam e Regina, todos que haviam trabalhado com ele.

Esse ano fará 20 anos que meu pai morreu e comprovo que suas amizades são indestrutíveis, principalmente aquelas construídas com gente humilde como os Martins do Vale.

Miriam e Regina, filhas de Nazaré e seu Zé, continuam trabalhando conosco. Continuamos como uma família, só que agora um pouco mais órfãos.

Lembro com saudade que mesmo depois de muito tempo, de vez em quando, eu e meu irmão Nagib, íamos à casa de Nazaré só pra comer de seu feijão.

O tempo passa… Meu mundo está ficando menor… Mas eu venho ficando mais rico… De memórias e de saudade.

 

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