Virtudes e qualidades, fraquezas e defeitos.

O rei já estava ficando velho e ainda não tinha herdeiro. Há anos ele pedia aos Deuses que fizesse com que sua mulher lhe desse um filho para poder continuar a sua linhagem e para que ele tivesse alguém para continuar seu trabalho. Nunca seu povo foi tão feliz antes. Nunca seu reino havia conseguido tanta prosperidade.

Se havia um rei que merecesse que seus desejos fossem realizados, era aquele, por isso todo seu povo rezava para que a rainha lhe desse logo um herdeiro.

Havia um Deus extremamente espirituoso e brincalhão que resolveu atender ao pedido do rei e de seus súditos, mas como era de sua forma de agir, resolveu apimentar o presente e ao invés de dar um herdeiro ao rei, deu dois.

Meses depois a corte e o reino estavam em festa. A rainha havia dado a luz a gêmeos.

O rei logo viu a situação complicada em que os Deuses o colocara. Ele havia pedido um herdeiro e agora tinha dois. Mesmo que por direito o gêmeo que saiu do ventre da mãe primeiro fosse o seu legitimo sucessor, isso causava ao rei uma grande duvida. Os Deuses nitidamente queriam testá-lo.

Os meninos cresciam sadios e fortes. Mas desde cedo ficou claro que eram muito diferentes um do outro. Um era culto, inteligente e sábio. O outro era enérgico, tenaz e empreendedor. Duas metades de uma mesma moeda. Perfeitos se unidos. Incompletos se separados. O rei logo entendeu tudo.

O tempo passava e o rei não conseguia decidir para qual dos dois deixar seu trono. Num, o velho rei via a figura que poderia ser o líder espiritual do seu povo, no outro ele vislumbrava o construtor de cidades.

Por mais que o rei pensasse, não conseguia se resolver para qual dos dois filhos deixaria seu reino. Então ele chamou os maiores sábios da corte para que o aconselhassem. Um comentou as qualidades do menino sábio, o fato dele ser sensível, mostrou ao rei que era disso que realmente precisava um líder. Outro disse que era de um rei energético, capaz de poder dirimir qualquer questão com agilidade e precisão que mais precisa seu povo.

Passaram-se anos nesse impasse e os dois não paravam de crescer e de aprender. Cada um com suas predileções: um aprendia os clássicos e o outro estudava arquitetura. Um discutia com filósofos e religiosos e o outro tratava com generais e políticos.

Certo dia o rei ficou doente e sentindo que iria morrer chamou os filhos e lhes disse que não poderia jamais dividir o seu reino e nem escolher um dentre os dois para sucedê-lo, eles o fariam.

Os dois irmãos que eram gêmeos, mentais, psicológica e misticamente siameses, disseram ao pai que durante toda a sua vida ele só havia visto suas virtudes e suas qualidades e nunca notou suas fraquezas e defeitos, – “eu vejo claramente quem é meu irmão e ele identifica imediatamente quem sou. Por isso resolvemos aprimorar nossas qualidade e deixar nossos defeitos ao encargo um do outro. Por exemplo, pai, eu sou uma espécie de refém da minha sensibilidade, de minha grande capacidade de compreensão e de minha sabedoria. Fico vendo as pessoas sempre esperam o bem e o certo de mim e isso me torna um refém de minha própria bondade, e de meu modo de ser. Só meu irmão pode me libertar disso com sua clareza, senso analítico e firmeza”.

O outro completou: “e eu pai, comigo acontecesse o mesmo, as pessoas que me procuram querem sempre uma solução rápida e eficiente para seus problemas. Sou requisitado para fazer as piores coisas. Sou refém de minha energia e de4 minha tenacidade. Todos querem de alguma forma me superar e me vencer, o que é muito perigoso. Só meu irmão pode me libertar disso com sua sabedoria e sua sensibilidade”.

O rei, velho e doente, sorri e manda chamar seus ministros e seus escribas e dita seu testamento onde prevê que os dois filhos o sucedam em conjunto e que todos os seus atos deverão ser resolvidos e homologados em conjunto, agora e para todo sempre. Logo depois o rei abdica em nome dos filhos.

Passam-se alguns meses e o rei morre, mas ainda pôde em vida ver que seus filhos tomaram conta de seu reino como ele desejava, com sabedoria e sensibilidade, mas com energia e tenacidade.

Esse reino, há muito, não existe mais.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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