Razoabilidade e proporcionalidade.

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Na semana passada o presidente da comissão de constituição e justiça da Assembléia Legislativa, deputado Arnaldo Melo, indicou-me como relator do projeto de autoria da deputada Eliziane Gama que a trata da venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos comerciais dentro da aérea de venda de combustível.

Imediatamente chamei a assessoria da comissão e pedi que fizessem um parecer sobre a constitucionalidade do referido projeto.

Formei-me em direito com o único objetivo. O de conhecer profundamente o funcionamento das leis, os mecanismos internos invisíveis que a legislação possui, a forma como os advogados, juízes, promotores e todos os operadores do direito, pensam e funcionam. Dediquei-me ao direito constitucional e dentro dele ao estudo dos pressupostos da defesa dos direitos e garantias dos indivíduos como base para a defesa do direito da sociedade. Este projeto da deputada Eliziane Gama me deu oportunidade de me aprofundar um pouco mais neste assunto.

Menos de vinte e quatro depois de ter pedido o parecer assessoria da AL, chegou até as minhas mãos um documento que reputo como simples e eficiente. Nele estava claro uma coisa que eu já sabia. Não havia nenhuma inconstitucionalidade formal naquele projeto. Nós parlamentares possuímos competência para iniciar o processo legislativo para um projeto daquela natureza, no entanto há uma séria discussão acerca da incompatibilidade do conteúdo da lei em relação ao estabelecido pela constituição. Restava indagar se o projeto obedece ao princípio da proporcionalidade.

E o que viria a ser este princípio? A proporcionalidade aqui se refere à força. Refere-se ou uso da lei como força de obrigar ao individuo ou à sociedade em fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

Ricardo Aziz e Willis Santiago defendem a idéia de que o meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio será adequado quando com seu auxílio se puder alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não tiver um outro meio, igualmente eficaz, mas que não limite totalmente ou de maneira menos sensível o direito fundamental do cidadão.

A supremacia da Constituição Federal constitui o ponto de partida para a compreensão do princípio da proporcionalidade. Helenilson Cunha diz que o conteúdo jurídico-material do princípio da proporcionalidade decorre do reconhecimento da supremacia hierárquico-normativa da Constituição. A proporcionalidade, como princípio jurídico implícito do Estado de Direito, é uma garantia fundamental para a concretização dos valores consagrados na Constituição. É o princípio que concretiza o postulado segundo o qual o Direito não se esgota na lei.

Helenilson afirma ainda que a proporcionalidade apresenta duas dimensões, complementares entre si. Existiria uma dimensão de princípio geral de vedação do arbítrio estatal, e outra de concretização prática dos diferentes direitos, interesses e garantias constitucionais. Diz ele que, ainda, que a proporcionalidade como cláusula geral antiarbítrio, exerça, em relação ao Estado, uma função negativa ou de proteção, constituindo-se, o princípio da proporcionalidade, em verdadeira norma de bloqueio, isto é, comando jurídico no qual se sobressai a função de proteção do indivíduo contra medidas estatais arbitrárias. Na segunda dimensão, segundo o autor, a proporcionalidade consubstancia um instrumento de concretização das pretensões constitucionais que aparentemente possam apresentar-se contraditórias. De onde se conclui que, assim concebido, o princípio da proporcionalidade desempenha notável função positiva de afirmação da normatividade dos comandos constitucionais.

Mesmo depois de todos esses estudos, de toda essa pesquisa ainda me restava um fiapo de dúvida de se o projeto não deveria ou poderia ser apreciada pela Assembléia Legislativa.

Na minha vida as coisas acontecem de forma muito curiosas. Só me decidi realmente sobre meu parecer contrário ao projeto de Eliziane na madrugada do ultimo domingo. Ao sair do arraial do Renascença, de repente me veio à mente uma pergunta: Se nós queremos proibir a venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina para impedir que os motoristas saiam destes estabelecimentos tendo comprado e consumido bebidas alcoólicas, como podemos permitir a realização de arraiais e de festas em geral aonde todas as pessoas vão de carro a esses locais e onde com toda certeza vão consumir bebidas alcoólicas?

Neste momento ficou muito claro para mim que o projeto da deputada Eliziane Gama fere de morte o princípio da proporcionalidade, aplicando uma lei excessivamente forte na tentativa de solucionar o problema para o qual, outras medidas poderiam ser tomadas que não ferissem o direito dos indivíduos como esta o fará, e o que é pior, mesmo que fosse aprovada esta lei não solucionaria, nem mesmo amenizaria o problema que enfoca.

12 comentários para "Razoabilidade e proporcionalidade."


  1. Josué Castro

    Caro deputado Joaquim,
    às vezes me pergunto o que é pior, se a minha situação ou a sua. Na minha situação eu vejo que na nossa assembléia legislativa só há você capaz de discorrer sobre um assunto desta natureza com tamanha competência e com tanto conhecimento. Na sua situação imagino que deva se sentir pregando no deserto.
    Sou da opinião que se deva lutar contra o consumo desenfreado de bebida alcoólica e de cigarros, mas como o senhor admito que nenhuma lei possa vir a ferir qualquer direito do cidadão e ainda por cima com o uso de uma força desproporcional.
    Acabei de chegar em casa vindo do arraial da Lagoa e presenciei um acidente envolvendo um caro e uma moto onde os dois haviam bebido e nenhum comprou a bebida num posto de combustível e sim no arraial. Achei sua explicação bastante objetiva e didática. Parabéns.

  2. Marcio Silveira

    Incrível! Ao começar a ler, pela primeira vez sua crônica, concordei com o projeto da deputada em proibir a venda de bebidas alcoólicas em postos de combustíveis, mas antes de acabar de ler já estava em duvida devido sua forma fácil e clara de explicar toda a situação. Depois li de novo e não mais concordava com a proibição. Se todos os fatos políticos fossem explicados de forma tão clara e direta talvez nós pobres mortais entendêssemos um pouco melhor de política e de como agem os políticos. Irretocável a sua posição!

  3. Anônimo

    Agora sim! É esse tipo de assunto que eu gosto que você aborde. Mas apesar de achar bom o assunto, discordo de seu parecer, a venda de bebida deveria ser proibida não apenas em postos de gasolina, mas em todo lugar.

  4. João Batista Lopes

    Você conseguiu me deixar extremamente confuso. Sou favorável ao projeto da deputada Eliziane, mas depois de sua argumentação acho que realmente ele fere o direito das pessoas, tanto o do consumidor poder comprar bebida onde ele quiser quanto o da livre iniciativa do empresário.

  5. Aninha

    É pecar pelo excesso de inocência, acreditar que deixar de vender bebidas alcoólicas em postos vai fazer com que os motoristas tomem consciência e parem de dirigir alcoolizados, daquí a pouco vão proibir os postos e suas tão práticas lojas de conveniências de vender cartões para celular, uma vez que o código de trânsito tb proíbe o uso de celular na direção.Quem quer se perder, se perde até dentro de casa, (já diz minha avó) é do livre arbítrio (ou da livre opnião caso prefira assim) de cada um escolher o que deseja ou não fazer, todos somos livres para escolher nossos, caminhos, até pq nem sempre a bebida que se compra em postos de combustíveis, é consumida alí, alguns mais espertos apenas compram p/ consumí-la mais tarde na santa paz do seu lar.Eu pessoalmente não as compro de jeito nenhum, pq não gosto de nenhuma delas, mas é uma escolha minha, e gosto de ver minhas escolhas sendo respeitadasassim como respeito as dos outros.

  6. mario sergio

    ouvi seu discurso hj na alm sobre este assunto, achei brilhante. parabens.

  7. Anônimo

    Mas deputado, como o senhor me fica contra um projeto deste alcance? Como ser contra a venda de bebida em postos de gasolina? Seus eleitores vão lhe cobrar!

  8. Joaquim Nagib Haickel

    Leia esta crônica novamente, se você não entender, pode me procurar na ALM que terei o maior prazer em explicar-lhe os motivos pelos qual o referido projeto é inconstitucional. Ele é muito bem intencionado, mas fere princípios básicos da nossa constituição federal, e nós não podemos fazer uma lei que esteja em desacordo com a lei maior.

  9. Francisco

    Não há dúvidas que vc é o mais preparado deputado do MA. Concordando ou não com seu parecer, duvido que alguem outro deputado consiga debater no mesmo nível. A maioria seguer consegue falar “princípio da proporcionalidade”…

  10. Maria da Penha

    Concordo com você. É o mesmo dilema sobre as armas. Eu não uso, mas quero o meu direito assegurado. É proíbido proíbir.

  11. sandro henrique bezerra da silva

    Quero deixar meu repúdio e minha indiguinação com respeito a decissão de v.exc,pois vejo que o deputado está legislando em causa propia,pois o projeto da deputada é legitimo e pertinente,partindo do principio em que esse projeto vem com certeza diminuir os acidentes e evitar que varios pais de familia percam suas vidas e deixam na ofandade dezenas de crianças,sem falar no prblema social que esses filhos venham causar no futuro haja vista a falta da presença do pai para orientar esses filhos e quem sabe deputado livrar das mãos da maginalidade.Tome o exemplo do seu pai o qual o senhor tomou o nome dele emprestado e sei que essa atitude não foi só para promoção pessoal,creio que foi para deixar vivo na memoria dos seu admiradores assim como eu que tinha uma grande admiraçã por ele,pois via nele um grande defensor das causas sóciais e dos menos favorecidos,tome o exemplo do seu pai e não procure nas entrelinhas da lei mais um motivo para justificar a ação de varios inresponsaves que bebem e sai a dirigir pelas ruas de nossa cidade e provocam acidentes que quando não matam deixam sequelas permanente,tome o exemplo do meu amigo nagib que sempre estava do lado daqueles que procuravam diminuir ou amenizar o sofrimento das familias ,tome o exemplo do seu pai e não so o nome e procure tb elaborar leis que venham coibir o vandalismo,tenha a humildade do seu pai e volte atras de sua decição em relatar contra o projeto da deputada que so vem contribuir para evitar acidentes.saiba ainda que quando uma pessoa sair de um posto e este venha tomar uma cerveja nesses estabelecimento e consequentimento venha a provocar um acidente,parabéns pra voçê tem sua participação.

    Resposta:Acredito que o amigo Sandro não tenha entendido corretamente o que eu disse. Vou tentar resumir: O mal motorista não precisa comprar bebida num posto de gasolina, basta ele parar um supermercado ao lado do posto e fazê-lo. Pode até trazer a bebida de casa.
    Caro amigo fazer leis não é uma coisa simples nem fácil, isso é coisa complicada e difícil. Não basta ter uma grande idéia e uma boa intenção. Além disso tanto intenção quanto idéia tem que ser viável e funcionar.
    Não legislo em causa própria, não tenho posto de gasolina, não vendo bebida alcoolica e nem bebo.

    .

  12. Willis S. Guerra Filho

    Fiquei muito contente em ver a idéia de proporcionalidade, que parece introduzi com pioneirismo no Brasil, em ensaio de 1989, sendo empregada em discussão de um importante projeto de lei.

    Resposta: Primeiramente quero dizer que é uma honra receber um comentário do professor Willis Santiago Guerra Filho, graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1982), mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1986) e Doutor em Ciência do Direito – Fakultät Für Rechtswissenschaft der Universität Bielefeld (1995), Livre-Docênte em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará (1997), professor titular de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (1998) e o Pós-Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), professor colaborador nos programas de pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, bem como da pós-graduado “lato sensu” em Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, onde também leciona disciplina de Historia do Direito no curso de graduação em Direito. Tem experiência em Direito e Filosofia, Tem maior experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: direitos fundamentais, processo constitucional, história e filosofia do direito. (Dados levantados por ITAAF)
    Digo isso para melhor exemplificar o uso do principio da proporcionalidade, da qual jamais havia ouvido falar teoricamente. No meu modesto entendimento o que havia antes de saber isso era o uso exagerado do remédio que acaba prejudicando muito mais o paciente que a própria doença, ou no popular, como diria meu pai que só era formado na faculdade da vida, é coisa de quem “pra acabar com os carrapatos, mata a vaca”.
    Veja o caso concreto: A Deputada Eliziane Gama apresentou um projeto que proibiria a venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina e eu me decidi contrario a esse projeto e no dia em que saia de um arraial de festa junina e de repente me veio à mente o motivo concreto de porque ser contra tal projeto, que em tese é muito bom: Se nós queremos proibir a venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina para impedir que os motoristas saiam destes estabelecimentos tendo comprado e consumido bebidas alcoólicas, como podemos permitir a realização de arraiais e de festas em geral aonde todas as pessoas vão de carro a esses locais e onde com toda certeza vão consumir bebidas alcoólicas?
    Neste momento ficou muito claro para mim que o projeto da deputada Eliziane Gama feria de morte o princípio da proporcionalidade, aplicando uma lei excessivamente forte na tentativa de solucionar o problema para o qual, outras medidas poderiam ser tomadas que não ferissem o direito dos indivíduos como esta o fará, e o que é pior, mesmo que fosse aprovada esta lei não solucionaria, nem mesmo amenizaria o problema que enfoca.

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