O art. 1º, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar nº. 64/90 (modificado pela Lei da Ficha Limpa) preconiza que são inelegíveis, por oito anos, aqueles que tiverem suas contas públicas desaprovadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa e por decisão irrecorrível do órgão competente (Tribunal de contas ou casa legislativa).
O dispositivo determina, ainda, que a regra do artigo 71, II, da Constituição se aplica a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de prefeitos que agirem nessa condição. De sua vez, o referido artigo 71, II, combinado com o artigo 75, estabelece que cabe aos tribunais de contas o julgamento técnico das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.
Sucede, todavia, que o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal vêm insistindo numa interpretação assistemática e reducionista, no sentido de que essa inovação legislativa não alcança os chefes do Poder Executivo, ou seja, não alterou a competência da câmara municipal para o julgamento político das contas de prefeito, considerando irrelevante a distinção entre contas de governo (execução orçamentária) e contas de gestão (ordenação de despesas).
Aferrados unicamente à literalidade do artigo 31 da CF, esses tribunais entendem que o pronunciamento do tribunal de contas constitui mero parecer opinativo, salvo quando se trata de convênios. Ocorre que a leitura de um único artigo não é suficiente para a compreensão da mens legis (o espírito da lei), devendo o intérprete fazer uma ponderação entre os diversos preceitos constitucionais, em função da unidade sistêmica da ordem jurídica.
Muitas vezes o “julgamento político” realizado nas câmaras municipais beira um espetáculo circense, em face da abissal discrepância entre o seu resultado e o conteúdo do parecer do TCE. O mais bizarro é que a quase totalidade dos vereadores julgadores sequer sabe o que significa um orçamento público.
Em poucos minutos é reduzido a pó o circunstanciado relatório elaborado pelo competente corpo técnico do TCE (contadores, administradores, economistas, bacharéis em direito etc). A análise de uma única prestação de contas consome inúmeros recursos materiais e absorve várias semanas de mão-de-obra especializada e altamente qualificada, obviamente remunerada pelo erário.
Assim, o princípio da moralidade administrativa reclama uma urgente revisão jurisprudencial, pois na maioria dos casos não há nenhuma conseqüência eleitoral para os prefeitos ímprobos, que burlam as leis e malversam os parcos recursos públicos, protegidos pelo manto da impunidade e indulgência das câmaras municipais.