Tertuliano ?

                                   Livre, porém honesta adaptação de um discurso com aparte.
                                   Nomes e cargos foram omitidos e/ou trocados, para que uma obra política possa ser
                                   transformada em obra literária.   


Um deputado destilava o seu comprovado talento para a critica… 
 

“… Por mais que se discutam outros assuntos importantes e relevantes o assunto do momento na realidade é esse troca-troca de partidos. São deputados que estão se acomodando em outras legendas e de quinta-feira até ontem muita coisa ocorreu e parece que muita coisa ainda vai ocorrer. Fui informado que o próprio primeiro mandatário, ele próprio telefonava, ou procurava deputados para se filiarem ao seu partido, então me lembrei do barão de Itararé que dizia que há alguma coisa no ar além dos aviões de carreira”, e havia. Tanto havia, que na convenção desse partido – presente estava o Presidente do de uma outra agremiação partidária e Líder maior, do maior Bloco Parlamentar desta casa – filiaram-se cinco deputados, inclusive três do próprio Bloco. Mas esse deputado, Presidente desta outra agremiação partidária, talvez tenha pensado consigo mesmo e dito que o” bom cabrito não berra”, foi à tribuna dizer que procuraria fazer do seu partido um grande partido ou talvez o maior partido do Estado.Mas logo em seguida um senador que tinha vindo a essa Casa antes da eleição para a Mesa Diretora prestar o seu apoio ao Presidente vai à tribuna e assumindo os ares de pitonisa diz que os pequenos partidos, inclusive o do anfitrião iria acabar. Aí eu me lembrei de Shakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.Mas o deputado não passou recibo, homem católico foi para casa, se recolheu e consultou as escrituras e viu lá no evangelho segundo São Mateus que Jesus disse: “quem não é por mim é contra mim”. E tratou naturalmente de cair em campo para reforçar o seu partido.  Filiou quatro deputados e ele com certeza deve ter dito a si mesmo, aquele provérbio árabe, “Nada melhor que um dia depois do outro”.

Isso naturalmente deve ter causado algum comentário no almoço lá no palácio, é possível que alguém tenha dito ao Governador “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. E o Governador deve ter comentado, “Quem tem com que me pague não me deve nada”. Lembrando de um ditado muito conhecido “Quando a gente vê a barba do vizinho pegar fogo trata de colocar a nossa de molho”. Como “para bom entendedor meia palavra basta”, e como dizia um grande deputado do passado “Quem viver verá”.

Admirado com a verve do colega e sabendo de que o maior interesse do tribuno era fazer “o mar pegar fogo para comer peixe frito, um novato resolve aparteá-lo e citando Shakespeare,, para colocá-lo em cheque…

O nobre colega me lembra muito um Senador famoso, que faz discursos através de versos e rimas. Mas eu tenho certeza que V.Exa não decorou essa grande pérola da oratória maranhense, tenho certeza que isso tudo é feito de improviso. É por isso que eu gostaria apenas de citar Shakespeare em sua frase mais conhecida e talvez a mais forte: “Ser ou não ser eis a questão”.
 
E o macaco velho, astuto e matreiro, talvez o único que realmente tenha entendido o sentido do aparte, talvez o único que realmente saiba o endereço certo daquela profética frase, não se fez de rogado…

Eis a questão, deputado. Eis a questão. V.Exa certamente não vai se zangar comigo. É que V.Exa, atabalhoado, sempre com a melhor das boas intenções, às vezes me faz lembrar um velho poeta português, Guerra Junqueiro, que até foi excomungado porque era ateu.  Ele é autor de um poema chamado a velhice do padre eterno, mas ele é autor também de uma pequena sátira que em parte, deputado, encaixa-se perfeitamente com o que V.Exa tem feito aqui e eu vou pedir mais uma vez perdão não é para ofender V. Exa, mas eu sou daqueles que “perde o amigo mais não perde a piada” e V.Exa vai me permitir dizer esse pequeno verso cujo título é Tertuliano, e o poema dizia o seguinte: Tertuliano, frívolo e peralta que foi um paspalhão desde fedelho, tipo incapaz de ouvir um bom conselho, vivo ou morto não faria falta, um belo dia deixando de andar a malta foi ter a casa do pai honrado velho e na sala, diante ao espelho a admirar-se perguntou: Tertuliano, és jovem, és rico, és formoso, que mais no mundo se te faz preciso? E o pai que atrás de uma cortina ouvia tudo, respondeu: Juízo. É isso que falta para V.Exa, muito obrigado.”                    
 
Ao outro, nada restou, a não ser levantar-se e aplaudir.  Na saída, ao pé da escada, comentava com um terceiro colega: ainda bem que ele recitou Tertuliano, e não Morte e vida Severina, pois naquele poema há muita dor, miséria e seca.

“Não adianta chorar pelo leite derramado”, ou pela água.                                   “Alea jacta est,” Resmungou.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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