Por Fagianni Viana de Miranda*
Estamos profundamente chocados com o que se repetira num mesmo hospital de Brasília, em menos de um mês. Quando se é pai (o que é o nosso caso) ou mãe, costuma-se reagir com maior perplexidade a notícias dessa natureza. Não conseguirei dormir hoje, senão antes de terminar de escrever isto.
Duas pessoas, pertencentes ao topo da pirâmide social brasileira, foram vitimadas tragicamente, com fortes indícios de que tenha ocorrido grave negligência no primeiro caso e erro médico, no segundo.
O primeiro caso envolveu o Secretário do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, que faleceu no último dia 19 de janeiro, aos 56 anos. Após infarto agudo do miocárdio, quando este se encontrava em sua casa, foi levado ao Hospital Santa Lúcia, que se recusou a atendê-lo. A angústia do momento levou os familiares a cometerem um erro tão fatal quanto o próprio infarto: esqueceram-se de levar o talão de cheques ou a carteirinha do plano de saúde.
Quando finalmente deu entrada no Hospital Planalto, infelizmente já estava morto.
Fica, pois, uma indagação inquietante! Se em Brasília, lugar que ostenta o melhor IDH do país, ocorrem coisas absurdas como tais, imagine-se o que não ocorre nos rincões deste nosso país tão desigual.
Antes de adentrar no cerne deste texto, ressalto que conheci bem de perto um pouco dessa tragédia silenciosa, e bem recentemente. Vi uma mãe extremamente humilde peregrinar por hospitais municipais, estaduais, federais e fundacionais desta cidade, em busca de um local para dar à luz um menino. Entre desmaios e dezenas de secas negativas, conseguimos arrancar, como que à força, um ato de misericórdia de um médico da Santa Casa, que, num esforço medonho, propiciou-lhe um leito, onde veio a parir um natimorto.
Muito provavelmente asfixiado pela perda de líquidos intrauterinos no dia anterior, o feto nasceu morto, como mortos nascem os sonhos de tantas marias e joões-ninguém neste país tão socialmente injusto.
Atento, entretanto, ao caso que nos chocou a todos, e analisando o que ocorrera no Hospital Santa Lúcia, resultando na morte do menino Marcelo Dino, e a isso somando-se os boatos horrorosos que circulam livremente por São Luís, respeitantes à venda de diplomas, notas e afins, em várias áreas, fico me perguntando sobre o porquê da obrigatoriedade de se prestar exame de proficiência ficar restrita aos que desejam ingressar nos quadros da OAB.
Será que um equívoco cometido por um advogado numa petição, por crasso que fosse, seria mais grave que um erro médico? Por outro lado, um cálculo trabalhista malfeito é mais importante que o cálculo estrutural do edifício que ruiu recentemente no Rio?
É possível devolver a vida das pessoas que morreram esmagadas, impetrando-se um mandado de segurança? Valendo-se de um habeas corpus, pode-se postular a retirada liminar, inaudita altera parte, de uma pessoa que esteja presa nos escombros daquele prédio.
E o que dizer do engenheiro eletrônico, formado numa espelunca qualquer, que deveria ter revisado corretamente aquele equipamento que irá falhar justamente após a decolagem da aeronave lotada?
Cabe algum recurso, com efeito suspensivo, contra a “barbeiragem” praticada por um profissional de saúde? É possível restaurar os autos de uma vida desaparecida durante um erro médico?
Penso que o exame de proficiência deveria ser obrigatório para todas as ciências que lidam com questões tão sensíveis quanto a vida humana.
Não se pode admitir que outros profissionais, que não os advogados, cheguem ao mercado de trabalho sem um mínimo de conhecimento e, por vezes, sem ética alguma.
Enquanto perdurar, portanto, essa excludente e esdrúxula situação, pessoas continuarão morrendo, vitimadas por tantos erros, e de forma tão imbecil!
Reflitamos!
*Fagianni Viana de Miranda é pai e assessor jurídico do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.
A contrario senso, poder-se-ia afirmar a desnecessidade do exame da ordem em detrimento aos exames dos conselhos responsáveis pela vida (medicina, enfermagem, etc, etc)?
Para o exercício da profissão de contabilista, também se exige exame de “suficiência”.
Em verdade, nenhuma profissional, neste país, é submetido a exame de “proficiência” (perfeito conhecimento) para o legal exercício das suas funções, mas sim de “suficiência” (habilitação).