Memória feita de esquecimento
Lembrar de esquecer
de canjica,
escargot,
e imã de geladeira.
De comer o rabo do camarão,
torta de brigadeiro,
e remédio para emagrecer.
De tratamentos de beleza,
de filipeteiro de semáforo,
de vontade de aprender.
De sopa de shitake,
caranguejo toc-toc,
de mentiras – pernas curtas e tortas.
De pegar suave, mas com força,
de transar de manhã cedinho ao acordar,
de gozar e não fingir.
De computador (orkut, MSN…),
de jogo,
de dinheiro e de poder.
De repetir as mesmas historias,
musica de Ana Carolina,
e falta de memória.
De prisão de ventre,
de insônia,
dor de cabeça e neusaldina.
De Clio preto,
aliança prata,
e de comida japonesa.
De calça capri,
suco de abacaxi,
e de trocar mim por eu
e eu por você.
Esquecer de lembrar
De que toda borboleta é antes de tudo é uma mariposa,
de que meias verdades são mentiras inteiras.
De que muita franqueza é excesso de fraqueza.
De que a extrema coragem de enfrentar a solidão em meio a uma multidão nada mais é de que o supremo medo de enfrentar a companhia de um único alguém.
De que a frieza e a dureza são as principais características do gelo.
De que viver reclamando de tudo em relação aos outros é uma forma de não deixar tempo para que os outros vejam os nossos defeitos.
Esquecer de esquecer
de não querer mais amar,
de que as pessoas não são, em principio más,
de que nada está perdido quando resta uma esperança (já dizia o narrador da historinha de chapeuzinho vermelho).
De que ninguém muda na sua essência,
de que o que não tem solução, solucionado está,
e de que perdoar é diferente de esquecer.
Lembrar de lembrar
de acordar cedo pra trabalhar,
pagar as contas (todas);
De cuidar da saúde,
e de ir sempre ao cinema.
De largar todas as mulheres, menos Laila, Clarice e Célia, a analista…
De perder tudo, menos a coerência.