José Sarney, a ilha e o mar

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Com a perda recente do poeta Ferreira Gullar e, pouco antes, do escritor Josué Montello,  permanecem na vitrine do reconhecimento nacional e internacional  à literatura dos maranhenses vivos, três  escritores não residentes em São Luís: os igualmente poetas e romancistas José Sarney e Ronaldo Costa Fernandes,  e o poeta Salgado Maranhão. Em paralelo, num período relativamente curto,  foram-se também vultos de grandes escritores e/ou intelectuais radicados em nossa terra:  Nauro Machado, José Chagas, Ubiratan Teixeira e Jomar Moraes. Foram perdas irreparáveis que provocaram inevitáveis fissuras no bloco sustentador de nossa literatura e cultura.

Torna-se assim oportuno e até urgente, a cada dia, que as entidades literárias se congreguem no esforço de prestar justas homenagens àqueles cuja envergadura conquistada com seus talentos,  os mantêm na linha de frente da exposição daquilo que a histórica vocação literária do Maranhão fez por merecer.    

Essas homenagens do povo maranhense a seus filhos ilustres ganha contornos especiais  no caso de José Sarney, por completar 90 anos , ser membro das Academias Maranhense e Brasileira e ter tido, em paralelo à sua  vitoriosa trajetória intelectual,   uma relevância política que nenhum outro maranhense alcançou (conhecida amplamente por todos, não cabendo,  aqui, repetir) .  A pergunta, óbvia, que salta aos praticantes de literatura, como eu,  diante dessa trajetória, é como ele conseguiu conciliar a pujança de sua atividade política com uma também marcante realização literária. 

A leitura do livro O dono do mar, que aprecio de forma especial por ter crescido junto ao mar ( meus saudosos pai, Juvenil Ewerton,  e avô, José Ewerton, possuíam barcos de pesca) sugere algumas soluções como respostas. Certamente lhe é inata uma imaginação fértil que permite conciliar a crueza do embate cotidiano com o onírico; da exata percepção da realidade,  com o místico.  Esse  pragmatismo, que é  necessário a todo homem do mar para sobreviver e confrontar os perigos da natureza , derrama-se no romance em contraponto ao diálogo com as lendas e o sobrenatural, numa simbiose perfeita.  

Ora, o mar é próprio da ilha, quem ama sua  ilha ama o mar, com uma cordialidade e uma devoção que surgem como uma sina em qualquer atividade a que se proponha quem nela nasceu , fazendo sobrevir, no romance, curiosamente,  uma das características mais decantadas do caráter do escritor e político José Sarney: a Cordialidade.

Neste caso, o romance O Dono do Mar a expressa também. Dos embates e da violência contra a  dura realidade das águas brotam permanentes gestos de aproximação e cordialidade com o mar, suas lendas,  e suas representações.

José Ewerton Neto é autor de Pequeno Dicionário de Paixões Cruzadas, livro de contos, lançamento em breve.

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Quarentena de bons maranhenses

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bons livros de maranhenses

VIEIRA NA ILHA DO  MARANHÃO, de Ronaldo Costa  Fernandes

Neste romance de ficção histórica, Ronaldo se afasta dos temas habituais,  em seus contos e romances,  para construir   uma homenagem à sua terra, o Maranhão – e que homenagem! Para tanto buscou um de nossos  personagens mais ricos  e emblemáticos, o padre Antonio Vieira.

Vieira, no romance, paira, por assim dizer, como um farol, iluminando a ocorrência dos fatos, mas  sem participação no desenlace dos mesmos. Mantendo-o equidistante de sua criação imaginativa,  Ronaldo edificou um significativo registro de uma época, da qual até os maranhenses mais letrados sabem pouco. Aos poucos,  o leitor vai percebendo que, com suas palavras, o autor traçou um denso painel em que suas  frases substituíram  registros documentais, desenhos e mapas de uma fase embrionária da nossa formação como povo .  É um romance cujo fascínio não está no mistério da trama, não linear e quase inexistente, mas na composição dos tipos: fortes, devassos, estúpidos e aventureiros, e na descrição dos eventos em torno dos mesmos, o que   nos transporta   para o passado como se estivéssemos – perdoem o clichê- viajando através do tempo.

Certamente fruto de árdua pesquisa, a abordagem literária  a meio caminho entre crônica dos acontecimentos  e romance , valoriza sobremaneira o resultado.  Uma obra enriquecedora  que deveria ser recomendada para  leitura em nossas faculdades , especialmente para os formandos em Letras ou História.

ANÔNIMOS, de Lindevania Martins

Os contos de Lindevania Martins possuem o dom de aberturas poderosas, sugestivas e originais. Leva-se algum tempo para constatar isso porque, extasiados, somos motivados a continuar  com progressivo  interesse,  já que o que vem pela frente não se desloca do mistério ou da inquietação prometida. Ao invés, nos conduzem a mais labirintos perfeitamente delineados, sem que se tope com bizarrias que, de algum tempo para cá, se tornaram um caminho fácil para escritores que, sem o mesmo talento, ficam emparedados,  no espaço curto de um conto,  descambando para  a conclusão  grotesca ou ineficaz.

Assim, em dilacerantes contos como a Língua ou Coisa sem nome, para citar apenas estes, Lindevânia Martins consolida a narrativa de seus contos em um todo monolítico, fazendo com que  o start-up impactante perdure até o final,  para deleite do leitor.

LITTERAE SEMPRE, De Alexandre Lago

Este segundo livro de Alexandre Lago sobre a mesma temática  , pode ser considerado , dada a linguagem accessível e dinâmica, tanto como livro de iniciação à boa literatura , como de aprimoramento,  para os mais versados .

Mesmo aquele que já tenha viajado literariamente por “ mares nunca antes navegados”  há de encontrar aqui  o tesouro da ilha que julgava perdida , e dotará  sua navegação ( a leitura é uma viagem ) com um  fértil manancial de obras sutilmente postas à disposição do leitor através de uma arquitetura de compartilhamento em que o autor concede, além do resumo da obra, sua abalizada opinião.

Mais um utilíssimo livro que deveria enriquecer o acervo de nossas escolas. Desta feita para estudantes do segundo e terceiro grau.

José Ewerton Neto é autor de O Entrevistador de Lendas cuja segunda edição já está na gráfica

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Quando as primeiras são especiais

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“Os últimos serão os primeiros”  dizia Jesus Cristo contrariando a obsessão moderna de primazia em tudo que se refere a poder e visibilidade . Nestes tempos de Corona, a enxurrada de especialistas que aparece para ostentar  sapiência sem oferecer soluções,   batendo em uma tecla de prevenção  do tempo de nossos tataravôs, faz ver  que a ciência progrediu muito em certas direções relacionadas à tecnologia de  consumo e , relativamente,  pouco no que se refere à proteção à saúde dos indivíduos.

Nada como, nesses tempos sombrios, refletir sobre alguns primeiros  especiais.

                1.O primeiro mandamento no Velho Testamento é “ Não terás outros deuses diante de mim”. ( Exodo 20.3). No Novo Testamento  uma sutil  alteração foi feita por Jesus Cristo. “Amarás, pois,  o senhor teu Deus de todo coração, de todo teu entendimento, e de toda a tua força.

                Isso significa que até os mandamentos são adaptáveis,  segundo a visão daquele que tem o poder de alterá-los. Por exemplo, na política, o primeiro mandamento que regeu a administração dos governantes corruptos, associados à lava jato foi: “Só terei um Deus diante de mim, o dinheiro”.

Já o primeiro mandamento cabível a um bom governante nestes tempos de crise é “ Deixe a politicagem de lado”.

2.As primeiras cordas de violão clássico eram feitas de tripas de gato.

Isso explicaria  porque, de vez em quando,  ouvia-se um indescritível e fascinante acorde. Devia ser  o gato miando.

3.A primeira máquina construída para facilitar o trabalho das mulheres  foi a de costura.

Mas a única que lhes fez realmente vibrarem foi a última: o  vibrador.

4.O primeiro método que se tem notícia para evitar a gravidez das mulheres era um tanto rústico. As egípcias colocavam pedrinhas no útero que funcionavam como um verdadeiro DIU.

As mulheres, coitadas, recorriam ao que estivesse ao alcance. Quando não conseguiam afugentar os machões com pedradas, resolviam depois com pedrinhas.

5.Os chineses foram os inventores dos primeiros sorvetes. Estes tinham como ingredientes uma pasta de leite e arroz.

Ainda bem que não tinha pasta de carne de morcego na composição. Já pensou?

6.O primeiro carro a vapor que circulou no Brasil colidiu com uma árvore. Seu motorista era o poeta Olavo Bilac. Foi o primeiro acidente automobilístico do país.

Romário, se  vivo na época, talvez dissesse: “ Olavo Bilac como motorista é um poeta!”

Pelo menos isso serviu de inspiração a Olavo Bilac para criar uma célebre abertura lírica “Ora, direis , ouvir estrelas”, que ele teria adaptado  do original “ Ora, direis. Eu vi estrelas!”

8. A primeira criança russa vacinada contra a varíola recebeu o nome de Vacccinov.

Espera-se que a primeira criança vacinada no Brasil contra o Corona Vírus não receba o nome  de Cora Vacinona .

9.A primeira guerra mundial iniciou-se em 28 de junho de 1914 e terminou em 11 de novembro de 1918. A segunda  durou de 1939 a 1945.

A terceira começou há dois meses contra o Coronavìrus. A diferença é que as nações do planeta, desta vez,  não estão se digladiando entre si, mas  seguem juntas contra um único mas pavoroso inimigo comum.   Um  vírus.

José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas

Sobre as mais belas lendas maranhenses.
Em breve , segunda edição.
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A ILUSÃO QUE VOCÊ É

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Sim, caro leitor,  você é uma ilusão. Nosso eu é uma ilusão, não passamos de ilusões. E nem estou me referindo à vida humana, essa de quem, com muito maior razão, se desconfiava “A vida de alguém é a soma de suas ilusões” já dizia Henry James.

Estou me referindo a esse Eu, que todo mundo pensa que é e que, agora, a ciência desmente como apenas um conceito, dissociado da realidade. Como diz o neurocientista Daniel Dennet em seu livro “A perigosa ideia de Darwin”.  Ele atesta, assim como outros especialistas, que a mente humana é apenas uma constante sucessão de ideias, lembranças, sucessões, projetos, sentimentos, disputa por atenção etc. que passa por nossa consciência, de forma não linear. Para ele a forma de dar sentido a esse turbilhão é dizer que há um Eu que está experimentando, ou no comando de seus pensamentos. Mas esse eu unificado é apenas um conceito, portanto, um impostor.  

Para ilustrar essa realidade pode-se imaginar o seguinte diálogo entre um homem e seu espelho, ao  perceber que, dentro da moldura, a imagem o encara fixamente, como se estivesse viva e fosse outro ser. O homem, intrigado, pergunta àquele que julgava ser apenas a  réplica de si mesmo.

– Quem é você?

– Eu sou você.

– Nada disso. Você é apenas a minha imagem. Eu sou eu.

– Não se iluda. Eu sou você.

– Idiota! Se você for eu, quem, afinal, eu sou?

– Uma ilusão. Somente isso e mais nada além  disso, meu caro.

– Ah, quer dizer então que eu como, bebo, respiro, transo, posso te mandar à puta que pariu agora mesmo e,  mesmo assim,  eu não sou eu. Enquanto que você, sem corpo e sem vida, por trás da lente de um espelho é a minha pessoa…

– Eu pelo menos sou sua imagem. Você  nem isso, simplesmente é uma fantasia criada por você mesmo.

– Essa é boa! Vejo que você pretende me tirar do sério. Quer dizer que sequer uma imagem eu consigo ser, ou ter?

– Claro! Basta pensar. Daqui a um segundo você já terá outra imagem. Eu poderei ser sempre sua imagem atualizada, basta vir até a mim. Já você, ao sair daqui, pensará  que sua imagem ainda será a mesma de agora, esquecido de que esta já foi envelhecida pela passagem de mais um segundo.  E, assim por diante, uma sucessão de rostos se deteriorando até morrer.

– Peraí. E meu pensamento?

– Seu pensamento é uma soma de sensações que você teve,  imitou dos outros ou lhe impuseram, portanto, nada exclusivo seu.

– E meu relógio? Meus pais? Meus genes? Minha carteira de identidade?

– Não são seus. Você os tem apenas provisoriamente.

– Nada existe então de meu? De minha pessoa?

– Nada, você é pó, e ao pó retornarás, lembra? Já eu não. Hoje sou você, amanhã posso ser outro, mais outro. Pelo menos sou uma imagem. Valho mais que você.

– Miserável! Vou te matar criatura, seja lá quem você for.

– Vamos lá, pegue uma pedra atire em minha direção e me quebre. E assim perderá a oportunidade de continuar vendo  a ilusão que você é. O resto é memória. Quando fica.

josé Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas, 2a edição em breve, nas livrarias

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Nomeando estrelas

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O Brasil deu nome à sua estrela

“Ora (direis) nomear estrelas. Certo perdeste o senso…” escreveu o poeta Olavo Bilac.

Estaria o poeta certo? Ele sim, eu é que não.  O poeta disse ‘ouvir estrelas’ e não ‘nomear estrelas’. Mas, seria igualmente falta de senso nomear estrelas?

Evidente que não. Tantas   estrelas se descobrem a cada dia, muito mais que na época do poeta, e se torna necessário  nomeá-las. Usam-se números para isso, mas estrelas são estrelas e não convêm (para a ciência e bem mais para a poesia)  que estas se eternizem   associadas a números e não a nomes.

Graças a Deus que assim pensam os membros da IAU ( União Astronômica Internacional) , pretendendo dar ao infinito estelar um toque, digamos, pop. Com isso determinaram que os países ligados a ela teriam o direito de escolher como vai se chamar um minissistema – constituído de uma estrela e o planeta a ela associado – desses que gravitam fora do sistema solar, mas ainda dentro da Via Látea.

A associação da dupla de astros para  cada país foi escolhida pelo critério da distância: precisava estar próximo o suficiente para se fazer visível , por meio de um telescópio, à população do lugar que a batizará. No caso do Brasil  a dupla a intitular é atualmente conhecida pela junção de letras e números HD23079, fica a mais de 100 anos-luz da Terra e pode ser avistada entre os meses de Dezembro e Fevereiro, do Brasil, com auxílio de um telescópio.

A competição para escolha do nome foi lançada em 2019, durou até agosto e qualquer brasileiro podia participar dando asas à sua criatividade, satisfazendo certas regras: os nomes careciam ser representativos da cultura do país e possibilitar novos nomes em harmonia com a dupla original, para a eventualidade de descobertas de novos planetas girando em torno dessa estrela. Como há, por exemplo, uma estrela batizada com o nome de Cervantes, tendo planetas em seu entorno com os nomes de Quixote, Sancho, Rocinante etc. Uma verdadeira e justa apoteose ao maior de todos os romancistas!

Já pensou ser você o autor do nome escolhido para batizar uma estrela? Imagino que Olavo Bilac, o poeta que ouvia estrelas, gostaria de ter sido um, infelizmente não pode e as mais votadas foram aparecendo: Ceci e Peri, Capitu e Bentinho, Tupã e Jaci, Ribaldo e Diadorim etc saídos da literatura e da cultura indígena. Confesso que cheguei a torcer por Capitu e Bentinho, por causa de Machado, mas depois aceitei que isso seria uma maldade com os astros. Explico. Não por Capitu, sobre quem até hoje pesa, injustamente a meu ver, a pecha de ter sido adúltera. Mas por causa do marido: paranoico, obsessivo e com vocação de cornudo até a alma a ponto de manchar para sempre a memória da mãe de seus filhos  só porque esta era brejeira, tinha os olhos de ressaca parecendo uma epilepsia do mar  e era  mais bonita do que ele. E, convenhamos: Bentinho lá é nome de astro?

Soube, posteriormente, que nenhum dos nomes acima citados foi escolhido e que a competição foi vencida pelas palavras Tupi e Guarani, o que considerei apropriado. Palmas, portanto,  para o vencedor. Confesso,  porém,  que, do jeito que as coisas estão neste Brasil e como brasileiros decididamente escolhem mal, cheguei a temer que a preferência acabasse repousando nos nomes de algumas dessas infinitas duplas sertanejas que não param de infernizar nossos ouvidos. Já pensou?  

José Ewerton Neto é autor de Pequeno Dicionário de Paixões Cruzadas,

 

                                                                                              [email protected]

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Um encontro de médicos

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Encontram-se os dois, hoje médicos e  ex-colegas de república,  25 anos depois, num Simpósio de Medicina, em Brasília. Um deles toma a iniciativa:

– Puxa vida, cara! Não me leve a mal, se você fosse um pouco mais alto e menos gordo, me faria lembrar um grande colega que eu tive na República, o Sinésio, que a gente chamava  Margarina.

– Coincidência! Eu também sou Sinésio. Mas nada de Margarina hehehe.

– Bem, eu formei em Recife, mas fiz residência no Rio e você?

– Eu também fiz residência no Rio.

– Ora, você é mesmo o Margarina…Quer dizer, o Sinésio.

– Sem dúvida. E você é o Ernesto Cara de Banjo. Vi logo pela cara…hehehe

Abraçaram-se efusivamente.  A eles, juntou-se  Wamberg,  da mesma época.    Mandaram às favas o simpósio e seus palestrantes e logo estavam num  bar.

– Quer dizer que o Renato Branco agora é deputado.

– Sim, um ano depois que se tornou cirurgião largou o bisturi.

– Parecia tão empolgado com a Medicina. Por que teria largado o bisturi?

– Na verdade, não largou. Esqueceu na barriga de um paciente. Quiseram processá-lo, mas mobilizou colegas, advogados e sindicatos a favor do direito  humano de errar. Angariou amizades influentes depois que o assunto dominou as páginas da imprensa. Daí pra  frente foi um passo. Elegeu-se deputado e agora quer ser  senador.

– O Branco senador! E o Fulgêncio? Alguém sabe seu paradeiro? Dava até pena, o coitado,  tremia quando via sangue,  vê se pode.

– O Fulgêncio tá na Alemanha.

– Na Alemanha? Fazendo curso?

– Não, dando o curso. É um dos mais renomados especialistas mundiais em medicina quântica e constantemente é chamado para palestras na Europa e até na China.  

– Medicina Quântica? Que diabo é isso, alguém sabe?  Que vida imprevisível. E o que foi feito do Armando Bocudo? Metido a bonitão,  comia todas na Escola. E se gabava disso.

– Casou-se com a Claudete Chilique.

– Como? A Claudete Chilique? Não dá para acreditar, até eu mandei-a passear quando quis dar pra mim num fim de festa.  Era tão sem graça que diziam que o canudo de papel que ela segurava na com tanta firmeza na diplomação era a coisa mais dura que ela ia segurar nas mãos pro  resto da vida.

– Também soube. O Bocudo realmente apaixonou-se por ela. Formou-se em psiquiatria e hoje está numa clínica para loucos.

– O Bocudo virou dono de clínica? Ou dá expediente por lá?

– Nem uma coisa nem outra. É paciente. Ficou tantã depois que a Claudete Chilique o encheu de chifre.

– Essa não! Que vida mais louca! Mas por falar em Claudete isso me faz lembrar a Vânia.

– A Vânia da pediatria?

– Essa mesma. Gostosa, mas burra que nem um poste.

– É, mas acho que um poste não escreveria medicina com dois esses na sua tese de formatura.

– Ela nem precisava estudar. Paquerava os professores e só tirava dez, com louvor. Vocês sabiam que ela tem uma loja  nos USA onde fatura alto?

– Mais uma que abandonou a medicina.

– Se abandonou a medicina não sei, só sei que foi abandonada pelo ex-marido, o Dr. Serapião que era  dono de um plano de saúde para cães , 40 anos mais velho. Felizmente para ela, porque depois que morreu ele lhe deixou uma baita grana.

– O Profeta também era doido por ela.

– O que foi feito dele? Bebia feito um condenado.

– O Profeta é um dos maiores cirurgiões plásticos do Brasil. Só atende celebridade global.

– Parou de beber?

– Mais ou menos. Dizem que  só bebe quando faz cirurgia. Deve ser seu grande  segredo .

– E devia ser também o nosso. Hehehe. Garçom,  traz mais uma!

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luís, 3a edição em breve.
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A palavra mais chata

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A PALAVRA MAIS CHATA

José Ewerton Neto é autor de Pequeno dicionário de paixões cruzadas

A palavra TOP foi considerada a palavra mais chata do ano que passou. A segunda colocação ficou com a palavra COACH. A essas se seguiram várias igualmente chatas, tão chatas que se pudessem falar reclamariam por não terem ficado na pole position.

Isso segundo uma pesquisa da Internet, portanto, o júri está longe de ser confiável. Menos confiável que pesquisa da net só mesmo as notas das competições de Escolas de Samba, onde os jurados confiam tanto nos seus próprios tacos que são   capazes de dar uma nota de 9,955  para uma escola e 9, 96  para outra em determinado quesito. (A julgar por essa precisão de milésimos, provavelmente os olhos clínicos dos especialistas são capazes de descobrir até  as imperfeições existentes no silicone enfiado no bumbum de uma porta- bandeira).   

Tempos atrás escrevi um artigo neste jornal intitulado Com quem  se parecem as palavras, cujo texto foi incorporado ao livro O ABC bem humorado de São Luís, cuja terceira edição estará saindo em breve . Na referida crônica, eu chamava a atenção para o fato de que certas palavras (na verdade,  seres vivos, como dizia Vítor Hugo) não só têm vida própria como são autônomas e independentes não só do contexto em que foram inseridas como até do significado que lhes foi imposto.

No artigo citei as  palavras Vândalo e Lúcifer, como exemplo de palavras que  persistem sonoramente bonitas, distanciando-se, a meu ver,  da semântica a que estão associadas. Propus então que a palavra Lúcifer, nome do anjo rebelde que se transformou no demo, caso não tivesse tido a  triste sina de ser associado ao mal  hoje seria nome próprio de muito mais gente do que certas escolhas que proliferam por aí.  Na conjuntura atual eu acrescentaria  também a palavra Feminicídio,   que me parece soar muito suave para representar as atrocidades que se cometem contra as mulheres. Tenho a impressão de que chamar um troglodita desses,  que aterrorizam suas fêmeas,  de feminicida ao invés de monstro, é uma forma de afagar a crueldade dos mesmos e estimular novos crimes.

Mas, independente da pesquisa, seria mesmo a palavra top realmente chata? Chatíssima, eu diria,  chatérrima,  diriam outros, mas, preferencialmente,  ambos,  já que uma só palavra parece insuficiente para qualificar expressão tão antipática. Nada soa tão perturbador e incômodo como o uso desenfreado e proposital  de uma expressão  estrangeira,  quando sua própria língua dispões de termos equivalentes, preciosos,  e que significam a mesma coisa. Neste caso, a palavra TOP ( coitada, não tem culpa), mas acaba se parecendo com a pessoa que a utiliza , com sua vaidade e seu exibicionismo.

O mesmo ocorre  como a palavra COACH que, assim como  uma verdadeira avalanche de termos da língua inglesa, é  frequentemente usada no jargão empresarial, soando à empáfia e à arrogância daqueles que a utilizam  para se doarem uma credibilidade inexistente ,  ao se socorrerem de palavras desconhecidas ou pomposas para esse fim.

                               P.S.  Finalizada a coluna, como sempre,  terão os leitores a possibilidade de se manifestar, apreciando ou não o que foi escrito. Só pediria que, na mais remota hipótese de gostarem, jamais  digam que ela é top. Deus me livre!  

José Ewerton Neto é autor de O abc bem humorado de São Luís, breve em terceira edição.
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Carnavais de ontem e de hoje

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Mudou o carnaval ou mudei eu? Desta vez, não há como parodiar o romancista carioca  para encontrar a resolução dessa equação simples. Evidentemente, que, neste caso, mudaram ambos. Mudou o Carnaval sim, como também mudaram as pessoas. Entre os ingredientes pessoais, mudou a alegria, que já não é espontânea, mas dirigida. Mudou também a inocência, ao serem excluídas as fantasias antigas como o fofão,  quando os propósitos eram apenas os de se iludir e se divertir.  

Quanto à estrutura carnavalesca, quem diria, os trios elétricos acabaram se impondo às manifestações improvisadas em todo o país seduzindo a populaça à reboque de decibéis em profusão colocando para correr o que seria o tal “espírito carnavalesco” . Até a execrável música sertaneja inseriu-se na balbúrdia na base do  “ bote os decibéis para tocar que até dessa coisa eu vou  atrás”

Algumas marchinhas e sambas, porém,  ainda resistem heroicamente, com suas melodias ressoando tímidas diante da invasão.  Tanto que  suas letras, mal entendidas pelas novas gerações carregam o ranço da perdida inocência. Talvez necessitassem que fossem adaptadas com urgência ao mundo atual.  Vejamos como ficariam:

Camisa Listrada. “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí. Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu Paratí. Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão,  e corria quando o povo dizia: Sossega, Leão! Sossega Leão!”

Hoje: “Pegou uma moto roubada e saiu por aí. Em vez de tomar Coca com torrada ele cheirou cocaína. Levava um trabuco  no cinto e um celular na mão. E sorria quando o povo dizia: Sossega o Otário , Raspa logo o Otário!

Máscara Negra: “Quanto riso, oh quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão. Arlequim está chorando pelo amor da  colombina, no meio da multidão.”

Hoje: “ Quanto medo, oh quanta correria. Mais de mil apavorados na avenida. O homem tá sangrando da facada que levou, no meio da multidão. “

O teu cabelo  não nega:” O teu cabelo não nega, mulata Porque és mulata na cor. Mas como a cor não pega, mulata,  Mulata, eu quero o teu amor!”

Hoje: “A tua idade não nega,  coroa, porque és coroa na pele.  Mas como botox não pega, coroa. Coroa,  quero teu carrão.”

Cachaça não é água  “Se você pensa que cachaça é água? Cachaça não é água não. Cachaça vem do alambique E água vem do ribeirão.”

Hoje: “Se você pensa que crack é craque . Crack não é craque não. Craque vem do dente de leite . E crack  vem da  cracolândia.

Sassassaricando:  “Sassassaricando,  todo mundo leva a vida no arame. Sassassaricando, o brotinho, a viúva e a madame. O velho na porta da Colombo, é um assombro, Sassaricando.”

Hoje: “Estão se revelando. Todo mundo aproveitando a putaria. Tão se revelando. A mulher, a comadre e a vizinha. E o marido na porta do cinema, é um assombro, só esperando.”

Jardineira: “Oh, jardineira  por que estás tão triste, mas o que foi que aconteceu. Foi a camélia que caiu do galho deu dois suspiros depois morreu.”

Hoje: “Oh, periguete porque estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu. Foi o coroa que quebrava teu galho, deu dois suspiros, depois morreu.”   

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luís, 3a edição revisada e ampliada em breve.
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OSCAR 2020, BRASIL VENCEDOR

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Tá vendo o Brasil?

Findas as festividades de premiação do Oscar hollywoodiano de 2020, pouca gente se deu conta que corria em paralelo a premiação do Oscar Brasileiro. Salvo poucas exceções o desempenho brasileiro pouco teve a dever aos seus equivalentes hollywoodianos.

1.Melhor filme, Parasitas.

Na versão brasileira o filme vencedor foi também Os Parasitas, com os 4 filhos de Bolsonaro. Os protagonistas, (como acontece com alguma frequência com a linhagem descendente de políticos  brasileiros) se destacaram em aprimorar ao longo da vida o desempenho de sanguessugas , o que significa  viver à sombra do pai.  A produção brasileira também levou 4 estatuetas. Coincidentemente, uma para cada filho.

2. Melhor atriz Renée Zellweger, por Judy – Muito além do Arco-Íris.

Na versão brasileira o Oscar foi vencido pela atriz principal do filme Muito além da política, que foi protagonizado por Janja, namorada de Lula. No filme,  Janja saiu-se muito bem mostrando destreza ao dar visibilidade à sua obsessão em conquistar um ex-presidente,  entre quatro paredes e um sol quadrado, muito além da política.

3.Melhor ator, Joaquin Phoenix, por Coringa.

O Oscar da  versão nacional foi vencido por Dias Toffoli, um Coringa por excelência, apresentando para consumo do público uma neutralidade olímpica, mas capaz de extremos, ao sabor de suas conveniências pessoais. Ter chegado a ministro do STF por indicação política, sem trajetória jurídica digna, foi um de seus trunfos para,  finalmente, ser reconhecido como o grande ator que é,  para não dizer farsante.   

4.Melhor ator coadjuvante, Brad Pitt por Era uma vez em Hollywood.

O Melhor ator coadjuvante na versão nacional foi Sérgio Moro, no filme Era uma vez em Curitiba, sobre a lava jato,  chegando a provocar  ciúmes no ator principal Jair Bolsonaro.  

 5.Melhor atriz coadjuvante, Laura Dern, por A história de um Casamento.

A versão brasileira do Oscar ficou com a atriz Regina Duarte pelo filme de mesmo título A história de um Casamento. O filme conta como a atriz passou de Namoradinha do Brasil para Namorada de Bolsonaro, e daí, para seu casamento, de desfecho imprevisível. 

6.Melhor direção de Arte. Era uma vez em Hollywood

O Oscar brasileiro ficou com o presidente do Flamengo Ricardo Landin em Era uma vez no ninho do Urubu, no qual atrocidades foram cometidas contra crianças tendo por contrapartida a monumental farsa comandada por Landim para não assumir responsabilidades. As cenas das entrevistas dadas por ele sem o mínimo pudor e sentimento humano, permeiam uma construção artística macabra, na qual ele se conduz como um ator perfeito em sua perversidade e indignidade.

7.Melhor Figurino. Adoráveis Mulheres.

A versão nacional também foi premiada com o filme Adoráveis Mulheres protagonizados por Thammy, a filha de Gretchen,  e Pablo Vittar . Os figurinos das mesmas (ou dos mesmos, tanto faz)  depois que Pablo virou mulher e Thammy virou homem foram considerados perto da perfeição.

8.Melhor Montagem. Ford x Ferrari

Na versão nacional a melhor montagem aconteceu também em uma disputa, no caso  Moro x Rodrigo Maia. A montagem do Juiz de Garantias por Rodrigo Maia presidente do Congresso,  para postergar e dificultar a punição de corruptos foi considerada uma montagem perfeita,  de concepção tão bizarra quanto ardilosa.

José Ewerton Neto , é autor de Pequeno dicionário de paixões cruzadas, lançamento em breve

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OS SUPER HERÓIS DO INVERNO

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Ei-los de volta. Os 3  super-heróis do inverno . Entra ano sai ano, sempre retornam,  insubstituíveis, indestrutíveis, eternos.

1.Os SUPERBURACOS

Os superburacos nascem no inverno quando se juntam: muita chuva, muito desleixo administrativo e farelos de asfalto. Pronto, a receita está pronta  e os superburacos aparecem.

Nascem pequenos, imprevistos, por vezes tímidos. A infância deles é breve e pouca,  a depender do tipo de inverno . Quanto mais chuva cai mais atingem  a maturidade rapidamente. Logo se transformam nos super-heróis que conhecemos: avassaladores e implacáveis, especialmente contra carros e seus motoristas. Até transformarem-se definitivamente em uma legião que toma conta das ruas e das avenidas de São Luís.

Quando nascem são todos parecidos, afinal todos são filhos da mesma mãe, a chuva;  e dos mesmos pais, os prefeitos da cidade. Têm na infância as mesmas aspirações, crescer e multiplicarem-se;  os mesmos desejos, complicar a vida de qualquer carro;  e a mesma esperança de  atravessarem, incólumes, o verão e retornarem triunfantes no próximo ano.

Ao fim do inverno, exuberantes em seu apogeu, proliferam e parecem dar-se as mãos,  constituindo um único e imenso buraco transformando São Luís em uma ilha dento da ilha , uma definição dentro de outra. É quando a ilha,  cercada de água por todos os lados se transforma num imenso buraco,  cercado de ilhas humanas (condomínios) por todos os lados.

2.AS SUPER-MURIÇOCAS

Este tipo de super-herói  nada tem de grandioso. De grandioso só a quantidade e a invisibilidade, e o canto de guerra que entoam. Até hoje não se entendeu muito bem sua relação com a chuva, O que se sabe é que, nesse período,  essas heroínas atingem a perfeição na arte da guerra , talvez porque se tornem kamikazes, não se importando em morrer desde que levem para a eternidade um naco de seu precioso sangue.

Nestas circunstâncias o mais seguro é tentar conviver pacificamente com as mesmas. Jamais tentar esmaga-las ( que crueldade!),   adaptar-se ao som de suas melodias e alimentá-las corretamente com inseticida, iguaria que elas, com o tempo, se acostumaram a apreciar.

3.O GUARDA-CHUVA

Dos super-heróis do inverno é o único que dispensa o título de super porque sua categoria especial já está implícita no nome solene. Guarda-chuva é aquele equipamento que guarda a chuva  para você, derramando-lhe  água em cima de seu corpo e de sua cabeça na primeira oportunidade que tiver.

Sempre foi assim, com essa mesma aparência,  o que leva a acreditar que, no fundo, o guarda-chuva fez um pacto com a chuva através de uma espécie de contrato: “Eu finjo que os protejo e você finge que isso tá dando certo” para que eu continue reinando para sempre. Anacrônico, obsoleto e ineficiente, permaneceu, contudo,  imune aos aperfeiçoamentos tecnológicos e às inovações.

Chegasse um dia uma missão de extraterrestres à  Terra, durante o inverno,  para avaliar nossa inteligência e a possibilidade de intercâmbio, desistiria na mesma hora à vista do guarda-chuva. E a explicação seria dada em uma mensagem do tipo:  “Não se pode confiar na inteligência de uma espécie que vive há de anos e nunca inventou para se proteger dos temporais  um equipamento melhor do que um guarda-chuva. “

José Ewerton Neto é autor de Pequeno Dicionário de Paixões Cruzadas, livro de contos que será lançado em março
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