Joaquim Haickel e a Operação Navalha
A pretexto de defender o Estado Democrático de Direito e a presunção da inocência, o deputado sarneysista Joaquim Haickel (PMDB) defendeu hoje, em discurso na Assembléia, mesmo sem citar nomes, os acusados pela Polícia Federal na Operação Navalha.
Para a maioria dos presentes, inclusive seus colegas de bancada, imprensa e membros da galeria, Haickel deu mais motivo ao preso José Reinaldo Tavares (PSB) e ao provável indiciado Jackson Lago (PDT) a continuarem com a balela de que estão sendo vítimas de perseguição política.
Enquanto o deputado discursava, coube a seus colegas governistas elogiá-lo colocando, em apartes, a cereja no bolo: usar seu discurso para reforçar a defesa dos envolvidos.
O líder do governo, Edivaldo Holanda (PSL), classificou a iniciativa do deputado de brilhante, pertinente e oportuna. Estou emocionado. Muita gente é condenada antecipadamente pela mídia (Jackson) sem direito a defesa, enfatizou o líder.
Falo do recuo da moralidade e da ética e do conseqüente avanço do estado policialesco e repressor, onde o aparato policial ocupa o espaço que outrora era reservado aos grandes líderes da nação. De algum tempo para cá, só temos visto escândalos e mais escândalos envolvendo as mais ilustres figuras da nação, discursou o peemedebista.
Aqui cabe uma opinião minha: se a polícia está ocupando o local de grandes líderes, como no caso da Operação Navalha, é porque tais líderes estão dando motivo para tal. Nesse ponto, o ex-presidente da Assembléia Tatá Milhomem (DEM) aparteou o colega para dizer que 90% da população apóia as ações da Polícia Federal.
Se fosse me influenciar por pesquisa não estaria aqui como deputado, rebateu Haickel. Quem não deve não teme. Quem está sendo investigado é porque é suspeito, retrucou Tatá.
Em seu discurso, Haickel afirmou que o fato do acusado é quem ter que provar que é inocente, embora a lei preveja que a presunção de inocência é uma das mais importantes garantias constitucionais do indivíduo.
Impressionante como agora, só porque a PF colocou alguns tubarões, bois de raça e lambaris poucos dias atrás das grades, todo mundo e não é só o caso do deputado em questão resolveu condenar a polícia.
Por essa visão, o senhor Zuleido Veras, dono da Gautama, que construiu aquelas pontes ligando o nada a lugar nenhum, só deveria responder pelo crime – alguém ainda tem alguma dúvida? – e ser preso ao final do processo, não se sabe quando.
Talvez, como nossa Justiça é demorada, o caso até prescrevesse e ele, sem o susto de alguns dias atrás das grades e a exposição a que foi submetido, continuasse por aí roubando os cofres públicos com o apoio dos ditos líderes a que o parlamentar se referiu em seu discurso.
Haickel chega ao ápice de sua análise fazendo o que muitos políticos gostam de fazer: colocar a culpa na imprensa. A cobertura jornalística de casos sob julgamento pode produzir efeitos danosos para o réu, especialmente se este já é apresentado inapelavelmente como culpado, discursou.
Nesse ponto, concordo com restrição. Isso só acontece se o trabalho jornalístico for mal feito. Um trabalho jornalístico bem feito, além de ajudar a investigação e o julgamento, pode evitar que o processo seja esquecido na gaveta de algum chefe maior.
Leia aqui a íntegra do discurso de Joaquim Haickel com os apartes dos colegas.
Escrito por Décio Sá em 19/06/07 17:09:00
Carta aberta a Décio Sá e a quem interessar possa.
Caro amigo Décio,
Infelizmente os comentários ao seu blog têm limitação de quantidade de caracteres digitados. Assim fica difícil de esclarecer algumas coisas, mesmo sabendo que alguns jornalistas na verdade não desejam esclarecer absolutamente nada, o que eles querem mesmo é confundir todo mundo e com isso fazer prevalecer a versão dos fatos que mais lhes convém.
Todos que me conhecem sabem que sou uma pessoa aberta ao dialogo, de posições claras e de postura franca. Não sou afeito a fofocas e abomino a hipocrisia. Tenho um histórico de coerência que não será maculado por pressões nem por patrulhamento ideológico das novas Vestais da moralidade.
Imagino que você pelo menos imagine que eu não seja burro. Se não estivesse preparado para criticas não exporia meus pontos de vistas. Se não soubesse das conseqüências e não me responsabilizasse por elas, não tomaria as posições que costumo tomar.
Quanto ao discurso que proferi hoje na ALM, ao qual você não estava presente, discorri sobre algumas coisas que reputo muito importantes para a vida da nação, como o respeito às leis e as garantias constitucionais aos direitos dos indivíduos, sem os quais não pode haver direito coletivo nem democracia.
Mas vamos ao que interessa: Nós bem que poderíamos começar esclarecendo o titulo de sua matéria: Joaquim Haickel e a operação navalha, que me lembra muito os títulos das matérias do Jornal Pequeno de alguns anos atrás. Pura apelação, e ainda por cima ruim.
Quem for ler, e são muitos os seus leitores, a principio pode até imaginar que eu tenha alguma coisa a ver com a tal cortante operação, mas bastará um minutinho para o desavisado leitor entender o que realmente aconteceu. É que eu defendo uma posição filosófica e ideológica que clara e simplesmente desagrada ao nobre escrevente. Portanto as suas criticas ao meu discurso de hoje se devem exclusivamente ao fato dele não coincidir com os seus interesses políticos e eu não sou agente de seus interesses políticos, meu caro.
Além do mais não posso imaginar que um jornalista brilhante como você se oponha ao estado democrático de direito. Como a minha posição e o meu discurso não se coadunam com seus interesses, então você resolveu achar que ele não presta, que estou falando besteira, que estou errado. Sem melhores argumentos você chega ao cumulo de dizer que estou defendendo Zé Reinaldo e Jackson e que culpo a imprensa, da qual eu mesmo faço parte.
Exemplo claro do seu modus operandi é o que você achava e dizia do deputado Ricardo Murad antes dele voltar as hostis de nosso grupo político. Ricardo era tido e havido como um monstro, um político da pior espécie. Hoje ele é a régua e o compasso de alguns jornalistas, assim como você. Por essa e por outras, fico reconfortado em saber de suas restrições ao meu discurso, da minha defesa intransigente dos direitos e garantias do individuo previstos no artigo quinto de constituição que tão honrosamente ajudei a fazer.
Nunca falei, nem falaria nada contra qualquer ação que vise reprimir a impunidade e punir a corrupção. Elas são ações indispensáveis para o correto e sadio funcionamento da democracia. O que não admito é que o Estado para implementar tais ações fira direitos fundamentais dos indivíduos e rasgue a nossa lei maior. Isso nunca, senão será o caos. O Estado, neste caso a justiça e a policia a seu serviço, tem que agir na defesa intransigente da sociedade, mas de acordo com os preceitos constitucionais que garantem ao cidadão esta qualidade. O desrespeito aos preceitos constitucionais destrói a função da ação que pretende ser saneadora, e torna-se mais um problema. O maior de todos, a quebra do estado de direito.
Ao contrario do que o nobre amigo imagina, a minha motivação não foi a defesa do governador Jackson Lago ou de meus particulares amigos Ney e Silas. Se a minha posição favorece alguém, isso não é problema meu. Meu problema é defender o que acredito e nesse intento é que ajo.
Algumas coisas me levaram a fazer esse discurso hoje. A primeira foi o fato de semanas atrás ter encontrado no salão verde da câmara federal com o novamente deputado Ibsen Pinheiro, execrado e condenado previamente como fraudador e corrupto e que depois provou sua inocência. Um pouco tarde demais. Ibsen me avistou e veio falar comigo, me cumprimentar. Vi nele as marcar da calunia e da difamação. Foi triste. Honra é como vida, não se repõe.
Outro motivo foi o que se tentou fazer recentemente com o deputado Paulo Neto. Muita gente chegou mesmo a acreditar que ele tinha algum envolvimento na morte do prefeito Bertin, mas parece que está claro que não tem e se tiver ele só poderia ser condenado depois de julgado legalmente, não por antecipação, porque senão, pra que a justiça?
Uma outra coisa me fez pensar muito sobre isso tudo. Vi uma entrevista feita no sul do país, onde o repórter buscava saber de uma senhora qual sua opinião sobre a soltura de alguns presos envolvidos com jogos e caça-níqueis, e ela respondeu que isso era um absurdo, a policia prendia e no mesmo dia a justiça soltava. O que é uma grande inverdade e não apareceu um ancora pra explicar que nesses casos quem prende e quem solta é a justiça, que a policia só cumpre ordens da justiça.
Essa total inversão de valores e tal desconhecimento me motivaram falar desse assunto. Acho que fiz bem.
Cordialmente,
Joaquim Nagib Haickel.
PS: Caro Décio, gostaria muito de lhe agradecer por ter comentado em seu blog o meu modesto discurso de hoje na Assembléia Legislativa. Com isso você aumentou imensamente o alcance de minhas palavras graças a sua grande audiência. Outra coisa, que foto maravilhosa a que você escolheu para ilustrar a matéria! Acho até que fiquei bonito! Mas o melhor da foto foi o detalhe ao fundo, onde se lê a frase não há democracia sem parlamento livre, de autoria de José Sarney, seu patrão e meu guru.