Mini-contos ou micro-crônicas ou poesia? - Joaquim Haickel

Mini-contos ou micro-crônicas ou poesia?

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1
PADRE NOSSO

No lugar onde nasci, o padre, três horinhas, saía pela sacristia e cruzava a Praça Cursino Rabelo – nome do avô do ex-prefeito.
Toalha branca no pescoço, saboneteira na mão, quixotesco, ia banhar-se na casa da viúva sibá – dona da padaria.
Seis horas, já banhado e paramentado, rezava a Missa: Em nome do pai, do filho e do espírito santo… – “amante”.

2
ULTRASONOGRAFIA

O feto é fato. Fito a foto do fruto.
Angústia do pronto.

3
DEZEMBRO

Não quero ficar solene.
Rasgo terno e gravata, visto a velha roupa
de zorro – capa e espada e refaço o bilhete pra Papai Noel.

4
MENINO

Ser menino, arriar o calção e mijar o mundo.

5
A GELADEIRA

Dois litros (Johnnie Walker) d’água pelo meio – um manchado de batom.
Numa lata de salsichas (Wilson), só duas.
Uma caneca (de alumínio) emborcada num prato. Um talher enrolado num guardanapo de papel. Três fôrmas de gelo (vazias) na prateleira do meio.
Numa frigideira o resto do jantar de ontem (arroz, feijão, ovo, macarrão e salsicha).
Uma panela de arroz tampada com um prato. Uma lata de feijão (Wilson) na porta.
Na gaveta, dois tomates (mínimos), uma banda de limão, um pedaço de cebola e dois dentes de alho.
Os ovos que não foram almoçados ontem estão na fôrma. Da manteiga restou a manteigueira.
Em baixo, na porta, uma lata de óleo (Salada) e duas garrafas de Brahma (cerveja).
O açúcar contra a formiga (e o poeta contra ó mundo?). Leite condensado (Moça?).
1/4 de mamão (família).
Dois parafusos dos pés da geladeira e quatro pilhas (Ray-o-Vac) médias no congelador.
Há também um fusca (desmontado) atrás da geladeira.

6
O SUICIDA

Suicida seduzido pela janela.
E ninguém, ninguém para segurar pela asa do caixão.

7
TRÂNSITO GRÁFICO

Transeunte em diagonal, defunto em horizontal.

8
AMBULANTE

Maria Rita armava barraca na mureta da Praça Benedito Leite e vendia:
Dois-tão de pernas grossas; duas coxas macias, ancas graciosas e luzidias como as da égua Esmeralda, caso de amor de “seu” Dico.
Cintura de umbigo tufado – culpa da parteira “Dona” Maria José do Bom Parto.
Peitos ainda durinhos, mas já querendo murchar de tanto freguês apalpar.
Pescoço de bailarina, cabelos de espanhola, olhos de moça-virgem e andar de brincar ganzola.
Maria Rita armava barraca e vendia…

9
O JORNALISTA

A verdade em camisa-de-força.
E você aí batendo as teclas da máquina, criando obstáculos entre versão e realidade.

10
O DIA

O sol ao sul do quintal.
No oeste, seria a noite chegando.

7 comentários para "Mini-contos ou micro-crônicas ou poesia?"


  1. Isaac Reis

    Belas letras, à vontade com o mundo.
    Melhor que risoto ao funghi
    Abs
    IR

    Resposta: Melhor, muito melhor!!!… Desde que tu te passaste para querer dividir o fogão com um chef de renome e destruístes o seu risoto, rebaixando-o a bolinho de arroz… kkkkkkkkkk…

  2. Diniz

    Gostei,
    Mistura de filosofia e vida.
    de vinho e sapiência.
    do real e do sonho.
    Do gostinho bom que a poesia dá a vida!

  3. Clara

    Olá Joaquim,

    Nossa! que post lindo.

    Gosto especialmente de ” a verdade em camisa de força e você ai batendo as teclas da máquina, criando obstáculos entre versão e realidade”
    Gosto também de ” o sol ao sul do quintal, no oeste seria a noite chegando”

    O Jornalista e O Dia, dois mini-contos, micro-crônicas ou poesia? Você decide, mas eles são meus, rsrsrsrsrs

    Abraço,

  4. Euterpe

    Joaquim,

    Desde a primeira vez que li esses textos já fiquei impressionada… Dizem muito.
    “Ser menino, arriar o calção e mijar o mundo” … Passa uma sensação de irreverência, liberdade, até mesmo ousadia. Com estas poucas palavras, você consegue dizer tanto…
    Parabéns, foi uma das coisas mais bonitas e profundas que você escreveu.

    PS: Me lembrei agora porque fiquei tão impressionada quando li este poema. É que ele estava em seu primeiro livro “Manuscritos” de 1983. Isso foi há 26 anos e você era só um menino de 22 anos e de muita sensibilidade. Naquela época
    já dizia a que vinha.

  5. Gregório de Matos Guerra

    Ao ler esses seus “escritos” que nem você mesmo sabe o que são, se são contos, crônicas ou poemas, cresce em mim a certeza de que em nenhuma hipótese você poderá vir a ser eleito para a Academia Maranhense de Letras. Fica claro que você não tem obra pra contrapor aos seus concorrentes, nem ao jovem magistrado Ney Bello Filho, nem ao discreto ex-radialista Sergio Brito, nem a persistente professora Ana Luiza Ferro, muito menos ao combativo escritor Herbert de Jesus Santos. Para que se tenha mais certeza disso basta se aprofundar um pouco mais e ler alguns de seus textos aqui publicados ou tentar ler um de seus raríssimos livros. Então deixe disso e desista dessa aventura, deixe a academia para pessoas preparadas para tal.

    Resposta: Pensei muito antes não só de aceitar esse comentário como também antes de dar-lhe resposta, mas acredito que tanto uma coisa quanto outra seja necessária.
    Primeiramente quero dizer muito me honra concorrer a uma vaga na Academia Maranhense de Letras. Talvez seja verdade que eu não tenha a devida estatura para tal, mas isso serão os membros daquela seleta confraria, no uso de seu direito inalienável de escolha, que decidirão. A mim só cabe cumprir as formalidades e submeter meu nome a apreciação daquela nobre Casa de cultura.
    Quanto aos meus textos, eles estão ai para quem quiser ler e analisar. As opiniões quanto a eles são livres, há pessoas que gostam muito, há aqueles que são indiferentes e há aqueles que abominam. Desde muito cedo aprendi que discordar não é problema. Problema é não escrever ou não publicar, não ter opinião, não dar a cara pra bater. O grande, talvez o maior de todos os problemas seja a hipocrisia.
    As alusões às pessoas que como eu concorrem a uma vaga na AML são no mínimo deselegantes para não dizer grosseria e o fato de eu ter postado esse comentário não significa que eu concorde com o que foi dito, muito pelo contrario, todos os citados merecem de mim a maior consideração e apreço.
    Para finalizar gostaria de dizer que não pretendo desistir de nada em minha vida e que espero contar com o apoio se não de todos os Acadêmicos, pelo menos de sua grande maioria.

  6. Maristela Franco

    Joaquim!

    Além de grande chef de cozinha!
    Um poetafilosofo e tanto!
    Mas o que existe de melhor!`
    È você mesmo!
    bjs Parabéns.

    gosto muito do que vc escreve!

  7. EM

    Joaquim,
    Esse Gregório de Matos Guerra é mais um desses coitados invejosos que proliferam nesses tempos amargos, nessa nossa terra infelizmente tão propensa a isso.
    Não se deixe atingir por esse tipo de comentário. Um sujeito como esse nunca deve ter ouvido falar na revista Guarnicê e todo aquele maravilhoso movimento cultural do qual você foi um dos principais comandantes, nos anos 80. Nunca leu seu delicioso livro de contos “A Ponte”, elogiado pelo grande Artur da Távola. Nunca leu seus inquietantes poemas, nunca se deu ao deleite de ler uma de suas crônicas dominicais publicadas no jornal O Estado do Maranhão, que tratam de forma peculiar assuntos que vão de política à filosofia, de cinema à como conviver com os filhos. Esse falso “boca do inferno” nunca viu nem sequer ouviu falar em seu filme, “Pelo Ouvido”, talvez o maior sucesso cinematográfico de todos os tempos em nosso estado. Nunca soube de sua postura ética e de sua coerência enquanto parlamentar, nem sabe de sua simplicidade e de sua generosidade como pessoa humana. Eu que sei de tudo isso posso lhe dizer sem medo de errar ou de magoar quem quer que seja, seus concorrentes que me prdoem, mas se os acadêmicos maranhenses, elegerem você para uma vaga na AML estarão valorizando bastante aquela instituição que já conta com figuras importantes como Américo Azevedo Neto, José Chagas, Antonio Martins, Ubiratan Teixeira, Milson Coutinho, dentre outros.
    Grande abraço meu bom amigo,
    EM

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