Uma carta de 500 anos

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Recentemente, um grupo de pesquisadores contratados pela biblioteca de Florença encontrou uma carta de autoria de Nicolau Maquiavel endereçada a Francisco Vetori. Ela me chegou as mãos através de e-mail assinado por alguém que usa um sugestivo nickname, Conde Lerin, nome do nobre que livrou Navarra, Florença, Roma e o Mundo da nociva figura de César Borgia.
Dou-me o direito, neste domingo, de reportar-lhes apenas as passagens mais interessantes, pois é uma carta muito extensa e nem sempre trata de assuntos pertinentes aos nossos dias.

Magnífico oratori Florentino Francisco Vectori
Apud Summum Pontificem et benefactori suo
Romae,
Magnífico embaixador

Tardias jamais foram as graças divinas. Digo isto porque me parecia não ter perdido, mas sim estar apenas esmaecida a vossa graça, tendo estado vós muito tempo sem escrever-me; estava em dúvida de onde pudesse vir a razão de tal.
Readquiri, no entanto, essa graça pela vossa última de 23 do mês passado, pelo que fico contentíssimo e mais ainda com o seu pedido de enviar-lhe alguns trechos do livro que estou escrevendo sobre um determinado príncipe e que reluto e relutarei, até serem consumidas as minhas derradeiras forças, em publica-lo antes de meu próprio passamento, mesmo que o retratado já estiver perante o juiz supremo. Dante, tenho certeza, o teria incluído em seu poema.(…)
(…) Há um capitulo em que comento como deve agir um príncipe para ganhar uma disputa, qualquer que seja ela, “Se ele deseja conquistar uma determinada honraria, um cargo ou um titulo é de bom alvitre que tenha reconhecidamente por todos, povo, súditos, cortesãos e nobres, uma conduta impecável ou pelo menos razoável, onde o saldo seja-lhe sempre favorável, isto é, que ele tenha feito pelo menos, um pouco de coisas melhores que as piores coisas que ele com toda certeza o fez.” (… ).
(…) Em certa altura desse meu retrato eu pergunto e eu mesmo respondo, “se é melhor, ser amado ou ser temido”, nele discorro sobre as duas possibilidades de agir de um príncipe, através da distribuição do amor e de seus sentimentos complementares como a amizade, a liberdade, a sinceridade, a humildade, a abnegação, a bondade, a gratidão dentre outros ou pela consumação do medo e de seus correlatos, como a ganância, a usurpação, a força, o descaminho, a fraude e a falsidade, dentre tantas. “Se o dito poderoso sempre usou no trato com a sua gente, o caminho do amor, com toda certeza será guiado ao poder para sempre, até ele e através dele. Se foi o caminho do medo que usou em seu mandato, terá sucesso por algum tempo, mas um dia ele será defenestrado do poder como todo tirano, em qualquer lugar, a qualquer tempo”(… )
( … )” Se o príncipe tiver a oportunidade, de construir em torno de si, um grupo de aliados, por meio de um grande evento político, e não o fizer, predefinindo sobressair-se mais que todos, então esse será o começo do seu fim, pois é em eventos episódicos, numa guerra por exemplo, que os príncipes conseguem se afirmar. É onde a sua bravura, a sua coragem e a sua nobreza o colocam irremediavelmente no coração do povo e na mente dos nobres, seus pares. Mas se ele no meio da batalha, ao invés de procurar proteger os seus mais fieis colaboradores, distribuindo-lhes armamentos adequados, colocando-lhes em posições favoráveis no campo de batalha, se ao invés disso, ele só pensar em si, em si resguardar, em si proteger, em garantir que ele próprio sobreviva em detrimento dos demais, ai então o seu fim estará muito próximo”. (…)
(…)”Há uma outra coisa que poderá abreviar o reinado de um príncipe. É se ele no intuito de perpetuar-se no poder, tentar e conseguir mudar leis antigas, que o povo aprove, que se identifique com elas, aí então tudo estará perdido, principalmente se essa nova lei privilegiar aqueles de pouco caráter, se for uma lei que exponha ainda mais o fígado, as vísceras, de um Prometeu acorrentado que clama por uma mínima chance de pelo menos defender-se do bico, das garras daquela ave sinistra, colocada ali, há muitos anos, por um deus supremo, ou quase.
Apostar na fragilidade do caráter de seus iguais é um jogo muito perigoso, pois é pouca a diferença que há entre a conseqüência do amor e do medo, porque quem pode o mais, pode o menos. Quem pode hoje sustentar-lhe poderá um dia derrubar-lhe”. (…)
( … )” A essa altura, ele terá se transformado num transtorno: terá se expandido muito, pisado em muita gente, terá então uma grande população de asseclas dependendo exclusivamente dele, a quem ele terá que alimentar, vestir, cuidar da saúde, mas agora contará com um pequeno grupo de leais e mesmo nele, alguns de seus condes, cardeais e generais não o suportarão mais.
De sua maneira ele é leal com seus, mas cria muitas dificuldades e vai cobrar-lhes pelas facilidades que já são deles. Terá desagradado um exercito de nobres, arriscado-se à condenação da plebe, terá sido pego diversas vezes desviando para si, suprimentos do tesouro, e o que é pior, estará ameaçando uma coisa que para os seus é sagrada: a imagem deles. Ele será um vulcão, prestes a explodir a qualquer momento e não vai atingir quem se opuser a ele, mas pode liquidar quem a ele se aliar, quem por ele quebrar lanças.” (…)
( … )Desejaria, pois, que vós ainda me escrevêsseis aquilo que sobre estes assuntos vos pareça. A vós me recomendo. Seja feliz.

Florença, 10 de Dezembro de 1502
Niccolò Machiavelli

3 comentários para "Uma carta de 500 anos"


  1. deon

    Ei, resume ai o conteúdo da carta e me depois me diz… pow deu preguiça de ler.

  2. Luis Carlos

    Caro Deon, como imagino que o deputado/escritor vai lhe responder particularmente, em seu e-mail, e imaginando que algumas pessoas como você acham a mesma coisa, um texto longo ou denso demais, de certa forma inacessível, vou tentar resumir, pelo menos o que eu entendi… O artigo, “uma carta de 500 anos” é uma parodia de uma carta que Maquiavel escreveu a mais de cinco séculos atrás. Imagino que o articulista tenha tentado mostrar a modernidade, a contemporaneidade de Maquiavel e de tudo que ele pensou, disse ou escreveu. Imagino que essa parodia se refira ao Maranhão.
    Deputado se eu estiver enganado me corrija.
    Mais uma vez é um grande prazer ler o que o senhor escreve. Parabéns!

  3. Ribamar

    Caro Deputado,sou um vendedor de uma loja de material de construçao mas sempre que tenho uma folga leio seu blog que é de uma qualidade impressionante suas parodias e estorias me fazem refletir o fim de semana e é tema das conversas com os amigos.Um abraço e uma boa semana.

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