Por Lourival Serejo*
Fui tentado a escrever “O julgamento do século”, mas logo percebi que o século XXI ainda está muito curto para abrigar um acontecimento de tamanha dimensão. Trata-se, na verdade, do maior julgamento da história do Supremo Tribunal Federal, em seus 121 anos de existência. Maior no volume do processo, no tempo que exigirá para concluí-lo, e muito maior na importância política que encerra para a República.
O mensalão é um processo de 50 mil páginas, 38 réus e 600 testemunhas, tudo para apurar um rombo de mais de 101 milhões de reais desviado do Tesouro Nacional para atender interesses pessoais e partidários. Por esses números, os analistas atestam que foi o maior esquema de corrupção que se viu na República brasileira, desde sua proclamação.
O detalhe que merece atenção quanto a esse julgamento é que se trata do poder político nacional que está sendo julgado. É o sistema partidário, o sistema político brasileiro que está no banco dos réus. Essa é a grande dimensão desse evento.
Graças à maturidade da nossa democracia, conquistada com muitos embates, o Poder Judiciário poderá, sobranceiro e independente, julgar os réus do esquema do mensalão. Por coincidência ou não, esse importante julgamento começou em agosto, mês de desgosto pela avaliação popular, marcado por atos traumáticos na história da política brasileira: o suicídio de Vargas e a renúncia de Jânio Quadros.
Se tivéssemos numa ditadura, não seria possível conceber-se esse acontecimento. Poderia ocorrer o mesmo que aconteceu na época de Floriano Peixoto, quando foi informado de que Rui Barbosa havia ajuizado um pedido de habeas corpus, no Supremo, em favor do almirante e senador Eduardo Wandenkolk e outros presos políticos. Nessa ocasião, teria dito o presidente: “Se os juízes do tribunal concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão”.
Hoje é diferente, o Planalto já declarou que qualquer que seja o resultado desse julgamento, não será bom para ele. E não será bom porque vai expor à sociedade as mazelas do sistema, em detrimento da credibilidade dos políticos; não será bom porque vai comprovar aos eleitores do país que a ética está distante do comportamento de muitos políticos.
Outra coincidência desse julgamento histórico é estar ocorrendo em um ano eleitoral, marcado por debates e promessas de um futuro melhor pelos candidatos a prefeito e vereador. É uma oportunidade que os eleitores terão para refletir na escolha dos seus representantes nas câmaras municipais e na chefia dos executivos de cada município.
Já é hora de o eleitor entender que enquanto houver corrupção nunca conseguiremos atingir um nível de progresso eficiente para enfrentar os desafios da competição do mercado globalizado. Para isso é de suma importância a escolha certa de alguém comprometido com a ética da responsabilidade e do respeito pela coisa pública.
A indignação do povo clama por condenação. Mas não é essa a função do Supremo. Os clamores da população não podem interferir no processo de julgar, não devem motivar o julgamento nem servir de influência para levar ao pior desfecho para os réus. Devemos confiar nos juízes do nosso Tribunal Maior. Eles saberão o que fazer.
Paralelo a esse julgamento no Supremo, a Comissão Parlamentar de Inquérito que apura o escândalo de Carlinhos Cachoeira caminha lerda, sonolenta e perdida nos labirintos da incerteza.
Tenho me perguntado com freqüência, diante desses fatos que levaram o Congresso a instalar essa CPI: E se Cachoeira falasse tudo, o que seria da nossa República?
Pensando em Vieira, no Sermão de Santo Antonio aos Peixes, do que estamos precisando é de muito sal, uma grande quantidade de lideranças sadias que espalhem sal para combater a corrupção. “Mas se a terra – indaga o mestre jesuíta – se a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela, que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa dessa corrupção?”
*Desembargador e membro da Academia Maranhense de Letras