Por Roberto Veloso*
Instaurou-se a polêmica após aprovação pelo Congresso Nacional da emenda que cria quatro novos tribunais federais. A emenda, aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados em 3 de abril, institui os tribunais da 6ª Região, com sede em Curitiba e jurisdição sobre os Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte e com área territorial restrita a Minas Gerais, da 8ª Região, com sede em Salvador e jurisdição sobre os Estados da Bahia e Sergipe e da 9ª Região com sede em Manaus, abrangendo os Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.
Essa questão, de o Congresso Nacional poder alterar a estrutura do Judiciário, foi decidida pela Suprema Corte brasileira na oportunidade da instalação do Conselho Nacional de Justiça. A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB ingressou com uma ação questionando a possibilidade de a Emenda Constitucional 45 criar novo órgão da magistratura.
Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal declarou ser admissível a medida. A Emenda Constitucional 45 produziu a chamada “Reforma do Judiciário” e, além de criar o CNJ, extinguiu os tribunais de alçada da Justiça Estadual. Mantido o mesmo entendimento, não há razão para invalidar a instalação das novas cortes federais.
O problema faz ressurgir a discussão sobre a relação entre os poderes da República. Sempre esteve nos ensinamentos dos pensadores a questão do exercício do poder estatal, porque a sua concentração sempre gerou arbitrariedades e tiranias. Desde Aristóteles, na obra “Política”, há a distinção entre as três funções estatais: legislação, administração e jurisdição. Posteriormente, na Inglaterra, John Locke escreveu no “Segundo tratado do governo civil” a sua contribuição ao tema.
Na França revolucionária do século XVIII a separação das funções estatais teve o seu apogeu, quando Montesquieu, no “Espírito das leis”, desenvolveu a atual divisão dos poderes em legislativo, executivo e judiciário. Sua ideia foi consagrada no art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e está inscrita no art. 2º da Constituição Federal brasileira.
Essa separação ou divisão de poderes é uma forma de controlar e limitar o exercício das funções. É, também, uma maneira de organizar e ordenar o Estado. As atividades não são estanques ou enclausuradas, mas possuem mecanismos de balanceamento das atuações, de modo que uma não se sobreponha a outra. Esse sistema é chamado de freios e contrapesos.
Em nossa Constituição há inúmeros casos para exemplificar tal mecanismo. Quando surge uma vaga em um tribunal superior é desencadeado o processo de substituição. No caso do Supremo Tribunal Federal a indicação é feita pelo Presidente da República. Essa indicação deve ser aprovada pelo Senado Federal, o que ameniza o poder de indicação do executivo. Em contrapartida, o ministro, uma vez nomeado, vai compor uma corte de Justiça que processa e julga originalmente quem o indicou e aprovou. A balança assim fica equilibrada.
Há casos, porém, que os órgãos encarregados do exercício das funções estatais ocupam espaços reservados a outros, por força mesmo de dispositivos constitucionais. Houve o caso da autorização da união homoafetiva. Em última análise, essa decisão deveria partir do parlamento, encarregado de elaborar as leis. No entanto, diante da falta de manifestação do Congresso, o Supremo Tribunal Federal interpretou o Código Civil de maneira a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Tal decisão não alterou a normalidade das instituições, pelo contrário, hoje ela é implementada tranquilamente em todos os rincões do país. O mesmo se deu na hipótese da permissão do aborto do anencéfalo, quando o STF ampliou as possibilidades de exclusão do crime, além da morte do feto para salvar a vida da gestante e no caso de estupro.
Em relação aos novos tribunais, os parlamentares estão legitimados para criá-los por meio de emenda à Constituição, porque fizeram o mesmo quando instituído o Conselho Nacional de Justiça, sem que isso importasse em invasão de competências. Por outro lado, o constituinte originário não incluiu o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entre os legitimados para a propositura de emendas constitucionais.
*Roberto Veloso é juiz federal e professor doutor da UFMA