Carnaval e reforma política
Por Carlos Eduardo Lula*
Mais uma vez o Legislativo se propõe a iniciar um debate sobre a reforma política. Os temas e os argumentos são os mesmos de outrora: nosso sistema proporcional de lista aberta é iguaria brasileira tal qual a jabuticaba; o financiamento público das campanhas eleitorais seria menos custoso ao erário; o voto em listas fechadas dá muito poder aos caciques dos partidos e o voto distrital potencializa as oligarquias locais.
Mais uma vez não se tem nenhum consenso sobre o tema, mas vende-se a idéia de que a reforma política seria uma solução para o país: ao tempo em que diminuiria o atual nível de corrupção, melhoraria a qualidade de nossos representantes. Todavia, a imagem que me transparece de mais essa tentativa de reformar o sistema é a mesma que se tem em todo carnaval: o gari, o sorriso, a frenética dança e as lentes da câmera a marcar aquele momento. Corta-se a imagem, passa-se aos comentários sobre o “ex-bbb” na escola de samba, e o que fica é só um gari, desencantado e solitário, com suas contas no final do mês e sem saldo suficiente para pagá-las.
A imagem do gari retrata o que o Congresso Nacional – e o próprio Brasil – não se cansa de fazer: a construção de sua própria imagem para iludir a realidade que bate à sua porta. Às câmeras, os sorrisos. Apagada a lente, a solidão.
Como ensina João Pereira Coutinho, aproveitando-se das palavras de Montaigne, é um problema de auto-estima e de auto-respeito. A estima pressupõe o olhar dos outros sobre nós. O respeito pressupõe o olhar de nós sobre nós próprios.
A auto-estima seria a opinião do outro, ao passo que o auto-respeito é nossa própria opinião. Só com auto-respeito se pode aceitar ser o que é sem ter de ser o que os outros esperam que sejamos. O Congresso vive esse dilema, como se pudesse apagar a realidade enquanto as câmeras ali estiverem. É pura auto-estima. Falta-lhe auto-respeito.
Isso pode ser claramente notado quando se analisa o projeto de reforma política: tem-se uma relação inversamente proporcional entre o tamanho da agenda da reforma e a magnitude dos debates sobre ela. Fechadas as câmeras, tem-se apenas a solidão de 513 Deputados e 81 Senadores que não conseguem consenso entre si.
O primeiro passo para a construção de alguma reforma em nosso sistema político talvez seja reconhecer que a tal “reforma política” não acabará ou mesmo diminuirá de maneira significativa comportamentos desviantes ou a má utilização dos recursos públicos. O que ela pode fazer é aperfeiçoar o modo pelo qual o voto dos eleitores são traduzidos em distribuição de poder político.
Vender a reforma como solução para fenômenos de natureza criminal é o mesmo que acreditar que o sorriso do gari na Marquês de Sapucaí é a consubstanciação da felicidade, quando não há nada mais triste que aquela alegria. A classe política vive da construção de sua imagem, mas nunca pode perder de vista seu auto-respeito. Sem ele, essa reforma não chegará a lugar algum.
*Advogado, consultor legislativo e diretor geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/MA.