Um limite para os mandatos

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Por Chico Whitaker*

 A representação parlamentar não pode se prolongar por tempo indefinido. Representação não é profissão, mas da forma como está se transformou em emprego vitalício, criando a síndrome da reeleição. Estar no Parlamento tantas vezes quantas for possível passou a ser um objetivo a ser atingido a qualquer custo.

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De fato, o poder político maior está no Legislativo. Temos a impressão que esse poder se concentra no Executivo porque são os presidentes, governadores e prefeitos que têm a chave do cofre e, com isso, fazem a máquina do governo funcionar contratando obras e serviços. Mas nenhum deles pode mexer uma palha sem leis que os autorizem a agir. Ora, quem discute e aprova as leis é o Legislativo – ainda que estas possam e até devam ser, em alguns casos, de iniciativa do Executivo. Este último também pode vetar as leis aprovadas mas, ainda assim, cabe ao Legislativo aceitar ou não esses vetos.

 Ou seja, o Executivo tem de fato a chave do cofre, mas é o Legislativo que tem o segredo dessa chave – as ditas leis orçamentárias – sem o qual o cofre não pode ser aberto. Por isso mesmo se fala tanto em “governabilidade”. Ela não é outra coisa senão dispor de maioria no Parlamento.

 Essas regras são bastante razoáveis porque o Parlamento representa, ou deveria representar, toda a sociedade, enquanto o Executivo representa somente aquela parcela que o elegeu – ainda que deva, depois de eleito, governar para todos. Na prática, entretanto, há enormes distorções. E elas são tantas que nem nos damos conta da importância e do poder do Legislativo, que deverá exprimir democraticamente a vontade majoritária da sociedade na formulação das leis, em modificações da Constituição e na fiscalização do Executivo. Como eleitores, acabamos escolhendo seus membros sem muito cuidado. 

 A desqualificação do Legislativo abre então espaço para o mecanismo da “compra” de parlamentares para constituir as ditas “maiorias”. Isso ocorre de diferentes formas, como os famosos “mensalões”, o que torna o Parlamento um lugar extremamente atrativo para pessoas com nenhuma outra intenção senão a de “vender”, o mais caro que puderem, seu poder de votar leis e fiscalizar o Executivo.

 Fechando o círculo vicioso dessa desqualificação, torna-se quase impossível fazer a reforma política que hoje em dia reclamam todos os cidadãos minimamente informados, para superar essas e outras distorções e nossa democracia funcionar melhor, indo rumo ao efetivo respeito da soberania popular em nosso país.

 É bem verdade que, volta e meia, se tenta fazer reformas eleitorais com o objetivo de melhor qualificar o Parlamento. Os resultados, no entanto, têm sido muito modestos. Por isso mesmo, a sociedade brasileira vem tomando iniciativas nesse sentido, usando um instrumento criado em boa hora pela Constituição de 1988, a Iniciativa Popular de Lei. Há dez anos, uma primeira iniciativa desse tipo apresentou um projeto para impedir a compra de votos de eleitores por candidatos inescrupulosos. Dele resultou a Lei contra a corrupção eleitoral (9840/99). E em 2010 foi apresentado o projeto que deu origem à Lei da Ficha Limpa (135/2010).

 Normas eleitorais

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O que se propõe é a criação de um movimento visando eliminar outra distorção do atual sistema: a possibilidade da representação parlamentar se prolongar por tempo indefinido. Trata-se, de fato, de uma distorção, já que representação não é profissão. Mas na medida em que se transforma em emprego vitalício a ser assegurado, cria a síndrome da reeleição: obtê-la tantas vezes quantas for possível passa a ser um objetivo a ser atingido a qualquer custo, inclusive ético; o que inclui fazer dela critério fundamental para ditar como atuar, decidir, votar, apoiar o Executivo, fiscalizá-lo etc.

 Todo o processo eleitoral passa, assim, a se apoiar numa pirâmide de interesses do mesmo tipo – do nível municipal ao federal –, que não tem muito a ver com representação política, tornando-se uma máquina a serviço dos que estão exercendo essa função. Buscam manter o poder obtido na primeira vez que foram eleitos.

 Essa síndrome se agrava pelo fato de as campanhas eleitorais se tornarem cada vez mais caras, com os parlamentares passando a representar, de fato, quem os financia, colocando-se a serviço de seus interesses. Isso acaba por transformar a representação política num negócio, no qual a ganância leva à corrupção, o que também explica o descrédito dessa função.

 O novo princípio, que explica o nome do movimento, é o de que não se deve exercer mais que dois mandatos seguidos no mesmo nível parlamentar. Trata-se de um princípio que não poderia ser imposto por lei, até porque ela seria inconstitucional. Seria uma norma adotada voluntariamente – como um compromisso explicitado por ocasião das campanhas – pelos candidatos interessados em recuperar, por meio dessa e de outras formas, a credibilidade do Legislativo, o que os diferenciaria dos que veem a função política como meio de enriquecimento pessoal e poder (além de emprego garantido). Além disso, um espaço iria abrir-se para a renovação permanente de nossos Parlamento. 

 Outros compromissos poderiam ser pensados, como o de cumprir integralmente o mandato para o qual cada um tenha sido eleito, não aceitando nenhum cargo no Executivo durante o mesmo (costume que transforma a passagem pelo Legislativo num simples trampolim para “uma ação mais importante…”).  

 Do movimento, necessariamente suprapartidário, participariam os representantes políticos que a ele aderissem – antes e depois de sua eleição – e cidadãos preocupados com essa questão estratégica. 

 A presente proposta de criação do MM2M está formulada de modo inicial. Como tenho ouvido, de muita gente, que valeria a pena enfrentar a distorção da representação por tempo indefinido, poderíamos discutir melhor essa proposta e, se considerarmos viável, detalhar como esse movimento se organizaria, para lançá-lo oportunamente.

*Membro da Comissão Justiça e Paz Brasileira

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