Daniel Santos Rocha Sobral *
É de causar estranheza os termos da Carta de Brasília, subscrita pelo Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, reunidos na capital federal nos dias 19 a 21 de agosto passado, no que tange à necessidade de “manifestar, oficialmente, perante a comissão de juristas criada para a elaboração do anteprojeto do novo Código Eleitoral, a preocupação dos tribunais regionais eleitorais quanto às sugestões propostas para discussão, por seus membros, visando alterar-se a composição dos Regionais, federalizando estas Cortes para atribuir função jurisdicional eleitoral aos juízes federais”.
Com efeito, leitura apressada dessa manifestação poderia dar margem ao errôneo entendimento de que os juízes federais pretendem locupletar-se de função jurisdicional ínsita à magistratura estadual, federalizando, para tanto, o mister eleitoral.
Nada mais equivocada do que essa assertiva.
Primeiro, porque a Justiça eleitoral não é nem nunca foi parte integrante da Justiça estadual, não podendo ser considerada sequer extensão desta. Segundo, porque o juiz federal já é inequivocamente juiz eleitoral, tanto que atuante nos tribunais regionais eleitorais, não sendo escorreito falar-se em atribuição de função jurisdicional eleitoral aos juízes federais. E, terceiro, porque não se “federaliza” algo que já é “federal”, notadamente porque a Justiça eleitoral é uma Justiça da União, mais precisamente Justiça federal especializada, cuja previsão encontra assento constitucional no inciso V do artigo 92 da Constituição Federal de 1988.
A esse entendimento, cabe ressaltar, agregam-se inúmeras características outras que bem revelam a roupagem “federal” da Justiça eleitoral, podendo-se elencar, exemplificativamente, o orçamento, que é federal; os servidores, que são federais; a gratificação eleitoral, que tem como base o subsídio do juiz federal (Resolução TSE nº 20.593/2000); a competência da União para legislar privativamente sobre Direito Eleitoral (art. 22, I, CF/88); a Polícia Judiciária, que é da União, precisamente a Polícia Federal; as multas eleitorais, uma vez inscritas em dívida ativa da União, que são cobradas pela Procuradoria da Fazenda Nacional; o representante do Ministério Público Eleitoral com assento na corte eleitoral de segundo grau, que é oriundo do Ministério Público Federal, denotando o caráter federal do serviço eleitoral; e, por fim, a própria matéria eleitoral, que reflete inegável interesse federal, na medida em que resguarda a democracia e o Estado democrático de direito de todo o país.
Como se vê, se argumentos técnicos há que justifiquem a razão de ser da Justiça eleitoral, todos eles caminham e pendem a favor do exercício da jurisdição eleitoral pelos juízes federais, de maneira preferencial, à míngua de quadro próprio de magistrados eleitorais.
Quiçá por essa razão, a Carta de Brasília anteriormente mencionada entremostra-se tão lacônica e sem fundamentação.
*Daniel Santos Rocha Sobral, Juiz Federal e membro efetivo do TRE-PA.
Estou dentre os que acham que dever-se-ia criar uma magistratura de carreira na justiça eleitoral, que evidentemente é uma justiça federal, com concurso público e tudo mais. Penso também que é hora de se adequar o código eleitoral ao Estado Democrático de Direito e aos princípios da Carta de 88. Novo código já!