Por Raimundo Nonato Cutrim (Dr. Cutrim)*
Soube pela imprensa da construção dos diques da baixada. É uma obra de vital importância para a região, que sofre todos os anos com o fenômeno das secas. Como nasci e me criei na região seria uma omissão muito grande da minha parte, não participar das explanações sobre o projeto.
A primeira foi realizada pelo dr. Márcio Vaz na Assembléia Legislativa e a segunda em São João Batista minha terra natal. Confesso que fiquei decepcionado com as duas apresentações. A primeira não abordou projetos nas áreas de saúde, saneamento e impacto ambiental. E a segunda houve explanações da Cemar e uma empresa de telecomunicações, sobre seus projetos na região.
Há 20 anos levei a Rede Globo de Televisão que fez uma bela reportagem mostrando os problemas da região: a roça de toco, a caça de jaçanã, a criação de búfalos, a pesca predatória e a falta de água. Não pôde ser apresentada porque em vez dessas exposições (Cemar e Telecomunicações) não foram feitas palestras sobre saúde, saneamento, e impacto ambiental do projeto?
Quando retornei à Baixada descobri alguns inimigos da região:
1 – As lagartas que comem as duas únicas folhas do pequeno pé de guarimã. Após destruírem as folhas ficam sem alimento e caem na água e alimentam os peixes. O guarimã podado cresce mais forte.
2 – As cobras do gênero Bothrops, conhecidas na região como “Rabo Sêco”, que picam as pessoas e causam muita dor e incapacidade, também têm sua parte boa. Do seu veneno é extraída uma substância – o Captopril, que é usado no mundo inteiro para tratamento da hipertensão arterial. Além disso essas cobras se alimentam do “Rato do campo” (Holochilus brasiliensis) que é portador do verme Schistosoma mansoni, causador da “barriga d’água”.
Os caramujos que são hospedeiros do Schistosoma mansoni, também tem sua parte boa. Servem de alimento para patos, porcos, pássaros como gaviões e o pirulito (Rallus maculatus).
3 – Os búfalos são excelentes fontes de alimentação (leite e carne) e podem ser criados nas partes mais altas (tesos), porque nas “Baixas” eles destroem o guarimã.
4 – O algodão do campo – este grande vilão que deixa os caprinos e bovinos cambaleantes após ingerirem suas folhas, são importantes na ecologia da região, também tem sua parte boa. A sua bela flor roxa cai sobre a água, alimentando os peixes. Ele também impede a penetração do homem e de outros animais, preservando a jaçanã e o guarimã.
Após escrever este artigo queria que os responsáveis por este projeto respondessem ao povo da região os seguintes questionamentos:
a – Como será feito o controle da esquistossomose, já que na região onde será construída a barragem existe mais de 200 localidades com prevalência ainda alta?
b – Como será feito o controle das águas dos “tesos”, porque os jurarás e marrecas depositam os seus ovos nesses locais mais altos?
c – Qual será a cobertura das barragens, já que o barro do campo desce em pouco tempo, favorecido pelo pisoteio de bovinos e bubalinos?
d – Como será a desova da pirapema, já que ela tem o seu ciclo de água doce e salgada?
e – Se existe um plano de controle da esquistossomose, porque nos municípios de São Bento e São Vicente de Férrer, onde foram construídas barragens a doença aumentou muito?
f – Na região existe o Culex (Muriçoca), os Anopheles transmissores da malária e o rato d’água (Leptospirose). Como será feito o controle?
g – Para o guarimã nascer é preciso que ele esteja em contato com o barro. Já que aumentará o tempo de permanência da água, como será sua germinação?
Escrevi duas teses: uma de mestrado pela Fiocruz-Rio de Janeiro (melhor instituição de pesquisa do mundo) e outra pela Universidade Federal de São Paulo, em parceria com a Universidade de Paris, e dezenas de trabalhos publicados e apresentados em congressos, sobre a Região da Baixada Ocidental Maranhense. Foram pesquisas extremamente cansativas, mas que me deram muitas alegrias.
Construção da Barragem – Sim.
Sem a participação de pessoas que conhecem o sofrimento do povo, sem saúde, sem água, sem alimento – Não.
*Médico
Quero aqui parabenisar ao Dr.Cutrim por suas colocações pertinentes a respeito do tema. Tenho acompanhado as discussões sobre a questão que, está em análise por parte do ministério público do estado.Gostaria que tão importante decisão,fosse melhor discutida por o maior número possível de pessoas.Estarei propondo uma rodada de discussão sobre o tema dentro da SNO(Semana Nacional de Oceanogafia).