No começo dos anos 20, nos tempos de Rondon, havia pelas bandas do rio Madeira, ali mais ou menos onde hoje é a cidade de Porto Velho, um cidadão de nome Licurgo Lindoso, um doutor- pajé conhecido por seu jeito meio arrogante e falastrão, por seu temperamento espirituoso e vulcânico, e que no fim da vida, nos 70, tornou-se a memória viva daquela região e daquele povo. Seu Lico era dono de uma grande fazenda na beira desse que é um dos maiores rios Amazônia, numa região ainda por desbravar. Ele era muito conhecido de todos na região e se gabava de seu raciocínio rápido e certeiro. Certa vez precisando atravessar o Madeira para visitar um doente que morava na outra margem, seu Lico procurou um barqueiro e não encontrou nenhum, mas avistou um caboclinho de nome Cursino, cochilando, sentado num tronco de uma árvore e indagou-lhe se havia alguma maneira de ir para a outra margem, com urgência, antes daquela chuva que se anunciava, ao que obteve resposta afirmativa, pois o rapazola possuía um casco velho que ele usava para pescar e poderia atravessa-lo.
Sendo uma longa travessia, doutor Licurgo resolveu puxar conversa com o caboclinho: A pesca tem sido boa? Tem sim sinhô! Tem dado uns peixe bom, uns bicho grande! E você sabia que peixe é animal? Eu não doutor, pensei que peixe fosse peixe. Não, peixe é peixe, mas é um animal. Você sabe o nome da ciência que estuda os animais? Não sinhô! É zoologia. Por não ter estudado e não saber disso, você perdeu 30% de sua vida.
E continuaram a conversar: E você sabe o que é aquilo ali? Ah! Isso eu sei sim sinhô, é um pé de pau! Coisa nenhuma, isso é uma castanheira, árvore típica da região amazônica.Você sabe o nome da ciência que estuda as árvores? O caboclinho sacudiu a cabeça, negando. É botânica, e você, por não ter estudado, acaba de perder mais 30% da tua vida.
Lá pelo meio da travessia, um tanto mareado, doutor Licurgo fez outra pergunta ao Cursino: Você sabe o que é aquela coisa enorme, lá do outro lado? Sei sim sinhô. É uma predra, respondeu já meio chateado o rapaz. Você nem sabe dizer o nome certo, você quer dizer é pedra. É mais ou menos isso. Aquilo na verdade é uma rocha sedimentar de aluvião. E você sabe o nome da ciência que estuda as rochas? Não, respondeu já totalmente desanimado o rapaz. É mineralogia, e justamente por não ter estudado perdeu mais 30% da sua vida.
Humilhado e indignado, o caboclinho só com 10% de vida, resolveu contra-atacar: Bom, doutor, o sinhô sabe o que aquilo ali em cima? Imediatamente seu Lico responde. São nuvens carregadas eletricamente que logo, logo, se chocarão, se precipitarão e se transformarão numa forte chuva. Muito bem doutor, eu mesmo sem ter estudado, mesmo sem saber o que é isso de eletricamente e precipitarão, ai que o sinhô disse, isso eu sei, vai chover e é muito, e é logo. E o sinhô sabia que quando chove muito forte por essas bandas, o rio faz muitas ondas e canoas fraquinhas assim como essa minha costumam virar? Não sabia, não Cursino. E o doutor sabe nadar? Não sei, não! Então doutor não vai demorar muito e o sinhô pode perder sua vida todinha.
vc é realmente surpreendente! conseguiu contar uma história antiga de uma maneira totalmente nova e cativante. Parabéns!
Legal o conto, o estudo é fundamental, mas deve ser aliado do dia a dia.
muito legal!
Vai ser bom assim adiante! Este é o meu deputado, o único que tem o que dizer dentro daquela Assembléia, o único com conhecimento e formação cultural pra não nos envergonhar.
Viva eu que votei nele e que leio o que ele escreve.
Sem duvida uma das maiores riquezas de um povo são as suas historias, contados da boca para o ouvido do cabloco, de geração em geração. Vale a vivencia de um povo, vale os que conseguem escrever os causos com sentimento da terra.
Grande lição! Parabéns!