Plebiscito inconveniente e inoportuno

Mais uma vez a reforma política está na ordem do dia do Congresso Nacional. A nosso ver, a realização de um plebiscito feito de afogadilho é uma medida descabida, inconveniente, inoportuna e contraproducente, em virtude do que informa o princípio da anterioridade da lei que altera o processo eleitoral, albergado no artigo 16 da Constituição Federal e considerado cláusula pétrea pelo Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, não há tempo hábil para a realização de uma consulta popular dessa magnitude e para a elaboração das leis dela resultantes, visto que o prazo final para modificação das regras do pleito de 2014 expira em 5 de outubro de 2013. Cabe lembrar que a “voz rouca das ruas” não quer ser frustrada mais uma vez, visto que tem reclamado inovações legislativas de aplicação imediata e não para um futuro longínquo.

Como o TSE necessita de, no mínimo, setenta dias para organizar a operacionalização do plebiscito, as duas casas do Congresso Nacional teriam menos de 20 dias para discutir e votar a nova legislação a tempo de vigorar na eleição vindoura.  Evidentemente, esse lapso temporal se mostra insuficiente para o amplo debate que os temas ensejam e para a construção dos entendimentos pertinentes, sobretudo porque há 20 anos nossos parlamentares não conseguem destravar a reforma política exigida pelo país.

Ademais, todas as matérias que seriam auscultadas na consulta  plebiscitária já constam de proposições legislativas prontas para serem submetidas à apreciação dos plenários da Câmara e do Senado. É que noventa por cento da reforma política depende apenas de alteração da legislação ordinária, por maioria simples. E o mais importante: sem dispêndio de tempo e de quaisquer recursos públicos.

A propósito, a base aliada do Palácio do Planalto tem maioria parlamentar suficiente para urgenciar uma mobilização em prol da votação da reforma política, dentro do exíguo prazo constitucional para modernizar as regras eleitorais de 2014. Só depende de vontade política e determinação. Como o “esforço concentrado” que foi feito na recente aprovação da Lei dos Portos.

De acordo com informação oficial do TSE, mais de meio milhão de urnas eletrônicas têm que ser preparadas para o plebiscito e distribuídas em mais de cinco mil e quinhentos municípios brasileiros. Isso demanda tempo, logística e gastos públicos da ordem de 600 milhões de reais. Importante salientar que a organização do plebiscito provocará sensível atraso no processo de recadastramento biométrico em curso em vários estados da Federação.

Outro motivo que denota o caráter irrazoável do plebiscito pretendido é que a reforma política envolve questões eminentemente técnicas, muito complexas e controvertidas, que não podem ser respondidas apenas com um sim ou não. Consultas de caráter realmente plebiscitário devem conter indagações pontuais, de rápida assimilação (tipo fast food), mutuamente excludentes e alternativas (sim ou não; república ou monarquia; presidencialismo ou parlamentarismo).

É de sabença geral que a maior parte do eleitorado ostenta limitações  quanto aos aspectos da conscientização política, discernimento, informação e conhecimento. Esse quadro factual não lhe permite a compreensão exata de matérias tão intricadas, como sistemas eleitorais, voto distrital ou distrital misto, listas abertas ou preordenadas, modalidades de financiamento de campanhas etc. Até juristas têm dificuldade com essa temática. Nessa perspectiva, o TSE já assentou que não pode submeter o eleitorado à consulta sobre cujo tema ele não possa responder ou sobre o qual não esteja prévia e suficientemente esclarecido.

 

Por que dizer não ao plebiscito?

Por Luiz Flávio Gomes

A presidenta Dilma está insistindo na ideia de se fazer um plebiscito prévio à reforma política. Eu digo não ao plebiscito, por várias razões.

A presidenta Dilma está insistindo na ideia de se fazer um plebiscito prévio à reforma política. Eu digo não ao plebiscito, por várias razões.

Primeira: porque antes da reforma política, que também é urgente para tentar limpar a corrupção endêmica no poder político e governamental, que está mancomunado com o grande poder econômico-financeiro, está a melhoria dos serviços públicos (saúde, educação, Justiça, polícia, transporte público etc.). Quando temos duas coisas prioritárias na nossa vida e não podemos fazer as duas rapidamente, é preciso fazer eleição. A prioridade máxima é para mudar a qualidade de vida de quem necessita dos serviços públicos, porque é com eles que a população carente está em contato diariamente (ônibus lotados, transporte caro, fila dos hospitais, escolas de péssima qualidade etc.).

Segunda: Estou com a sensação de que parte da classe governante (governantes e políticos) está, com o plebiscito, adotando a estratégia a distração, para manipular a população. De acordo com a estratégia da distração (imaginada originalmente em relação à mídia; ela faz parte de um decálogo, que teria sido escrito por Noam Chomsky ou por Sylvan Timsit  – veja o portal do Viomundo), que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes  e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio [dramatização da violência] ou inundação de contínuas distrações [diversões] e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja com outros animais” (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

Terceira: o plebiscito custa caro e não tem condições de sair rapidamente. Antes de votar, o povo inteiro deve ser esclarecido dos seus termos, que serão, naturalmente, complexos (voto proporcional ou voto distrital; voto distrital puro ou misto; financiamento público ou privado das campanhas; candidaturas avulsas ou ditaduras dos partidos; diminuição dos parlamentares ou não; coligações, coincidência das eleições, possibilitar o recall (se temos o poder de eleger, temos também que ter o poder de deseleger etc.). Temos que acelerar essa reforma política, que deve entrar em vigor até 05.10.13, para valer em 2014.

Quarta: a proposta do plebiscito, nessa altura, é típica de quem não está entendendo nada do que está ocorrendo com nossa democracia, que está se transformando de representativa (elegemos os parlamentares que representam “nossos” interesses gerais) para vigilante, com uso sobretudo das redes sociais. Na democracia vigilante todos os atos do poder público são vigiados (ato do executivo, do legislativo, do judiciário etc.).

Quinta: portanto, considerando-se a dificuldade de se fazer o plebiscito (que, ademais, não vai poder vincular o legislador, que detém a penúltima palavra na configuração final da reforma política – a última seria do povo, por meio de referendo), melhor seria que o parlamento atual (embora corrompido em sua grande maioria) começasse a votação da reforma (por meio de uma PEC), que vai ser “vigiada” ponto a ponto (nós que pagamos os salários deles, precisamos colocar os parlamentares para trabalhar, sob nossa vigilância). Na democracia vigilante tudo é acompanhado de perto. Logo, vamos nos manifestando diariamente sobre todos os pontos da reforma. Depois, no final, já inteirados de tudo, daremos ou não nosso referendo. Avante Brasil!

À queima-roupa

Em reunião no Planalto, para debater o plebiscito, um dos líderes aliados afirmou que os temas eram complexos demais para respostas binárias. A presidente Dilma fez cara feia. O deputado, então, pediu para chamar um garçom do gabinete e perguntou: “O senhor sabe o que é voto distrital misto?” O garçom pensou e devolveu: “Desculpa, não tenho a menor ideia do que é isso.”

(Da coluna panorama político)

Perfil

Blog informativo de Direito Eleitoral, com análise das inovações legislativas e da evolução jurisprudencial.

Flávio Braga é Pós-Graduado em Direito Eleitoral, Professor da Escola Judiciária Eleitoral e Analista Judiciário do TRE/MA.

“O seu voto não tem preço, tem consequências”

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