*Por Roberto Veloso
Em tempos de discussão a respeito da punição do menor de 18 anos, é, também, importante debater a respeito da punição criminal da pessoa jurídica. Não se pode negar que a empresa seja geradora de riscos. Na sociedade pós-industrial, o consumo exagerado e o avanço tecnológico justificam a existência de riscos ditos coletivos ou de massa, porém os indivíduos veem a necessidade de limitá-los para que não fujam ao controle e não produzam lesões às pessoas.
A empresa é, pois, uma fonte de riscos para a vida e a saúde, quer no processo de produção, quando causa acidentes no trabalho pelo manuseio da máquina, quer com os próprios bens produzidos pela atividade industrial, com a elaboração de mercadorias e alimentos em grande escala, quer ainda pela liberação dos dejetos industriais, como a emissão de gases tóxicos e o descarte de produtos radioativos.
O progresso das pessoas jurídicas, em particular as sociedades anônimas e as de responsabilidade limitada, se deu porque é mais vantajoso sob o ponto de vista da análise do custo-benefício entre risco e responsabilidade. Os membros das sociedades limitam-lhe o risco pela determinação da responsabilidade na própria pessoa jurídica, produzindo-se, nesses casos, uma cisão entre quem atua e quem se responsabiliza pelo fato, o que significa que há, na atuação da pessoa jurídica, uma dissociação entre a ação e o sujeito a quem se irá imputar a responsabilidade pelos atos praticados.
Para combater tal estado de coisas, é proposto um Direito Penal de risco que se caracteriza pela pretensão de se desenvolver como preventivo, para enfrentar as novas grandes ameaças da sociedade moderna antecipando a proteção das pessoas mediante a criação de novos crimes, além da punição em grande escala pela omissão dos agentes.
Outra tendência é a diminuição da reprovabilidade, punindo-se pela mera realização do ato, sob uma presunção ou simplesmente por fato atribuído a terceiro, com a aplicação da analogia entre crimes. Por fim, e principalmente, resolve-se a possibilidade de punição penal da pessoa jurídica, como se vê em países europeus, a exemplo da França.
Sejam pertencentes ao sistema jurídico anglo-americano, sejam ao dos códigos da Europa continental, a maioria dos países reconhece que a responsabilidade penal tem como princípio maior a legalidade. No Brasil, tal princípio decorre da Constituição Federal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Há, entre nós, previsão constitucional e legal de punição penal da pessoa jurídica pelos atos lesivos ao meio ambiente. Isso é o que se lê no art. 225, § 3º, da Constituição Federal: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Há, porém, quem defenda que a Constituição Federal admitiu a responsabilidade penal da empresa, indistintamente, para todos os crimes e não só para os ambientais. Tal posição, porém, encontra sérios obstáculos diante do princípio da culpabilidade e da legalidade, este último, em razão de, fora dos casos ambientais, não haver lei que estabeleça a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Mesmo nos crimes ambientais, que há lei tipificando condutas a serem praticadas por pessoa jurídica, é difícil, no âmbito penal, falar-se em responsabilização da pessoa jurídica porque toda a doutrina a respeito da conduta punível está fundada em uma ação ou omissão do homem, enquanto pessoa física.
Para respeitáveis doutrinadores, entre eles o professor alemão Claus Roxin, ação é uma conduta humana relevante no mundo exterior, dominada ou ao menos dominável pela vontade, de modo que, para ele, não são ações em sentido jurídico os efeitos produzidos por forças naturais ou animais, nem os atos de uma pessoa jurídica.
Na doutrina espanhola, Luzón Peña afirma que a diferença entre as condutas do homem e os fenômenos naturais ou dos atos dos animais é a sua dependência da vontade, cujo conceito é mais amplo que os de finalidade ou intencionalidade, pois pressupõe a existência de uma consciência e inteligência do aparato cerebral e do sistema nervoso central.
A prevalecer tais entendimentos, a punição de coletivos de pessoas se torna incompatível com o Direito Penal tradicional, especialmente se se considerar os conceitos de ação e culpabilidade, sendo necessária, para se punir a pessoa jurídica, a criação de outras regras e categorias, a fim de que as sanções penais não sejam inócuas.
*Roberto Veloso é juiz federal e professor doutor da UFMA.