O confuso voto proporcional

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Aonde quer que eu chegue pessoas me perguntam sobre as possibilidades de vitória de seus candidatos a vereador na próxima eleição.

Nem lembrava mais como foi que tudo isso começou. Quando e como foi que eu aprendi a fazer essas contas que possibilita chegar ao coeficiente eleitoral e partidário, para com isso vislumbrar as possibilidades dos partidos em eleger seus candidatos.

Devo deixar bem claro que não sou muito bom de contas. Nunca fui. Sempre gostei mais das matérias discursivas como filosofia, história, geografia e literatura.

Já meu pai era um gênio matemático e um mago da mídia. Fazia as operações aritméticas de cabeça e com uma velocidade incrível e inventava mil formas de comunicação. Nessas coisas eu não puxei para ele.

Desde criança acompanhava-o em suas campanhas políticas. Era frequente que ele chamasse minha mãe para que ela me retirasse da sala, pois minha presença inquieta atrapalhava a conversa.

Comecei a auxiliá-lo informalmente na Assembléia Legislativa em 1975, aos 15 anos, e sempre que podia presenciava suas conversas com políticos importantes e cabos eleitorais influentes vindos do interior. Efetivamente passei a assessorá-lo em 1979, como chefe de gabinete em seu primeiro mandato como deputado federal.

Já escrevi anteriormente sobre esse meu aprendizado político. Tive como mestres além de meu pai e meu tio José Antonio Haickel, José Sarney, Clodomir Millet, Pedro Neiva de Santana, Haroldo Tavares, Nunes Freire, José Burnet, João Castelo, Ivar Saldanha, Alexandre Costa, Vieira da Silva, Epitácio Cafeteira, Edison Lobão, João Alberto, José Bento Neves, Gervásio Santos, Raimundo Leal, Celso Coutinho e tantos outros grandes políticos. Isso sem contar os colegas que tive. Gente como Jaime Santana, Sarney Filho, Chico Coelho, Ricardo Murad, Haroldo Saboia, Edivaldo Holanda, Albérico Filho… Com professores e colegas como esses um aluno só não progride se não for talhado para o negócio.

Mas voltemos ao cálculo do coeficiente eleitoral. Aprendi a fazer essas contas em 1979 e quem me ensinou foi um colega de meu pai, Daso Coimbra, deputado federal pelo do Rio de Janeiro.

A primeira coisa que deve ser dita é que qualquer um pode fazer esses cálculos, pois eles estão publicados e explicados na lei eleitoral. O que não está na lei é o conhecimento político e o acesso às informações confiáveis que possibilitam fazer os estudos que nos permitem saber das chances de cada partido em uma eleição.

A conta é simples. Obtemos a quantidade de votos válidos somando-se todos os votos dados aos candidatos individualmente àqueles dados a todas as legendas dos partidos em disputa e divide-se esse resultado pela quantidade de vagas oferecidas.

No caso desta eleição em São Luis, estima-se que os votos validos serão 520.000. Dividindo esse numero por 31 vagas à Câmara, chegaremos a um quociente eleitoral de 16.774 votos. O que significa dizer que, para eleger um único vereador, um partido ou uma coligação deverá atingir esse número de votos.

Nas condições citadas acima, o partido que alcançar 16.773 não elegerá vereador algum.

Cálculo semelhante deve ser feito individualmente em relação a cada partido ou coligação.

Para sabermos quantos vereadores cada partido ou coligação elegerá, basta apurarmos seus votos válidos e dividirmos pelo quociente eleitoral. Imagine que uma coligação obtenha 67.269 votos. Divida esse numero por 16.774 e o resultado será 4.

Essas contas não são assim, exatas, por isso a contabilização das sobras é muito importante, mas infelizmente não dá para explicar isso em uma crônica de jornal.

Quando faço o meu estudo, me atenho exclusivamente a performance de partidos e coligações, não faço avaliação individual de candidatos, pois análises como essas dependeriam de uma imensa quantidade de informações, as mais confiáveis possíveis, coisa que não é fácil de se obter.

Esse estudo não é infalível. Da mesma maneira, pesquisa de opinião não pode ser levada cientificamente em conta para medir-se a preferência quanto a cargos em disputa proporcional, pois outros fatores são muito mais decisivos que os votos individuais de cada candidato.

Sobre esse fato gosto de citar o caso do ex-governador Jackson Lago que na eleição de 1986, mesmo tendo mais votos do que a soma dos dois últimos deputados federais eleitos pelo PMDB, não conseguiu se eleger, pois seu partido não obteve a quantidade mínima necessária para eleger um deputado.

Sobre a próxima eleição em São Luis, no primeiro estudo que fiz semanas atrás, cheguei à conclusão de que das 16 coligações ou partidos em disputa, 2 não elegerão nenhum vereador. Os 14 restantes devem eleger de forma direta 26 dos 31 vereadores, ficando 5 vagas para serem preenchidas pelos cálculos das sobras.

Muito mais que isso não poderia dizer e o que dissesse seria proveniente das informações políticas e eleitorais que me chegam pela grande quantidade de contatos que faço diariamente.

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Alexandre, Graciliano, Sebastião e Eu.

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Se meu pai ficou conhecido por ter sido um sujeito alegre, que aonde chegava distribuía bombons e guloseimas, agitando os ambientes, contagiando as pessoas com sua energia e vibração, minha mãe é reconhecida por uma frase e uma atitude que costuma dizer e demonstrar a todos que tem o privilégio de conhecê-la um pouco melhor: “Nasci pra ser feliz”.

Eu sou isso. Filho da alegria avassaladora de meu pai e da predestinação à felicidade de minha mãe.

Falo isso como intróito para nossa prosa de hoje. Para poder dizer a você que reserva seu precioso tempo, capital inicial do investimento maior de sua vida, em ler o que esse humilde escriturário transporta para o papel. Para dizer que a busca da felicidade e o cultivo da alegria, em si só, já é a consumação de ambas.

Pois bem. Já comentei em outra oportunidade que tenho praticado leitura sem o uso da visão. Para realizar esse prazer tenho usado a audição. Explico. Comprei mais de cinquenta títulos de obras literárias importantes, não em papel, mas em meio digital, CDs gravados no formato MP3, onde grandes leitores, narradores exímios, atores de imenso gabarito lêem e interpretam o que os grandes gênios da literatura brasileira e mundial produziram.

São textos de escritores clássicos que vão dos mais antigos como Sócrates, Platão e Aristóteles, passando por alguns menos antigos como Sun Tzu, Maquiavel e Thomas More, indo a não tão antigos como Machado de Assis, Graciliano Ramos e Nelson Rodrigues até chegarmos aos atuais como Laurentino Gomes, Elizabeth Gilbert e Sara Gruen.

Agora mesmo estou ouvindo em meu carro o CD que contém o Livro “Histórias de Alexandre”, personagem em quem o genial Chico Anísio se inspirou para criar o seu Pantaleão, mentiroso contumaz que tinha em sua mulher Terta, a cúmplice e avalista de seus despautérios.

Meu atual motorista, Marcelo, que é irmão daquele outro motorista de quem já escrevi sobre ele, Moraes Neto, meu braço direito, meu Sancho Pansa, que faleceu e quebrou minhas pernas… Esse dito Marcelo, “se ri sozinho” ouvindo os causos de Alexandre.

Graciliano usa nessas histórias de toda a autoridade para desenhar um sertão que ele conhece como poucos. Aqueles que conhecem o sertão melhor que ele, não conhecem a arte de narrar e descrever tamanhas belezas e tamanhos horrores.

Em meio a tudo isso, cometi um ato de suprema sabedoria ao ligar para o meu mestre Sebastião Moreira Duarte para que ele me tirasse uma dúvida. O que seria o substantivo “copiar” a que tanto o velho Alexandre se refere em suas prosas com sua mulher Cesária, sua afilhada, a benzedeira Das Dores, seu Libório cantador de emboladas, Gaudêncio, o curandeiro, e o cego Preto Firmino.

Pelo contexto das histórias eu imaginava o que deveria ser o tal copiar, um determinado espaço da casa. Mas qual exatamente? Mestre Sebastião tirou a dúvida. Copiar é uma espécie de latada, uma varanda na frente da casa.

Ao escutar Alexandre pelas palavras que Graciliano colocou em sua boca, depois de ouvir as anedotas do dia a dia do sertanejo nordestino, chego a perceber lá no fundo, um sopro de Machado de Assis. Sebastião me disse que nele também existe muito de Eça de Queiroz.

Eu seria incapaz de reproduzir aqui, pra você, a aula que ganhei sobre a vida no sertão e sobre a literatura de Graciliano e de outros tão grandes quanto ele, em apenas quinze minutos de conversa telefônica com aquele que é, na opinião de muita gente importante e conhecedora, Jomar Moraes entre eles, a pessoa mais culta do Maranhão na atualidade: Sebastião Moreira Duarte.

Sebastião foi meu professor de filosofia no início de meu curso de direito na UFMA. Depois continuamos amigos e ele continuou me ensinando pela vida afora. Hoje, quem poderia imaginar, que eu, filho de um homem descaradamente alegre e de uma mulher predestinada a ser feliz, seria confrade na AML deste “despotismo” de cultura.

Não se assuste. Não estou insultando o mestre filósofo. A palavra “despotismo”, também muito usada por Graciliano em boca do major Alexandre, significa simplesmente exagero.

Em “Histórias de Alexandre” o autor de “Caetés, São Bernardo, Vidas Secas e Memórias do Cárcere” demonstra de forma definitiva a sua competência em contar histórias e seu humanismo.

Por causa da audição deste livro pude mais uma vez comprovar não só o valor da literatura e da cultura que ela transporta e distribui, mas principalmente que Sebastião Moreira Duarte é o homem mais culto do Maranhão.

Por tudo isso, voltando ao primeiro parágrafo desse texto, comprovo que a alegria que meu pai me deixou de herança e a perseverada felicidade que minha mãe em vida me legou, juntamente com os amigos que tenho, são meus bens maiores.

 

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Saudade de Antonio Lobo

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A realização do projeto Academia da Memória – Homens & Imortais me propiciou conhecer mais de perto alguns personagens de nossa história literária e cultural, sobre os quais eu sabia algumas poucas coisas, desconhecidas da grande maioria das pessoas. Esse trabalho fez com que aprofundasse meu conhecimento, fato que espero aconteça com todos que tiverem acesso a esse material.

Uma das personalidades mais polêmicas de nossa história, com toda certeza, foi Antonio Lobo, dínamo de sua geração, jornalista competente e cronista implacável.

Se por um lado ele serviu como motor de força e gerador de energia para o movimento que culminou com a criação da Academia Maranhense, que mais tarde passaria a ser “de Letras”, ele também era um encrenqueiro contumaz, um polemista ferrenho, um crítico ácido.

Professor, jornalista, romancista e tradutor, Antonio Lobo, nasceu a quatro de julho de 1870 e morreu ainda jovem, aos 46 anos.

Ele dirigiu a Biblioteca Pública, o Liceu Maranhense e a Instrução Pública, que seria hoje a Secretaria de Educação do Estado, além de ter sido diretor de A Revista do Norte, importante periódico de sua época. A militância na imprensa era para ele, sua razão de viver. Por meio dela, pôde disseminar suas idéias de educador, de crítico de costumes e de político. Seu estilo era simples, mas impregnado de ironia.

Envolveu-se em grandes polêmicas. Entre os adversários estão quase todos os grandes intelectuais de sua época: Nascimento de Moraes, Manoel de Bethencourt, Barbosa de Godóis, Alfredo Teixeira, Fran Pacheco e Xavier de Carvalho. Alguns destes eram seus diletos amigos.

Em 1915, Antônio Lobo assume a direção do jornal ‘A tarde’, de J. Pires. Escreve ali duras críticas endereçadas ao então governador Herculano Parga. Este, o calou comprando o jornal.

Meses depois se suicida enforcando-se com uma corrente de rede.

Ao me defrontar com a história de Antonio Lobo, de saber de sua vida, dos fatos que o fizeram ser quem foi, das decisões que o fizeram fazer o que fez, olho em volta e vejo o quanto evoluímos em certos aspectos, o quanto continuamos iguais aos pais dos pais de nossos pais e o quanto pioramos depois deles.

Lendo sobre a vida do escritor, vejo que ele polemizava com todos a respeito de quase tudo. Amigos de longas datas, companheiros de jornadas, adversários políticos, desafetos. Literatura, política, filosofia, costumes. Talvez fosse essa a maneira que ele tenha encontrado para movimentar a província.

Gostaria de tê-lo entre nós para que ele dissesse poucas e boas para certas pessoas invejosas e recalcadas, que não fazem nada para melhorar nem a si nem a comunidade onde vivem, e ao invés disso se subtraem, ou melhor, se multiplicam negativamente. Se bem que multiplicando por zero o resultado é sempre zero e subtração de zero não altera o resultado.

Fico imaginando o que diria Antonio Lobo para uma determinada figura carecida de piedade, farrapo humano que não consegue guarida nem no seio de sua própria família.

Tenho certeza que tanto quanto eu, o mestre Lobo não se fixaria no defeito físico que o dito cujo carrega. Dizem que a parteira que lutou para trazer o infeliz ao mundo, tentando abreviar o sofrimento de sua pobre mãe, puxou-o pelo braço, entortando-o. Lobo preocupar-se-ia tão somente com os defeitos do caráter e da alma do sacripanta. Alguém que segundo dizem, foi expulso de sua própria entidade de classe. Boa coisa esse Belo não pode ser!

Se o chamassem de rapace, o indigitado teria que recorrer a um dicionário para saber do que foi qualificado. Pior seria chamá-lo de cinesiforo valdevinos apedeuta viegas ou de sostro lheguelhé atrabiliário gilvaz. Uma hora dessa ele deve está mergulhado no Aurélio tentando se achar.

Em “A carteira de um neurastênico” Antonio Lobo desenha um auto-retrato contundente e corajoso, um belíssimo reflexo da alma inquieta e atormentada que habitava seu corpo, “cousa” que não tenho certeza haja em certas figuras. O que deve sustentar essas criaturas não são almas. O que os sustenta é uma intrincada rede de idiossincrasias que lhes servem de cabide onde penduram os trajes com os quais escondem suas vergonhas e seus recalques.

Escondidos atrás de mídias poderosas esses lombrosianos modernos tentam apropriar-se da capacidade de disseminação de injúrias, calúnias e difamações dando às suas palavras a força de uma mídia avassaladora. No entanto, suas palavras são pobres, desprovidas de luz, e acabam por criar no máximo um traque, emissão de gases pútridos de origem orgânica.

Seria bom que tivéssemos de volta Antonio Lobo para dizer cobras e lagartos de e para essa gente.

Nossa cidade seria um lugar bem melhor se o falastrão a quem me refiro fosse capaz de imitar Antonio Lobo, única e exclusivamente no que diz respeito ao último ato de sua vida.

 

PS: Como tenho andado muito ocupado, esse texto serve de resposta, tardia, mas necessária, a um imbecil. E a outros também!

 

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Meia noite em São Luís

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Outro dia tive um sonho interessante: Estava eu em companhia de um grupo de amigos, deste e de outros tempos, apreciando o mural que retrata a fundação de São Luis, que se encontrava pendurado na parede do Salão de Atos do Palácio dos Leões.

Comigo estavam Japiaçu, principal chefe das aldeias de Upaon-Açu; Davi Migan, o língua, gaulês que foi trazido para os trópicos ainda menino e que aqui chegando, assimilou e foi assimilado pela cultura nativa, o que lhe propiciou a função de tradutor e diplomata dos tupinambás; Charles de Vaux e Jacques Riffau, misto de negociantes e corsários; os empreendedores Daniel de La Touche, senhor de La Ravardiere, François de Rasilly, senhor Almers e Nicolau de Herley, senhor de Sancy; os padres capuchinhos Claude d’Abbeville e Yves d’Évreux.

Estavam também Jerônimo de Albuquerque, Diogo de Campos Moreno, Alexandre de Moura e o engenheiro-mor Francisco de Frias, responsável pelo primeiro desenho urbanístico de nossa cidade.

Mais atrás vinham Simão Estácio da Silveira, fundador do Senado da Câmara de São Luís e o padre Antonio Vieira, que dispensa qualquer aposto. Vinham seguidos de um sizudo Manuel Bequimão, a quem todos devem conhecer.

Em meu sonho estava também o político, escritor e jornalista João Francisco Lisboa e dona Ana Jansen que vinham acompanhados pelo igualmente político, escritor e jornalista Erasmo Dias, o pintor Floriano Teixeira, autor do magnifico mural, o poeta Valdelino Ceccio, o fotografo Dreyffus Azoubel, os historiadores Mário Meireles e Carlos de Lima, o famoso maluco local “Bota Pra Moer”, que trazia atenciosamente pelas mãos minha espevitada filha Laila, de sainha plissada e maria chiquinhas, do tempo em que ela ainda era uma menininha perguntadeira. Hoje, mesmo que ainda perguntadeira, já é uma bela mulher.

Todos apreciavam o quadro de seu ponto de vista. O velho índio via sua gente parda, lindamente retratada pelo artista que ao fundo apreciava sua obra, e mais ainda, apreciava a apreciação e o deslumbramento dos demais.

Os franceses se acharam garbosos. Os portugueses não se viam registrados. Os padres se viam elegantemente retratados. Mas Vieira, como era de seu temperamento, já se preparava para dizer que ali começava a exploração dos silvícolas pelo branco.

O clima não era de disputa. Não havia tensão no ar. Havia comtemplação. A obra de Floriano, mesmo se não represente a verdade dos fatos acontecidos, retrata solidamente aquele tempo feito luz e cor.

Lembro da primeira vez que vi aquele quadro. Ainda menino, fui levado por meu pai ao Palácio, não me lembro bem por qual motivo. Ao passar por uma das salas vi aquela imensa pintura, a maior que veria por muitos anos e me apaixonei por ele, pela história que cada um daqueles personagens contava.

Mesmo que não tivesse movimento em si, os desenhos pareciam se mexer. Os personagens tinham vida, corriam, falavam, sorriam…

De repente o Salão de Atos do PL, locação inicial de meu sonho, transformou-se em uma espécie de corredor por onde passavam todos os personagens que participaram da história de São Luís nesses 400 anos.

No meio do sonho, lembrei que da primeira vez que fui ao Palácio vi um outro quadro que me comoveu bastante. Tratava-se de uma pintura que trazia um índio sobre uma prancha de madeira e nela, a seus pés, jazia morto um homem, que de imediato perguntei de quem se tratava e me foi respondido que aquele era o poeta Gonçalves Dias.

Em minha procura daquele quadro, no sonho, acabei por encontrar um outro, que até aquele instante me era desconhecido.

Tratava-se de uma obra moderna, iconográfica, cheia de informação, ícones culturais. Em estilo lembrava Andy Warhol. Havia no meio dessa tela, que trazia por trás de si uma luz que oscilava de um lado para outro, uma série de números: “…398, 399, 400, 401, 402…”.

Todos haviam ficado para trás. Em frente aquele quadro estavamos apenas eu, minha filhinha perguntadeira, o padre Vieira e “Bota Pra Moer”.

Laila perguntou o que significava aquele quadro. Eu calei. Vieira franziu a testa, suspirou e levou as mãos justapostas ao peito, como se rezasse. Só o maluco foi capaz de expressar claramente o que via. Segundo ele aquele quadro recomendava que tratássemos de comemorar os 400 anos de São Luís da melhor maneira possivel, mas que mais importante que isso, seria comemorarmos com igual entusiasmo e com cada vez maior empenho os aniversários vindouros, buscando preservar nossa cidade para as gerações futuras.

Acordei sobressaltado. Aquilo tudo pareceu tão real, tão verdadeiro. Fiquei triste por ter acordado e parado de sonhar.

Deitei novamente, fechei os olhos e busquei me concentar naquele sonho, tentando alcançar novamente aquelas imagens, aqueles sons, aquele filme que havia sido interrompido. Não consegui voltar ao sonho, mas acordado mesmo, passei a desenhá-lo em minha mente.

De tudo que pensei, o mais importante foi reflexo direto do que disse “Bota Pra Moer”: As comemorações dos 400 anos de São Luís são importantes, porém, mais que isso será no ano que vem comemorarmos os 401 anos de nossa cidade podendo oferecer a ela e a seus habitantes, nós, uma melhor qualidade de vida, uma cidade mais bem tratada, mais preservada, mais amada, mais respeitada.

Esse será sempre o melhor presente que poderemos dar à nossa terra mãe.

 

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Para meu amigo Bob

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Já havia escrito uns quatro parágrafos sobre um outro assunto ao qual voltarei num domingo adiante, quando me ligaram dizendo que meu amigo Roberto Duailibe Cassas Gomes havia falecido.

A partir dali a minha crônica para hoje iria mudar de direção. Passaria a ser, pelo tom triste e saudoso do adeus, um réquiem, mas seria principalmente um instrumento de catarse, de enfrentamento de alguns de meus maiores defeitos, de algumas de minhas maiores fraquezas.

Como diz o título, vou falar-lhe um pouco sobre meu amigo Bob.

Nasci 53 dias antes dele. Eu em dezembro de 1959 e ele em fevereiro de 1960.

Talvez tenhamos vindo ao mundo pelas mãos de médicos diferentes, em hospitais diferentes. Mas logo iríamos nos encontrar, pois nossos pais se conheciam. Quase todos se conheciam em São Luis durante os anos 60 e 70.

Não me lembro ao certo como e onde nos conhecemos. Acho que foi em um aniversário na casa de Daniel Aragão, amigo e sócio de meu pai. Tio Daniel morava no Apeadouro. Tia Oneide, sua viúva, ainda mora lá.

Uma tia de Roberto morava em frente e as famílias se frequentavam. Deve ter sido assim. A primeira coisa que soube sobre ele é que era neto do dono da Cola Jesus. Isso era o máximo.

O certo é que crescemos juntos. Convivíamos nas aulas de judô, nas mesas de ping-pong, nas escolinhas de basquete, nas peladas de futebol, nos jogos de vôlei, nas quadras de tênis, tanto no Lítero como no Jaguarema.

Lembro de uma época em que meu pai era um grande distribuidor de bebidas, em especial da Cola Jesus. Algumas vezes me levava com ele até a fábrica que ficava ali no Filipinho, perto de nossa casa, no Outeiro da Cruz. Muitas dessas vezes encontrei com Roberto por lá. Uma de nossas maiores diversões era tirarmos as garrafas de refrigerante das esteiras de transporte, quando elas saiam da máquina, antes de serem tampadas.

Escalávamos os engradados, brincávamos de esconde-esconde e de “mãos ao alto”. A vida parecia que não nos traria até aqui.

Roberto sempre foi uma dessas pessoas que você conhece e automaticamente gosta.

O tempo foi passando e nossas vidas foram naturalmente seguindo seus cursos. Nos últimos anos não nos víamos mais com tanta assiduidade.

A cidade, graças a Deus, cresceu. Nós, infelizmente crescemos. Mas Roberto foi um daqueles que conseguiu preservar em algum lugar dentro de si o garoto alegre e feliz que ele sempre foi. Esse trabalho de preservação é que faz com que pessoas como ele se destaquem por onde quer que passem.

Encontrei-o certa vez no saguão de aeroporto. Conversamos, matamos a saudade, colocamos os assuntos em dia. Passávamos tempos sem nos ver, mas sempre que nos encontrávamos era como se tivéssemos nos visto ontem. Era como se ele soubesse que eu havia me separado e casara novamente, que minha filha acabara de chegar de um ano de estudos em Londres. Era como se eu soubesse a quantas ia a sua vida. Éramos verdadeiramente amigos.

Soube algum tempo atrás que Bob estava doente. Torci para que o caso fosse fácil de resolver. Quis me convencer que seria.

É aqui que começa o meu drama. Devo reconhecer que sou um grande covarde, desses que não consegue presenciar a dor de quem ama. Desse defeito me penitencio diariamente. A dor proveniente disso é resultado da vergonha que sinto, de minha impotência, de minha incapacidade de conviver com o sofrimento de alguém com quem partilhei momentos tão alegres e tão felizes.

O egoísmo que transparece nessa covardia eu assumo. Mesmo que não admita para mim outro tipo de egoísmo ou outra forma de covardia. Não fujo da luta. Fujo do luto. Não abandono os amigos, da mesma forma que não ambiciono para mim coisas dos outros ou me apego demasiadamente a bens materiais.

Quando soube que Roberto estava muito mal, meu coração ficou pequeno. Mesmo diminuído, bloqueou minha garganta. Minhas mãos gelaram.

Por um momento me lembrei de seu sorriso juvenil e ele, em minha mente foi tomando o aspecto da doença. Fechei os olhos para não ver meu pensamento. Sacudi a cabeça na tentativa de fazer passar a imagem que teimava em ser projetada em minha cabeça. Preferi outras: Ora era ele de kimono, ora jogando basquete com suas pernas arqueadas, ora com a raquete de tênis na mão, ora simplesmente brincando. Sempre sorrindo.

Quanto a mim, que vivo também sempre risonho, não consegui escapar do choro enquanto aqui catava milho e desenhava essas palavras.

Não tive coragem de ir ver Roberto doente. Perdoe-me tia Zezé, tio Eli, Sham, Roberta… Nisso sou um fraco. Apesar de tê-lo visto morto, quero preservar a antiga lembrança de meu amigo Bob, de nossa infância e de nossa adolescência.

Gosto de pensar que esse fraco aqui se torna forte por preservar impressa, de forma definitiva no jornal de minha existência, as crônicas de meu tempo que contam as histórias de pessoas como Roberto.

Se existir um céu, deve algo ser parecido com um imenso ginásio de esportes e tenho certeza que esse garoto, uma hora dessas, está lá numa das primeiras filas, torcendo para que quando chegue a minha hora de comprar o meu ingresso para o grande evento, consiga um lugar no mesmo setor que ele, que certamente é um dos melhores.

 

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