Na semana passada assisti Feliz Natal, filme com o qual o já consagrado ator Selton Mello estréia na direção de um longa-metragem.
Confesso que entrei no cinema preocupado, primeiro porque assisti ao filme ao lado do diretor, segundo porque quem já havia visto o filme, ou o amava ou o odiava. O fato de as pessoas terem essa relação de amor ou ódio com um filme no mínimo era uma garantia de que só pela polêmica, valeria a pena vê-lo. Se tivesse sorte, estaria presenciando em primeira mão, ao vivo e a cores, o surgimento e a consagração de um artista e de sua obra. Tanta polêmica também me dizia que estava diante de um filme de arte, um produto conceitual. Algo diferente, incomum, que suscita surpresa e admiração. Guardadas as devidas proporções, seria como se Velásquez fosse colocado diante de quadros de Dali, isso para ficar apenas em um dos maiores revolucionários das artes plásticas, nascido na Espanha. A mesma Espanha onde tive o privilegio de ver meu filme, Pelo Ouvido, único curta-metragem brasileiro selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cinema Íbero-Americano de Huelva, em sua 34ª edição, ombreado com o longa de Selton, ambos representando o Brasil em suas respectivas categorias.
Com toda certeza Feliz Natal não causará a mesma polêmica que causou a música de Alexander Mossolov, ou de Karlheinz Stockhausen ou de John Cage, repletas de ruídos e barulhos ou simplesmente do mais sublime dos sons, o silêncio. Assim como a música daqueles audaciosos malucos, o filme de Selton tem apenas uma intenção, chocar, chamar atenção, de uma forma bruta, eu concordo, de uma forma incomum e pouco convencional, isso é verdade, mas com os ingredientes indispensáveis quando se quer chamar atenção de maneira definitiva: Objetividade, força, coragem e poesia.
Feliz Natal realmente não é um filme fácil, mesmo porque não é essa a proposta do diretor desde a concepção do argumento, passando pela elaboração do roteiro, onde conta com o apoio de Marcelo Vindicatto, e culminando com a clara opção de chocar as pessoas com um enquadramento de câmera tão fechado, tão próximo dos atores que causa náusea. Ele consegue com a ajuda do excelente Lula Carvalho uma não-luz, um escuro silencioso e melancólico, capaz de iluminar a cena com lampadinhas de natal ou com qualquer luz existente. O uso extremado de planos-seqüência ajuda na sensação de mal-estar, mas principalmente nos faz estar presente em cena, bem atrás do extraordinário ator Leonardo Medeiros ou coladinho no rosto da impagável Darlene Glória em seus momentos Dercy ou Coringa.
Já que falei no Leonardo e na Darlene, cabe aqui um registro. O elenco é perfeito, não apenas no que diz respeito às interpretações, mas principalmente quanto à escolha e a tipificação dos personagens e dos atores. Os irmãos realmente se parecem, Paulo Guarnieri com o Léo e Graziella Moretto assemelha-se bastante a Rose Abdalah que por sua vez lembra sua filha. Lúcio Mauro e Emiliano Queiroz interpretam a eles mesmos, ou pelo menos aquilo que temos deles em nosso inconsciente. Já Nathalia Dill, essa é talvez a maior crueldade de Selton, pelo menos para comigo. Ele, só de sacanagem, mata aquela linda mulher, fazendo com que ela apareça muito pouco em cena, mas o suficiente para deixar sua marca, principalmente em mim.
Em relação à estrutura da história, uma coisa é marcante. A forma de contar não contando. A forma de nos trazer para dentro do contexto sem nem sequer termos sido convidados e o que é pior, da maneira mais irritante para um sujeito como eu, usando o silêncio, a mudez dos personagens. Esse é um dos vários momentos em que fica clara a mão do diretor, que sendo um exímio ator, prova que não fez um filme para agradar ninguém. Acredito até que ele o tenha feito mesmo foi para desagradar!
Em Feliz Natal Selton prova a todos que o ator, o cavalo que incorpora Johnny, Chicó, o André de Lavoura Arcaica, o Lourenço de O Cheiro o Ralo, o Leléu de Lisbela e o Prisioneiro, pode fazer seu trabalho e ainda ter dentro de si um poeta Bukowskiano. Desbocado, sujo, maltrapilho, que se utiliza de uma cenografia de paredes descascadas, azulejos quebrados, folhas mortas em volta da piscina, moscas na comida, coisas existentes na vida real. Um poeta que lança mão de uma montagem audaciosa, porém precisa, transformando em uma viagem lisérgica boa parte dos conflitos de seus personagens e de nossa vida, retratada de forma simbolista, iconoclasta e pictórica, isso para apenas usar três adjetivos para descrever o seu denso e difícil poema audiovisual de 100 minutos.
Se eu gostei de Feliz Natal!? Eu não sou parâmetro para auferirmos isso. Seria melhor eu lhes dizer que um filme pode ser bom ou ruim dependendo do espectador, mas para seu realizador ele será bom se tiver conseguido alcançar seu objetivo, qualquer que seja ele. O objetivo de Selton Mello com esse seu primeiro filme, é claramente dar um soco na cara do espectador e mostrar-lhe outra forma de ver a mesma realidade, e isso com toda certeza ele consegue.
Caríssimo deputado, lendo seu texto me fica a sensação de que em que pese o filme Feliz Natal ter sido dirigido por Selton Melo e junto a isso o fato dele ser um grande ator, seu filme é o que se poderia chamar de filme de arte. É um daqueles filmes bem chatinhos, coisa daqueles diretores franceses ou suecos, que fazem de tudo para complicar uma cena que é simples e a transformam em algo incompreensível, isso a menos que se quem o assista não tiver fumado ou cheirado algo substancial.
Seu texto, no entanto, como sempre, está impecável, suscita em mim até uma curiosidade mórbida! Não é que me deu até vontade de ver esse tal de Feliz Natal! Até mesmo pra comprovar as coisas que você diz!
Acredito que com esse seu texto de hoje nasceu outro Joaquim Haickel, mais um dentre tantos que existem em você, que alem de deputado, filosofo, de chefe de cozinha, de escritor, poeta, cronista, alem do cineasta, teremos agora o Joaquim critico de arte. Como cabem tantos Joaquins dentro de apenas um você? Cuidado para que todos esses Joaquins que existem dentro de você não prejudiquem o competente deputado que você é. Esse parlamentar brilhante que está obscurecido em meio a muitos de seus colegas que nem se quer têm a capacidade de entendimento de seu texto de hoje, mas que em compensação lhe tiraram da disputa pela primeira secretaria da Assembléia.
Agora fiquei com muita vontade de ver esse filme!
Curiosidade tbm! O seu comentario nada facil sobre o filme so alimentou a curiosidade de ver esse filme nada facil… Pelos trabalhos e entrevistas do Selton ja da pra imaginar… ele se joga… e se aprofunda ate no personagem mais bobo (aos olhos da maioria), vai sempre no avesso do obvio
mas o que queria mesmo era dizer que o poema pra sua filha nao ha comentario que possa fazer jus para essa declaracao de amor, que lindo !