Carta a M.B.

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Alguns hábitos surgem sem que saibamos precisamente porque surgiram ou quando eles começaram a se impor dentro de nossa rotina. O certo é que desde 2002 um grupo de deputados e ex-deputados se reúne num posto de gasolina, na Ponta d’Areia, para comer, beber e, é claro, que ninguém é de ferro, para dois dedos de prosa, com direito de falar mal dos outros, presentes ou ausentes, benquerentes ou malquerentes.

No início, as reuniões eram diárias, no finalzinho da tarde, comecinho da noite. Os mais velhos ou mais cansados pelo baque do dia, pegavam uma cadeira de plástico e se sentavam no pátio mesmo e a conversa corria solta. Depois, pela acomodação natural das coisas, cada um tendo seus compromissos, seus afazeres, as reuniões passaram a ser semanais, aos sábados, a partir do meio dia. Criou-se então a Confraria do Batipurú com Política.

Nossa confraria era formada originalmente por seis membros permanentes (Eu, Tatá Milhomem, Carlos Braid, Mauro Bezerra, Aderson Lago e Luis Pedro) outros tantos devezenquandais (Julião Amim, Soliney Silva, Arnaldo Melo, Geovane Castro e Rubem Brito) e mais os associados sem mandato, mas com direito a pagar igualmente a conta (Ney Bello Filho, Fernando Belfort, João Bentivi, João Neto, Sebastião Murad, Abdelaziz, Antônio Gaspar, Dr. Zequinha, Rômulo Barbosa, Heitor Heluy e Eduardo Haickel). Meu primo Eduardo, que raramente pagou uma conta, no dia que foi escalado para fazê-lo, pelo fato de jamais ter participado de um rateio, sempre inventava uma desculpa pra sair da mesa na hora da coleta, e olha que a conta desse dia não era pequena, mesmo sendo ele o dono do posto, teve seu vale recusado pela arrendatária do restaurante: “Do Eduardo, só à vista… Se fosse para o deputado Mauro… Vá lá…!”

A direção de uma confraria desse tipo surge naturalmente e foi assim que se deu. Todas as manhãs de sábados nós nos ligávamos para confirmar a presença e a hora. Neste momento, todos diziam: “Não vão se esquecer de Mauro…”, e quando ele chegava, arrastando o pé, de mansinho, tomava conta de tudo.

Mauro Bezerra passou a ser o Grão-Mestre da turma, coletava o dízimo, pagava a conta e ainda colocava mais uns trocados do seu bolso (e do meu) pra aumentar a gorjeta de Nina e Ritinha, sua comadre, de quem contava a incrível história dela ter apenas 21 anos e já ser mãe de quatro filhos.

Na verdade, nosso Grão-Mestre contava recorrentemente as mesmas histórias. Todo sábado ele repetia diversas, entre elas a que dizia que depois que me separei, só uma única mulher do mundo seria capaz de me aturar: Só Clarice, dizia ele. A Clarice a quem ele se referia é minha santa mãezinha.

Venho notando que a nossa confraria vem sofrendo bastante com a ausência de alguns membros. Julião, desde que foi pra Brasília nunca mais deu as caras. Luis Pedro também é outro que desapareceu, vive com Jackson pra cima e pra baixo. Braid não tem tempo mais para os amigos. Milhomem está mais anti-social que nunca. Geovane não apareceu mais. Soliney sumiu. Arnaldo, que já vinha pouco, rareou.

Mantendo a tradição de falar de política, da vida alheia, de comer Batipurú, Mocotó, Frango Dourado e tomar o delicioso caldinho de feijão de Dona Alzira, tínhamos ficado só Eu, Aderson e Mauro.

A partir de agora, depois de na ultima sexta-feira, “O HOMEM” ter chamado às pressas o nosso querido Grão-Mestre pra que ele organizasse uma confraria igual à nossa “LÀ EM CIMA” (aquela vai ser quente, já confirmaram presença Nagib Haickel, Zé Burnnet, Gervásio Santos, La Rocque, Bayma Serra, Clodomir Millet, Cid Carvalho, Ivar Saldanha, Raimundo Leal, Alexandre Costa e Zé Elouf, dentre outros), vamos ficar aqui, eu e “Dersinho” sentindo falta de seu implacável senso de humor, daqueles que podia perder o amigo, mas jamais perdia a piada.

Eu e Mauro Bezerra fomos colegas em duas legislaturas, de 1983 a 1987, e de 2003 a 2007. Vinte anos se passaram entre uma e outra e nesse intervalo cultivamos uma amizade como poucas. Éramos adversários políticos, pensávamos de maneira diferente, muitas vezes antagônica, mas sempre nos respeitamos, sempre soubemos onde começava a política e onde se impunha a amizade.

Mauro Bezerra foi um grande jornalista, um grande político e um grande amigo. Digo isso não porque ele morreu, digo isso porque ele viverá para sempre em nossa lembrança, como um sujeito correto, um amigo descente, um adversário leal.

Não vou me esquecer jamais dele me gozando pelo fato de certa vez, ainda um neófito, ter tentado explicar que não era malufista nem sarneysista, que eu era “Claricense e Nagibense” e toda vez que eu ver um ar condicionado vou me lembrar dele e da gozação que Aderson e Cafeteira faziam com ele.

Vai Mauro, mas saiba que todo sábado estaremos esperando por você. Passe de vez em quando pra ver a falta que você fará, e mesmo que a gente insista em demorar, guarde um lugarzinho pra nós na sua nova confraria. Um dia ainda nos veremos.

PS: Estava em Santa Inês quando soube que Mauro havia falecido e vim para São Luis pensando em o que fazer e em o que dizer. Resolvi escrever. Ainda queria escrever mais, mas já são 09h30 e o enterro sai da ALM às 10h, tenho que correr, não posso me atrasar para meu último compromisso com meu amigo.

12 comentários para "Carta a M.B."


  1. Eliane

    Bom Dia Joaquim, Parabéns pela homenagem ao grande Mauro Bezerra, personagem de tantas lutas maranhenses. Voce finalmente conquistou o meu respeito e admiração, depois do que foi escrito, antes eu achava vc um herdeiro político de seu saudoso Pai, um Sarneyzista militante e mais um “Mauricinho e Boêmio da década de 1980 de São Luis”. Hoje depois do que li no seu blog, sinceramente, o meu conceito sobre voce mudou. Um grande abraço.

  2. deogracia pinto

    Bom dia querido deputado, li na íntegra seu comentário no blog e me senti um verdadeiro peixe fora d’agua. Tirando os dois últimos parágrafos, mais parece um “Clube do Bolinha”. Abraços, deogracia.

    Resposta: Isso é compreensível. Deve-se ao fato de você ser de Brasília e não conhecer bem os fatos que narrei… Mas que bom que você leu e comentou amiga Deo!

  3. Anônimo

    “Amigo é coisa pra se guardar, do lado esquerdo do peito…” assim fala a canção, mas amigo é muito mais, principalmente quando constroi em nossa vida uma base sólida e acrescenta nos valores que permitem crescimento…. amigos são pra sempre, mesmo passando a ser “ausentes” por um tempo. Sentirás a falta do seu amigo, acontecerá momentos que ele estará mais próximo do que nunca!!!!!!

  4. Anônimo

    Como já tive oportunidade de dizer em um comentário anterior, você é surpreendente.
    Em que pese não concordar com suas posições políticas tenho que reconhecer que você é um dos melhores políticos de nosso estado. Isso se deve a sua coerência, a seu caráter, a sua sinceridade, a forma objetiva e corajosa de você se posicionar e principalmente pelo fato de você saber fazer como poucos a diferença entre o mundo político e o mundo das amizades. O fato de seus adversários lhe respeitarem tanto quanto seus próprios correligionários significa que você é um homem em quem se pode confiar.

  5. Anônimo

    Sou um apreciador do frango dourado de dona Alzira e já tive oportunidade de presenciar algumas reuniões dessa sua “Confraria” que reuni outras pessoas além de deputados. Pude notar a grande amizade que realmente há entre alguns de vocês, mesmo ficando claro suas discordâncias e os seus pontos de vista divergentes.
    Espero que agora com o falecimento do deputado Mauro Bezerra aquelas reuniões não se acabem, pois elas eram bastante esclarecedoras e didáticas para os freqüentadores daquele lugar.

  6. Anônimo

    “Um amigo ama em todos os tempos.”
    Bíblia: Provérbios 17,17.

    “Meu pai costuma dizer sempre que se, quando você morrer, se tiver
    feito cinco amigos verdadeiros, então você teve uma vida notável.” Lee Iacocca

    Joaquim,
    nada é mais profundo do que uma amizade, que isso fosse especial em todas pessoas, nada é mais valioso… nada!
    vc me surpreende… com admiração,

    boa semana pra vc……..

  7. Anônimo

    Realmente o Mauro Bezzera era isso aí: simples e equilibrado. Parabéns pelo artigo.

    Prof. Caio

  8. Gilson Gonçalves

    Emocionante o seu texto… Parabéns por, mais uma vez, conseguir expressar em palavras o seu sentimento com relação ao Mauro… E melhor ainda, por compartilhá-lo conosco, meros leitores.

  9. Karla M

    Há muito tempo eu não lia um texto tão tocante e tão emocionante.
    Você conseguiu dizer tudo sobre como era Mauro Bezerra em poucas palavras e com grande riqueza de detalhes.
    Todos sabiam que ele gostava muito de você e que você o admirava muito.
    A amizade e o respeito que sempre houve entre vocês, apesar de pertencerem a partidos políticos diferentes, de terem sido adversários políticos, faz crer que ainda haja lugar para bom caráter e honradez na política.

  10. Anônimo

    O seu artigo em homenagem ao Mauro Bezerra, bem demonstra que a amizade está acima das questiúnculas pessoais. Parabéns pela sinceridade e pelo texto. ( Por um lapso,foi digitada a palavra descente, em vez de decente)

    Resposta: Obrigado. Será revisada.

  11. Anônimo

    Não me lembro de ter lido algo tão bonito e verdadeiro sobre a amizade antes desse seu texto. Enquanto lia, chorei varias vezes. Você conseguiu resumir sem diminuir a historia de sua convivência com seu querido amigo de forma tão significativa para mim que gostaria que quando eu me fosse algum amigo pudesse escrever um texto parecido com este sobre mim. Parabéns! Foi maravilhosamente lindo o que você escreveu.

    PS: Desculpe, havia postado meu comentário no texto errado.

  12. ALEXANDRE MESQUITA LINS

    OLÁ DR. NAGIB!

    QUE HISTÓRIA BONITA!É MUITO BOM PODER ESCUTARMOS OU LERMOS DEPOIMENTOS SINCEROS DE PESSOAS COMO O SR.,ESPERO QUE DIANTE DE TODA ESSA NARRATIVA DE ENCONTROS E DESENCONTROS,POSSAMOS EU E TODOS AQUELES QUE SOUBERAM OU TIVERAM OPORTUNIDADE DE LER ESSE ARTIGO OU QUEM SABE ATÉ DISPOR DE UMA CONVIVÊNCIA COM O DOUTOR MAURO POSSAM TÊLO EM SUAS ORAÇÕES.
    GOSTARIA TB EXCELENTÍSSIMO DEPUTADO NAGIB DE REGISTRAR AQUI O MEU APREÇO PELA SUA PESSOA,COMO DEPUTADO,JORNALISTA E FINALMENTE COMO FIGURA HUMANA,POIS SEMPRE ACOMPANHO COM AFINCO O SEU BOM DESEMPRENHO EM TODAS ESSAS ATIVIDADES.SENDO ASSIM VENHO ATRAVÉS DESTA DIZER-LHE QUE NÃO HAVERÁ LACUNAS EM SEU CAMINHO,TERÁS SEMPRE UM CAMINHO TRANQUILO,COM GRANDES DESAFIOS…..MAIS TRANQUILO!

    DESDE JÁ AGRADECE,

    ALEXANDRE NESQUITA LINS.

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