Um Pedaço da Ponte – Parte III

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Dando continuidade ao texto “Um Pedaço da Ponte” leia a seguir:  

Aurora e Catarina 

      Filha de dona Justina e do finado senhor Custódio, Aurora era um botão em flor no esplendor de seus treze anos.  A mulher começava a aflorar nas carnes da menina precoce, que na quarta série do ginásio no Colégio Rosa Castro, já era a mais bela e graciosa da turma e, para alguns, do colégio.

Catarina era a afilhada da dita Justina e do finado Custódio.  Menina criada sem sunga, como se podia dizer – sem sunga e na Baixada – Viana, São Bento, por ali.

Aurora tinha apele branca, como algodão, e macia como o pêssego.  Já Catarina era a morena que deixava o português da Auto-Importadora a pensar: “Um metro e pouco de morena,com apenas 14 anos, e já me fazendo pecar”.

Catarina era como a manhã: extrovertida, alegre, bondosa, inocente, apesar de inculta e tola. Por sua vez, Aurora era como o entardecer: pura, dócil, morna. Tinha um aspecto de crepúsculo – calada, resguardada, dava até a impressão de tristeza.

As duas crianças se davam muito bem. Eram moças que estavam sendo criadas para serem mulheres prendadas: tricotavam, costuravam, cosiam, estavam aprendendo a cozinhar, além de fazer quitutes, doces e salgados, especialidades das mulheres da família, que era tida como a das maiores banqueteiras da cidade.

Aurora estava sendo preparada para casar, mas queria ser independente, estudar ir morar fora e se formar em Medicina.

Catarina seria preparada para casar e ser mais uma dona de casa. Veio tarde para cidade, e não se engraçou pelos estudos.  Aprendeu, realmente, o que queria.

As meninas dormiam no mesmo quarto, desde que Catarina chegou do interior.  Uma admirava muito a outra.  Na real acepção da palavra, elas se amavam.

Carlos, um vizinho e amante das duas, em sonho, as observava sempre: “Catarina penteava Aurora. Aurora vestia Catarina. Uma viu a mulher nascer na outra”.

Nos seios da Aurora, havia um pontinho rosado ao centro, que Catarina se deliciava em acarinhar e vê-lo intumescer, e assim era com Catarina.  Uma e outra se conheciam, se tocavam, se banhavam, dentro de uma inocência que tornava aquilo tudo bonito e fazia com que a sensualidade das moças brotasse a poros abertos.

A sociedade reprimia muito mais as pessoas, há cinquenta anos.  Reprimia tanto que, uma vez, apesar de irmãs de criação, as duas saíram de mãos dadas – e isso era comum – e logo se comentou.  Sabedoras de que ninguém entenderia suas intimidades, não se manifestavam em público, apesar do que, de vez em quando, uma ou outra escorregava…

Certa ocasião, Aurora, eufórica porque havia tirado uma boa nota em matemática, matéria que odiava, chegou a casa e, na frente da mãe, da tia Laura e do primo Celso, beijou Catarina nos lábios.

Catarina, apesar de mais segura e precavida, um dia deu um puxavão na franzina Aurora, só porque esta se derretia para um rapaz numa festa.

O inevitável tinha de acontecer.  Celso, sobrinho de dona Justina, resolve passar uns dias na casa da tia.  O rapaz faiscava de desejo por Catarina.  Esperou a tia se retirar da cozinha, e a prima sair para aulas particulares com a professora Risoleta, para abordar aquele pedaço de chocolate, que era Catarina.

E foi assim.  A moça gostou e, pensando que os carinhos do homem seriam como os da menina, permite-se devassar pelo rapaz.  Para ela era natural

Celso desabotoou-lhe a blusa.  Ela gemia devagar, e já sentia alguma diferença entre os carinhos de Aurora e os de Celso, mas se deixou levar.  Ele levantou a saia, a anágua e ela estava sem sunga.  Com jeito e carinho fazia seus dedos passearem por matas, becos, grutas e alamedas e, cada segundo, a deixava mais e mais desejosa.  Como que sabendo o que lhe aconteceria, Catarina procura nas calças dele algo que sabe que existia, mas só imaginara sua serventia há poucos instantes.  Ela se jogou ao chão.  Ela já sem roupas e ele vestido, mas morto de desejo.  Suas bocas se confundiam com seus corpos, e provavam um o gosto do outro, até que ele não se contém, e caí sobre ela, penetrando-lhe de forma tão forte e ao mesmo tempo macia que o êxtase dos dois é imediato, mas nem por isso param de gemer baixinho, de mexer levinho, de ondular os corpos.

Aurora, querendo fazer surpresa, entra pé ante pé, sobe as escadas como um felino.  Vê a mãe, que dorme no quarto, e supondo que o primo saíra, vai à cozinha, assustar Catarina. Ela chega, mansamente, e depara os dois caídos ao lado da mesa da copa, se beijando, se tragando, se querendo. Soluçando quase sem som, ela saí e vai chorar em seu quarto, onde entende muita coisa.  Entende que o amor por Catarina superava muita coisa…

Aquela noite foi quase como todas as noites, só os segredos gritavam na hora do jantar: o amor de Aurora por Catarina, o amor de Catarina por Celso.

Todos vão dormir com um determinado silencio quase fúnebre.

Aurora se levanta de madrugada e ingere uma porção do veneno de matar ratos, morrendo dolorosamente em seguida.

Quando amanhece, Catarina é a primeira a dar por falta da Aurora, encontrando-a estirada ao lado da mesa da copa. Catarina entende o que aconteceu e se atira de cabeça do mirante do sobrado da casa do finado Custódio, na Rua do Sol, 99.

4 comentários para "Um Pedaço da Ponte – Parte III"


  1. Paloma

    No 5 paragrafo,linha dois,(além DE fazer …)faltou o de.
    Agora com tanta sensualidade em um texto,talvez os exigentes comentaristas fiquem menos agressivos.rs

    Resposta: Obrigado.

  2. ARISTIDES LOBÃO NETO

    ERA REALMENTE NECESSÁRIO MATAR AS DUAS?

  3. Euterpe

    Joaquim,

    Quando li seu livro, esse texto foi o que mais me chamou a atenção e agora mais uma vez quando o releio sinto a mesma sensação. Parece que estou visualizando a cena…vejo Catarina com o primo e Aurora chegando e depois Catarina vendo o corpo de Aurora. Chego a sentir a dor de uma e de outra., e tudo isso é você quem me faz sentir..pela forma como você escreve, através das estórias que você cria. Parabéns….você realmente merece ser um imortal da AML.

  4. Jose Carlos Silva

    Joaquim,

    Como leitor assíduo do seu Blog resolvi eleger a EUTERPE a sua fã número 1. e não aceito contestação.

    Resposta: E é mesmo!

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