Viva Tio Samuel.
Uma das minhas maiores alegrias nesta vida foi ter publicado no dia 13 de maio último, a crônica abaixo, feita para homenagear um herói, na mais pura concepção da palavra, com quem tive a felicidade de conviver, desde que nasci. Hoje repito este texto, porque aquele herói não mais vive entre nós, ele agora vivera eternamente em nossa saudosa memória.
Vou contar pra vocês um pouco sobre a vida de um tio meu. É uma historia incrível que vale a pena se conhecer.
O tio em questão é Samuel Gobel. Marido de minha tia Lucia, pai de meu primo-irmão Jorge, avô de meus sobrinhos Catherine e Vinicius e o bisavô de minha sobrinha-neta, Ana Júlia, sogro de minha cunhada Mônica. Samuca, como lhe chamam os mais íntimos, foi grande amigo de meu pai.
Ele nasceu em primeiro de maio de 1927, em Atenas, na Grécia e antes de chegar ao Maranhão viveu uma vida cheia de aventuras.
Aos 13 anos viu o exercito italiano invadir sua cidade. Aos 14, participava de um grupo de resistência contra os invasores alemães que foram tentar fazer o que os italianos não haviam conseguido. Controlar a velha Grécia, berço da civilização ocidental que agora nem de longe lembrava a terra de incontáveis glorias, senhora de quase todo o mundo conhecido, através do imenso poder dos exércitos de Alexandre da Macedônia.
Com 16 anos foi capturado pelos alemães e levado para o campo de concentração de Darchau, na Alemanha. Por sorte, lá ele ficaria até o campo ser libertado pelos aliados em 1945.
O resgate de Darchau foi tranqüilo. Os americanos entraram em sem disparar um único tiro, mas em compensação o que encontraram do lado de dentro dos muros e das cercas de arame farpado daquele campo foi um verdadeiro inferno.
Tio Samuel tinha na época 18 anos e pesava apenas 36 kg. Dois para cada ano de sua vida.
Ao serem libertados, muitos prisioneiros, famintos, morriam de overdose calórica. O mesmo poderia acontecer com Samuel se um sargento americano, de ascendência grega, não o tivesse levado para um hospital em Munique, onde ele teve os cuidados adequados para bem se recuperar.
Restabelecido, Samuel voltou para sua Grécia, mas alguma coisa nele já era diferente. Meses depois estava de volta na Alemanha e desta vez iria ajudar os judeus a fugir do que Churchill chamou de cortina de ferro.
Ele foi então recrutado por um personagem que eu conheceria anos mais tarde através de dois excelentes filmes, A maratona da morte e Os meninos do Brasil: Simon Wiesenthal.
Mas Tio Samuel não iria caçar nazistas, ele trabalharia num outro braço da organização dirigida pelo senhor Wiesenthal.
Durante anos Samuel facilitou a fuga de Judeus e de outras pessoas da Bulgária, da Romênia, da Hungria e da Tchecoslováquia, até que certa vez foi preso perto de Praga. Acusado de espionagem, foi condenado a quinze anos de prisão e trabalhos forçados, coisa que passou a fazer há mil e duzentos metros de profundidade, nas minas de urânio em Rovnost.
Três anos depois ele fugiu de lá com ajuda de um dos responsáveis pela produção das minas. Na fuga, durante quarenta noites de dia ele ficava escondido comeu apenas frutas silvestres e bebia neve, ate chegar a Viena, na Áustria.
Foi ai que ele resolveu levar uma outra vida e veio pra o Brasil juntamente com outros três amigos, dois gregos e um romeno. Tendo passado pelo Rio e por São Paulo, foram todos para Curitiba onde ficaram um ano, mas depois quiseram ir para Venezuela.
Como o navio em que viajavam parou para reparos em São Luis, e aqui ficaria por algum tempo, Samuel foi ficando, ficando e ficou.
Durante o tempo em que viveu por aqui, Samuca se estabeleceu no setor comercial e participou da época de ouro do salonismo maranhense. Ajudou juntamente com uma geração de monstros sagrados do esporte Timbira a fortalecer o futebol de salão através de times como Próton, Santelmo, Rio Negro, Graça Aranha, Saturno, Drible e Cometas.
Já casado e pai de família foi então morar em Brasília e lá foi regente da maior loja de departamentos da capital federal nos idos dos anos 60, A BiBaBô. Lá também se dedicou ao esporte da bola pesada tornando-se arbitro da modalidade, tendo sido considerado o melhor do país durante muitos anos.
Viajou pelo Brasil e pelo mundo, agora por conta do esporte, não mais por conta de uma vida de aventuras.
Por muitos anos foi um dos dirigentes da confederação brasileira de desporte universitário, a CBDU. Participou de oito olimpíadas universitárias em Londres, Toronto, Zagreb, Osaka, Fukuoca, Palermo, Palma de Majorca e Beijim.
Convocado pela FIFA, compôs o comitê que modificou as regras do futebol de salão.
Tudo isso pode parecer muito fantasioso para alguns, mas não é. Para dar certeza do que digo tenho em minhas mãos uma carta datada de 9 de novembro de 1954 e assinada por Simon Wiesenthal e endereçada ao Lieber herr Gobel onde o famoso defensor do povo judeu agradece pelos relevantes serviços prestados à causa do povo de Israel e em nome da liberdade.
Tio Samuel foi um herói na Grécia, na Alemanha, na Tchecoslováquia, em São Luis do Maranhão e em Brasília. Ele é um herói por ter conseguido chegar ate aqui.
Ao saber que tio Samuel havia morrido, me propus a não chorar. Ao vê-lo morto, apesar de me sentir muito, muito triste, não chorei. Não chorei porque não consegui ver em sua morte, uma dor sua, só via a nossa dor, a dor de seus sobrinhos, filho, netos, bis-neta, mulher, nora, cunhados e amigos e a dor de seus parentes que moram na Grécia.
Um homem como Samuel Gobel não deve ser pranteado, deve ser exaltado, pois durante toda sua vida, ele foi um homem feliz e realizado, um verdadeiro herói.
Viva Samuca!