Um Pedaço de Ponte – Parte IX

Dando continuidade ao texto “Um Pedaço de Ponte” leia a seguir: 
 
Padre Nosso
 
ÍNDICE 
 
I – No lugar onde eu nasci
II – O padre
III – Três horinhas, saía pela sacristia
IV- Cruzava a praça – nome do avô do ex-prefeito
V -Saboneteira na mão, toalha branca no pescoço, quixotesco, ia banhar-se na casa da viúva Sibá – da padaria
VI – Seis horas, já banhado e paramentado, rezava a missa: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…” amante
VII – Poema?  Conto?  Ponto.
 
I
 
NO LUGAR ONDE EU NASCI – Ex-cidadezinha.  Três mil habitantes na zona urbana e o restante, para completar um pouco mais de seis mil, na zona rural De ruas paralelas e transversais, com exceção da Rua do Escorrega (diagonal às outras, mas paralela à curva que o rio fazia quase dentro da cidade). Arquitetura pós-colonial, alguns casarões, moradas inteiras, meias-moradas, portas e janelas e as típicas “quítandas-residências” onde na frente da casa o proprietário consegue o sustento da família que mora nos fundos.  Urbanisticamente era uma cidade igual às outras: a matriz, as praças, o coreto, a delegacia, o cartório, a prefeitura, a casa do coronel, o cabaré, o ginásio que hoje é o segundo grau, e o mundo em volta.
 
II
 
O PADRE – Francisco das Chagas Bento.  Para uns o padre Chagas, para outros, padre Bento, para alguns, padre Chico e para algumas simplesmente Chiquinho.  Nascido na capital onde cursara o seminário e proveniente de família abastada, era o quinto de cinco filhos que antes dele já deveriam ser advogado, médico, engenheiro e político.  Só restava-lhe a batina, para a qual foi guinado desde cedo pelas três tias beatas: D. Dada, D. Dedé, D. Didi (Damiana, Deocleciana
e Dinorá).
Desde menino, levado pelas tias à igreja, decorara e mais tarde aprendera rezar missa, ladainhas, cânticos e sabia a bíblia de trás para frente.
Ordenado padre seria mandado para a paróquia de São Pedro, num município onde sua família tinha terras e era poderosa.
Já estava ali há mais ou menos uma geração.
 
III

“TRÊS HORINHAS, SAÍA PELA SA CRIS TIA
Àquela época, por aquelas bandas era hora de todos tirarem um cochilinho.  Os hábitos mudaram muito desde então. Acordava-se cedo, cinco e meia, seis horas.  Tomava-se banho, tomava-se café e trabalhava-se até uma, duas horas da tarde, quando se almoçava e tirava-se um cochilo até mais ou menos cinco horas.  Isso quem podia.
Quem quer que saísse à rua nada ou ninguém veria. A cidade era deserta.  Só uma figura era movimento naquela hora na cidade (isso há mais de cinco anos, desde a morte do padeiro, José Leopoldo de Cintra, português fino e estimado, que falecera depois de uma noite de amor com sua esposa).

lV
 
“CRUZ4 VA A PRAÇA – NOME DO AVÔ DO EX-PREFEITO -A praça da matriz como era conhecida por alguns também tinha outro nome: “‘Praça Rodrigo Coelho em homenagem ao avô de um ex-prefeito eleito num desses intervalos que há entre a existência de uma oligarquia e outra.  Rodrigo Coelho era, na verdade, um ex-escravo que alforriado no Ceará imigrou rumo oeste, firmando residência numa das curvas do rio, um pouco ao norte da cidade.  Trabalhador, Rodrigo casou-se com uma filha de criação do Dr. Oliveiro e deu origem a sua descendência.
Certa vez numa disputa de coronéis pelo domino político, o velho Dr. Oliveiro, quase no fim da vida, se aproveitou e lançou candidato próprio às eleições: o neto de Rodrigo Coelho, ex-prefeito e hoje mais um quitandeiro.
 
V
 
“SABONETEIRA NA MÃO, TOALHA BRANCA No PESCOÇO OUIXOTESCO, IA BANHAR-SE NA CASA DA VIUVA SIBÁ – DA PADARIA” – Dona Sebastiana Erundina Pinheiro era a viúva do padeiro José Leopoldo de Cintra, Portugal Morena balzaquiana, formosa e insinuante, havia, mesmo que involuntariamente, contribuído decisivamente para a morte do marido, pois o Lepô como era conhecido, morrera após a sofreguidão de uma noite de amor com seu cônjuge, herdeira da padaria, da mercearia, de três quitandas, do armarinho e da fazenda de vacas leiteiras que abastecia toda a cidade.
Depois da morte do marido, Dona Sibá, sozinha, consolava-se entregando-se a religião e as obras de caridade.
 
VI
 
SEIS HORAS, JÁ BANHADO E PARAMENTADO REZ4 VA A MISSA: “EM NOME DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO… “AMA N TE – Dizia eu, lá com meus botões.  Certa vez amuado, não conseguia tirar a empregada da casa de seu Custódio da cabeça, fui brechá-la tomando banho.  Pulei o muro de trás da casa de meu pai, caí no quintal do seu Zezico; pulei a cerca e estava na vacaria do finado Lepô. Quando tentava pular o cercado vi e ouvi coisas e sons estranhos.  Passarinheiro, mansamente, fui ver o que era e deparei com o padre e a viúva cantando salmos, louvando a Deus e aos profetas enquanto desesperadamente, para usar um termo adequado, fornicavam.
 
VII
 
No lugar onde eu nasci,
o padre,
três horinhas,
saía pela sacristia,
Cruzava a praça – nome do avô do ex-prefeito.
Saboneteira na mão, toalha branca no pescoço,
quixotesco, ia banhar-se na casa da viúva Sibá – dona da padaria.
Seis horas já banhado e paramentado, rezava a missa:
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…”
Amante.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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