Lincoln, o filme

8comentários

Vou comentar hoje sobre dois dos assuntos de que mais gosto e que acredito sejam aqueles que mais domino. O bom neste caso é que falarei dos dois de forma conjunta e simultânea. Trata-se de política e cinema e vou fazer isso levado pelas mãos do grande cineasta Steven Spielberg, mestre em abordar temas políticos de maneira magistral.

Adentro ao cenário que mostra o que aconteceu entre o final de 1864 e o começo de 1865, durante a guerra civil americana. O diretor, como sempre faz, conta sua história com riqueza de detalhes e de um ponto de observação jamais usado antes.

Spielberg, sem que a grande maioria do público perceba, aborda em suas obras, temas eminentemente políticos. Ele sempre os apresenta com grande carga emocional e sutil senso de humor, às vezes encobrindo do público médio a visão do ponto que deseja realmente atingir.

Nem sempre seus temas são políticos, como nos casos de Tubarão, Indiana Jones e Jurassic Park. Já nos casos de A lista de Schindler, Amistad, O resgate do soldado Ryan, O Terminal e Munique, apenas para citar alguns, nestes, é exatamente de política que ele trata.

Com os primeiros ele ganha o dinheiro necessário para que possa ficar tranquilo e realizar os segundos, sem medo de que estes não façam o sucesso comercial esperado, coisa que jamais aconteceu.

Dito isso sobre SS pretendo não mais falar diretamente dele hoje, mas falarei o tempo todo a respeito dele, comentando sobre essa sua última criação.

No início do filme se vê fotografias históricas e legendas que nos dão a dimensão do fato, do tempo e do espaço. Fatos e fotos que são necessários para nos posicionarmos sobre os acontecimentos e para que os autores, diretor e roteirista, comecem a nos contar a sua visão da história.

É importante que seja dito que todo este filme é inteiramente construído sobre o sólido roteiro de Tony Kushner, que, por sua vez, se baseia no livro de Doris Kearns Goodwin. A maior qualidade do diretor neste caso é não desfigurar a história, maravilhosamente bem contada.

Este não é simplesmente um filme histórico ou sobre a história, antes de tudo é uma autópsia dos fatos que são mostrados de maneira tão surpreendente que até se perde a dimensão cinematográfica da obra. Em muitos momentos não parece que estamos assistindo a um filme. Fica a nítida impressão que estamos presenciando os fatos como eles aconteceram, que estamos dentro da história, participando dela como espectadores privilegiados.

A escolha do elenco é responsável por boa parte do sucesso da encenação. Não que sejam apenas bons atores. Não! Isso seria dizer pouco. Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, David Stratairn e James Spader, apenas para falar dos mais importantes atores em cena, são verdadeiramente aquelas figuras históricas, entram na pele de seus personagens que a partir de agora ficarão marcados em nossa memória para sempre, graças à magia do cinema.

Durante mais de duas horas e meia, tempo de duração da película, fiquei me perguntando qual seria realmente o assunto central daquela obra, sobre o que Spielberg estava falando primordialmente. Saí da sala de exibição ainda me perguntando e volta e meia, ainda agora mesmo, volto a me questionar sobre isso.

São muitas as linhas de análise e de consequente entendimento que se pode auferir, mas em minha opinião a mais forte de todas é a que nos fala da dimensão humana dos heróis e da nossa miserável condição de seres humanos. É bem verdade que alguns de nós somos mais humanos que outros. Uns são mais humanos pelo lado positivo de ser, outros pelo que há de podre em nosso gênero.

No filme vemos aquele que provavelmente é o maior símbolo de correção e retidão de caráter para o povo que compõe a maior nação da terra, em sua ordinária condição humana. É bem verdade que o vemos sofrer e se dilacerar. Deve ter sido assim mesmo que aconteceu, pois este quase santo homem, em nome de um bem maior e mais permanente para seu povo, seu país e para a humanidade, prorroga por alguns meses uma das mais cruéis e sanguinárias guerras que a humanidade já perpetrou, deixando com isso que morressem milhares de soldados de ambos os lados do conflito.

Tudo que aquela figura gigantesca em estatura física e moral fez e levou outros a fazer na intenção de aprovar a Décima Terceira Emenda à Constituição americana, instrumento que acabava com a escravidão, mesmo algumas dessas coisas sendo atos de infame corrupção, tudo aquilo, foi muito bem feito e necessário para que ele atingisse seu objetivo, que era nobre e justo.

No meio da sessão percebi, sentado em um canto escuro de minha mente, assistindo junto comigo ao filme de Spielberg, o grande Nicolau Maquiavel que sorria discretamente, maravilhado com o que era capaz o homem de fazer quando tem um bom motivo para fazê-lo.

Para encerrar a nossa sessão de hoje, fica aqui uma constatação cínica, a de que o que falta para alguns políticos que fazem coisas das quais se envergonham é o bom motivo que teve Abraham Lincoln para cometer as irregularidades que teve que cometer para libertar os escravos em seu país.

Se você ainda não assistiu a esse filme, aproveite que hoje é domingo de carnaval e vá assisti-lo, quem sabe nós nos encontramos por lá, pois preciso vê-lo novamente, talvez descubra algum detalhe que possa ter me escapado.

8 comentários para "Lincoln, o filme"


  1. Hamilton Nunes

    Se a falta que seus textos nos fazem for compensada por artigos como esse, pode continuar recluso.
    Você foi brilhante! Conseguiu resumir de forma espetacular o que se sente ao ver essa maravilhosa obra de arte.
    Vou também rever esse filme.

  2. Angela Silva

    Você me deixou realmente curiosa. Vou ver esse filme hoje mesmo.

  3. Antonio Prado

    Excelente leitura nesse tempo pobre de carnaval!

  4. Sâmara Braúna

    Tivemos uma transmissao instantânea de pensamento, pois enquanto lia seu artigo tive a impressão de estar na companhia de Maquiavel, relendo o manual da politica, onde nunca foi dito, mas cuja expressao popularizou que os fins justificam os meios, contrariando o pensamento do jesuíta Hermann Busenbaum que afirmou:”quando os fins são bons ,também são os meios.”

    • Joaquim Haickel

      Seja bem vinda!

      • Sâmara Braúna

        Obrigada amigo! Saudades dos alegres momentos de degustação literária, cinéfila e gourmet. Rssss

  5. Antonio Noberto

    Bela análise! Fiel ao filme e aos acontecimentos!

deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS