O instituto da repercussão geral surgiu com a chegada da Reforma do Judiciário, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que colocou à disposição do Supremo Tribunal Federal (STF) novas ferramentas a fim de firmar seu papel de Corte Constitucional, além de contribuir para melhorar a organização e a racionalidade dos trabalhos do Tribunal.
Ao promulgar a emenda, o Congresso Nacional levou em consideração que no Poder Judiciário, especialmente no Supremo, tramita um número imenso de processos idênticos e analisados em seqüência. Portanto, procurou-se evitar que os milhares de casos análogos fossem julgados um a um.
Efeito multiplicador
A repercussão geral apresenta o chamado efeito multiplicador, ou seja, o de possibilitar que o Supremo decida uma única vez e que, a partir dessa decisão, uma série de processos idênticos seja atingida. O Tribunal, dessa forma, delibera apenas uma vez e tal decisão é multiplicada para todas as causas iguais.
No entanto, o ex-secretário-geral da Presidência do STF, Luciano Fuck, observa que “há casos com repercussão geral que são únicos, não precisam se multiplicar, e nem por isso deixam de ter relevância constitucional, mas precisam ser analisados sob o âmbito da repercussão geral”.
Desde 2007, com a implantação do instituto, a distribuição de processos no STF diminuiu em 71%. Segundo Luciano Fuck, essa redução permite à Corte se dedicar a temas relevantes.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgados em 2009, indicaram que 80 milhões de processos tramitam no Judiciário brasileiro. Potencialmente, cada um deles pode chegar ao Supremo, fato que demonstra a importância de racionalizar o procedimento e a organização dos trabalhos em todo o país.
Plenário Virtual
O Plenário Virtual é um sistema tecnológico criado pelo STF para que os ministros decidam se determinada matéria tem, ou não, repercussão geral. Um ministro suscita a questão e os outros têm 20 dias para votar, se não se manifestarem neste prazo, o sistema considera que o ministro votou pela existência de repercussão. O Plenário Virtual funciona 24 horas por dia e os ministros podem acessá-lo remotamente, o que contribui para evitar a sobrecarga do plenário físico.
Durante sessão administrativa realizada em novembro de 2008, os ministros do Supremo decidiram que os julgamentos sobre existência de repercussão geral seriam abertos ao público. A consulta ao sistema do Plenário Virtual está disponível na internet pelo site do Supremo. O usuário pode acompanhar, em tempo real, o voto de cada ministro no julgamento sobre a existência de repercussão geral.
Até o momento, foram submetidos pouco mais de 300 assuntos constitucionais ao Plenário Virtual. Apenas 92 deles tiveram ausência de repercussão geral. Em 241 temas, o Supremo entendeu que havia repercussão e que era preciso consolidar o entendimento. Dessas questões, mais de 30% já foram julgadas definitivamente. “O Supremo está se dedicando muito a julgar e pacificar de vez essas questões”, disse o ex-secretário-geral da Presidência do STF.
Sobrestamento
Assim que o processo é incluído no Plenário Virtual, os recursos localizados nas instâncias inferiores que tenham o mesmo tema ficam sobrestados, ou seja, o andamento desses processos é suspenso para aguardar a decisão do Supremo. Quando o STF resolve o mérito da questão, dizendo se é constitucional, ou não, determinada lei, por exemplo, todos esses recursos são decididos à luz do que o Supremo julgou, garantindo isonomia às decisões.
Luciano Fuck ressalta que nem sempre as partes entendem por que os recursos delas não foram escolhidos como leading case, ou seja, para representar determinada questão. Tal fato, conforme ele, não implica que esta parte não possa se manifestar no STF, “que sempre teve uma política muito aberta e cada vez mais transparente de receber memoriais ou inclusive intervenção de amicus curiae [amigos da Corte], que venham a dar suporte e aumentar os argumentos”.
Segundo ele, é muito comum que os ministros se ocupem dos memoriais na hora de decidir a questão da forma mais completa possível. “O fato de o seu processo ficar sobrestado na origem não quer dizer que você não possa participar da decisão do Supremo”, diz Fuck, salientando que o memorial é entregue de forma eletrônica e tem sido muito eficiente, alertando os ministros sobre várias questões e problemas que podem surgir no julgamento de mérito da questão com repercussão geral.
Decisão irrecorrível
Alterado depois da EC 45, o Código de Processo Civil (CPC) diz que a decisão que reconhece ou afasta a repercussão geral é irrecorrível. Dessa forma, tanto o reconhecimento quanto o julgamento do mérito, pelo plenário do Supremo – última instância do Judiciário brasileiro – é definitivo, impedindo a interposição de recurso ordinário. Eventualmente, cabem embargos de declaração para esclarecer um ponto ou outro ou superar uma omissão que tenha ocorrido.
Boas práticas
Por fim, Luciano destaca que boas práticas em relação ao instituto da repercussão geral estão surgindo no país inteiro. Os tribunais de origem, assim como o Supremo, estão tendo de se adaptar a essa nova mecânica da repercussão geral. “Houve um salto qualitativo importante, tendo em vista que os tribunais de origem passaram a prestar mais atenção aos julgamentos do Supremo”, finaliza.