O jornal O ESTADOMA e EU

0comentário

Alvorece. Um mendigo estirado na calçada e encostado ao batente de uma loja  permanece indiferente aos transeuntes que passam. Até que, num gesto brusco,  levanta a cabeça, sacode os ombros e se senta. Em seguida, passa as mãos nos cabelos desgrenhados, enquanto se liberta dos andrajos que o cobrem. Toma de uma velha mochila ao seu lado e procura algo em seu interior. Desiste e mete, freneticamente, as mãos no bolso. Agora sim, parece ter achado o que procura.

Meio desorientado, como se ainda estivesse sob o efeito do sono,  busca com o olhar localizar algo. A câmera que filma o episódio muda o foco para a paisagem ao redor e mostra, na esquina, uma banca de revistas, para onde, agora, ele se dirige a passos trôpegos. Entrega alguma coisa na ponta dos dedos para o dono da banca e retorna com algo. Esse algo, que põe debaixo do braço e acabou de comprar em troca de algumas moedas é um jornal.  

De novo no batente da loja, que ainda não abriu, senta-se. A câmera foca o rosto do mendigo, absorto, por trás do jornal. Seus instantes de leitura são registrados pela câmera, enquanto o mendigo permanece concentrado,  longe de sua vida difícil, enquanto a Terra e seu satélite giram, giram as pessoas e o mundo todo, inclusive aqueles que passam apressados diante dele,  quase a pisoteá-lo. Durante esses alguns minutos nada existe, para ele, além do que lê no jornal.  

Essa cena, registro da primeira preocupação de um mendigo em sua primeira ação do dia,  mais forte que a fome, mais forte que a pobreza, mais forte que a carência afetiva e social perpetuou-se em minha mente depois que a vi, na televisão. Não lembro exatamente quando e em que programa aconteceu, só recordo que se deu na Argentina. Talvez tenha sido uma cena fortuita, sequestrada do cotidiano e o objetivo nem tenha sido o de enfatizar a busca da leitura como primeira ação do dia.

Ao ser convidado para escrever sobre o aniversário de 60 anos do jornal o Estado do Maranhão, lembrei-me desta cena e a localizei como ponto de partida para a tradução dessa empatia que, como a do mendigo, se estabeleceu de mim para com os jornais a partir de certo momento da minha juventude. Já disse a amigos mais íntimos ou familiares que os melhores momentos de minha vida não foram viagens, idas a restaurantes, baladas ou  carnavais, mas os instantes em que, livre da azáfama do trabalho como engenheiro metalurgista, então no Rio, depois em Minas ou Salvador, adquiria o Jornal do Brasil, o Globo ou O estado de São Paulo, em dia de feriado e, sem preocupação com o tempo, pegava do jornal e isolado em algum canto de uma lanchonete ou bar , lia as notícias que me interessavam: de política, esporte, cinema e, em especial os cadernos de literatura para depois garatujar escritos sonhando com o dia em que poderia ser lido por alguém ou ler a mim mesmo nas páginas de um jornal.   

Sim, porque somente comparável à alegria de ler é a de se ver publicado, principalmente quando isso é inusitado, o que me aconteceu pela primeira vez em tempos mais remotos quando, estimulado pelo saudoso Erasmo Dias, enviei um poema intitulado A Chamada para as páginas do Jornal Pequeno. Imaginem essa alegria multiplicando-a pela esperança juvenil, esse sinal de operação/transformação que, mais na vida que na matemática,  tem a capacidade de acelerar os sonhos. Soa redundante, então, enfatizar como sou grato a este periódico que me proporcionou a segunda parte desta realização há mais de 25 anos, primeiro como colaborador eventual e depois assíduo.  Por isso me considero também aniversariante. Neste memorável dia em que se comemora 60 anos deste jornal é certo, também, que teria dificuldade de traduzir a satisfação em fazer parte dos que aqui escrevem, caso não recorresse à imagem desse glorioso mendigo-leitor para evocar essa vibrante pulsão que transforma (ainda bem!)  todos nós – leitores e escritores de jornais e livros –  em mendigos das palavras que neles porfiam, tornando mais dadivosa e especial a rotina de nossas vidas.

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis











https://clamaoficial.blogspot.com/2019/04/amei-ler-em-maio confira resenha de Lorena Silva
sem comentário »

O supermaníaco

0comentário
só podia estar num volante

Quando escrevi neste jornal, anos atrás,  a crônica Os Maníacos do Volante, baseada nos mais estrambóticos tipos que se vê dirigindo no trânsito desta cidade, surpreendeu-me que alguns leitores me exortassem a inserir novos tipos por eles sugeridos. Mais tarde, essa crônica se transformou num capítulo do livro O ABC bem humorado de São Luís, com algumas novidades. Bem se vê que tive de fazer uma seleção porque a coletânea é grande.

Nessa exuberante lista de maníacos se inscrevem desde O Imperador das Avenidas ( o dono)  até o Touro do Asfalto ( o irado).

Por incrível que pareça, de lá para cá, embora nem tanto tempo assim tenha passado,     a fauna aumentou. Seja porque os veículos triplicaram e os engarrafamentos e histerismos idem, novos candidatos se apresentaram para fazer jus ao epíteto de maníacos.  O mais curioso para não dizer desolador é que, como se não bastasse a contínua profusão de novos maníacos eis que os que os antigos se aperfeiçoaram. Se antigamente a exclamação em voga diante do que se via era: “Haja maníaco!” a constatação dos dias de hoje precisa ser outra: “Haja super-maníacos!”

Sim, porque os maníacos que já existiam se aperfeiçoaram, e se tornaram cada vez mais eloquentes no comando de seus carros, sendo o exemplo mais bem acabado dessa síndrome o tipo que na crônica anterior foi chamado de Masturbardor de Buzina.

Ora, o Masturbardor de Buzina,  é aquele maníaco que tem obsessão por acionar a sua buzina e não está nem aí, claro, para o ouvido dos outros. Seu frenesi é tão ostensivo que se desconfia que ele esteja sempre prestes a ter um orgasmo com o ato de buzinar, daí o cognome. Devidamente classificado, segundo os leitores, sua identificação parecia esgotada, mas não é que o dito cujo foi além e se aprimorou?  Se antes ele acionava a buzina apenas pelo fato de o sinal abrir instantaneamente, estivesse onde estivesse na fila (como se o motorista da frente tivesse o dom de desaparecer apenas para satisfazê-lo ), nos dias atuais ele adquiriu uma especialização histérica. Pouco ligando para o sinal que lhe compete nos cruzamentos, agora ele desenvolveu a mania de ficar vigiando o sinal da fila alheia. Se o sinal fecha para esta,  ele já começa a acionar a sua buzina instigando o pobre motorista do carro que está na frente.  Ou seja, ele exige que o coitado, em frente da sua sinaleira, além de desaparecer em um segundo antecipe-se ao tempo de transição entre uma faixa e outra. Se não for atendido na velocidade da luz, buzina nele!

Como esse tipo de evolução Charles Darwin não explica, recorri a um amigo psicanalista. Quem sabe Freud!… Ele me sugeriu prontamente que essa espécie de maníaco nunca adquire um carro para simplesmente dirigir, mas para buzinar, sendo previdente  que, quando morra,  leve uma buzina dentro do caixão por prevenção, não só para anunciar sua chegada no outro mundo,  como para furar a fila quando estiver no céu.

Não pude deixar de retrucar:

“Sugestão brilhante, mas será que esse  maníaco estará na fila do céu, ou do inferno? ”

Jose Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

Nas livrarias Amei , Tempo de ler e Vozes
sem comentário »

Enfim, o Buraco Negro

0comentário
O buraco negro chega ao Brasil

PENSO, LOGO  EXISTO, sentenciou o filósofo Descartes séculos atrás, pretendendo eliminar essa dúvida crucial da espécie humana. Apesar disso a dúvida permanece, tanto assim que, mesmo respirando, comendo ou guerreando entre si, o ser humano continua a duvidar da própria existência: “Será existência isso daí?” “Tem certeza mesmo de que não existe coisa melhor?”

O fato é que a ciência avançou muito depois de Descartes e, se não conseguiu provar a existência humana provou, há poucos dias, a existência do Buraco-Negro. “FUI FOTOGRAFADO, LOGO EXISTO”, poderia dizer agora um buraco-negro se tivesse as mesmas dúvidas existenciais dos seres humanos.

O  buraco-negro como se sabe são concentrações absurdíssimas de matéria que curvam o espaço-tempo e sugam tudo o que existe ao redor, inclusive  a própria luz. Com isso, é impossível saber o que existe em seu interior, colocando em polvorosa o nosso pobre conceito de existência. 

Como era de se esperar a divulgação repetida de uma façanha monumental como essa teria de ter consequências em nosso país:

            1.A turma ‘politicamente correta’ do Congresso já se pôs em estado de alerta. Uma comissão de parlamentares, tendo à frente Gleisi Hoffman com orientação do PT, vai propor que se mude a atual terminologia, pelo menos no Brasil, trocando o nome de Buraco Negro para Buraco de Qualquer Coisa. Acreditam que a denominação atual tem conotação racista.

            2.Sabedores de que os telescópios colocados à disposição dos cientistas alcançaram uma precisão equivalente à de captar imagens de uma moeda na superfície  da lua, alguns empresários e políticos – que não podem ouvir falar em moeda sem se assanhar –  proporão a instalação de um telescópio dessa envergadura na base de Alcântara com o objetivo  de descobrir ouro em qualquer parte dos confins do universo. Estão certos de que fora da Terra  a Lava-Jato não terá como aporrinhar.

            3. Religiosos de uma recém-inaugurada Igreja chegaram à conclusão de que nem as almas resistem à formidável sucção promovida pela atração gravitacional dos buracos-negros. Generosos, conceberam a ideia de desenvolver um Curso de Blindagem de Almas para que após a morte ninguém corra o risco de desaparecer, mesmo em espírito. Obs. As sessões de curso/reza poderão ser pagas com cartão de crédito.

            4. Nas redes sociais, tão logo surgiu a notícia do buraco negro fotografado,  grupos de internautas começaram a sugerir  que o ônibus interespacial que levará, em breve,  Justin Bibier e Leonardo di Caprio a uma viagem turística no espaço, estenda sua viagem por mais alguns milhões de quilômetros de anos-luz e passe perto do buraco-negro .

obs.  (Já tem gente no Brasil sugerindo que o ônibus leve também o Luan Santana).

                        5.Antecipando-se,  uma escola de samba carioca  anunciou como enredo para o próximo carnaval seu desfile com o tema: Brasileira Também é Boa de Buraco Negro, homenageando a cientista brasileira que fez parte da equipe de cientistas . A única preocupação, por enquanto, fica por conta do tamanho do fio dental que as bailarinas usarão, para não suscitar interpretações  maliciosas em relação ao tema.

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

Últimos exemplares da segunda edição nas livrarias Amei e Tempo de Ler
sem comentário »

A incrível sedução do(a) F***

0comentário
F***, Poder e outras seduções

Se você acha que tem pendores para a escrita, quer ganhar muita grana e não tem pudor de escrever um monte de bobagens para iludir tolos, uma opção é candidatar-se a escritor de auto- ajuda e escolher bem as palavras do título de seu primeiro livro. Uma dessas soluções sedutoras tem sido  a de adicionar à letra F alguns asteriscos.

Por causa do F ou por causa dos asteriscos? Alguma dúvida, futuro escritor? Certamente não seria por causa da originalidade explícita em um sinal substituindo letras ou  por causa de um efeito visual irresistível. A essas alturas você já colocou sua sagacidade a seu serviço e já deduziu que não são os asteriscos ou o F a fonte da sedução, mas o que o tal do F   cercado de asteriscos entende ou subentende. Uma pitada de mistério, outra de proibição e…. Para bom entendedor meia palavra basta. Ou meio asterisco.

Pois a realidade atesta que nada menos de  vinte por cento da lista de best-sellers no segmento de auto-ajuda é composta de livros que exibem no título essa nova expressão como chamariz , o que não é pouca coisa. Isso significa grana, muita grana.  Basta contemplar a lista dos mais vendidos para concluir que essa palavra (se é que podemos chamar assim) só é superada pela palavra Poder, esta também useira e vezeira na lista  na base de 30% das amostras. Não deve ser à toa que Poder e “efes  asteriscados”  estão em 50 % dos livros de autoajuda mais vendidos. Há como explicar isso?

Ora, não precisa recorrer a especialistas para deduzir que a atração humana, e especialmente brasileira,  pelo F**** se explica pela dose anunciada de luxúria associada ao todo  inconsciente que segundo Freud tem a ver com sexo. Quanto à palavra poder, sua atração é auto explicável  por ser tudo aquilo que o ser humano almeja e aspira desde que nasce. Na lista das revistas estão os livros O Poder do Hábito, O Poder da Ação e o Poder do Agora. É poder que não acaba mais, o que leva a acreditar que o leitor nem percebe o complemento que acompanha o termo principal. Tanto faz! Se as palavras que compõem os títulos significassem o oposto dessas, a sedução à reboque da palavra Poder seria a mesma. Estivessem os livros intitulados  como o Poder do Raro, O Poder da Reação e o Poder do Futuro ou do passado, as pessoas comprariam da mesma forma.

É por isso que baseado nos dez títulos de autoajuda mais vendidos arrisco a intuir que haveria um título ainda mais irresistível do que aqueles associados a Poder e F*** : aquele capaz de conjugar numa frase todos os outros num só. Ou todas as baboseiras. Algo assim.

“ME POUPE! (3º lugar) .  A SUTIL ARTE DE LIGAR O F*DA-SE  faz com que SEJA F*** O MILAGRE DA MANHÃ .

O PODER DA AÇÃO traz O PODER DO AGORA  e OS SEGREDOS DA MENTE MILIONÁRIA,  DO MIL AO MILHÃO,   integrando-se  aO PODER DO HÁBITO”.

Quer felicidade maior do que essa? O título ficou um pouco longo, mas de uma coisa pode-se ter certeza. Venderia horrores!

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

sem comentário »

A crueldade dos contos de fadas

0comentário
Bonitos, mas cruéis

O ser humano não suporta a realidade, diz uma frase famosa.   Outra a complementa estabelecendo que um ser humano é apenas a soma de suas ilusões.  O homem, em última análise, vive de ilusões, tanto assim já existem  cientistas propondo que o que chamamos de vida não passe de uma ilusão.

Contos de fada? As histórias que nos ensinaram e que , por sua vez, ensinamos as nossas crianças se eternizaram em nosso imaginário justamente porque  extraíram da realidade o melhor que ela pode oferecer que é  justamente a sua versão ilusória. Porque a realidade dos contos de fada é muito mais crua do que qualquer escritor realista a faria. Sim senhores, a coisa era feia, muito feia, contos de fada são cruéis, muito cruéis.

1.O canibalismo. O canibalismo é useiro e vezeiro nas histórias de contos de fada. .Na época em que os contos de fada foram escritos esse hábito estava longe de ser extinto. Ou você acha que quando falta  comida , o ser humano , como animal feroz que é, vai deixar de comer o fígado de seu companheiro se sua vida estiver em jogo? Na Prússia a escassez foi tanta entre 1708 e 1711 que 41% da população morreu. Duas grandes fomes vitimaram franceses entre 1693 e 1710 matando dois milhões de pessoas. O historiador Jay Rubistein conta que nos séculos 12 e 11 havia feiras de carne humana na Inglaterra e na França – e há relatos de pais comendo seus bebês em momentos de extrema pobreza.

Portanto, as bruxas comedoras de criancinhas estão longe de ser uma licença poética de um autor de muita imaginação. Quando na história de João e Maria se diz que a bruxa esperava João E Maria para comê-las  isso não era força de expressão nem maldade de bruxa. Sobrevivência apenas.

Aliás, isso não deve causar tanta surpresa assim. Não faz muito tempo num desastre na cordilheira dos Andes jovens universitários sobreviveram comendo seus próprios companheiros,. Não são raros na história da humanidade os registros de humanos que partiram para o canibalismo para sobreviver.Nossos ancestrais pré-históricos, por exemplo, adoravam carne humana. O hábito de comer pessoas era tão comum que há até marcas genéticas de mecanismos de defesa no nosso DNA, desenvolvidos para proteger contra doenças que surgem quando se come carne humana.

Madrastas muito malvadas. Cinderela teve uma, Branca de Neve também e assim por diante. Mas não há exagero na crueldade delas, se pensarmos bem a atitude de proteção aos de sua prole no contexto de surgimento dessas histórias se confunde com a sobrevivência.  Entre o filho gerado pelo seu ventre e o filho de outra mulher quem você preferiria, ó mãe? Nem se trata aqui de uma escolha de Sofia, entre seus próprios filhos, mas entre seu filho e o da outra  o que facilita e quase  justifica as coisas.

As mulheres tiveram no passado extrema dificuldade para a concepção pelo fato de possuírem um quadril relativamente pequeno em relação à sua cabeça. . É difícil espremer uma cabeça tão grande por um quadrilzinho tão perqueno. Antes das cesáreas e dos procedimento cirúrgicos as taxas de mortalidade das mulheres na hora do parto eram altíssimas. Na Inglatrerra no século 17 a cada mil partos 23 mães morriam. Hoje é 0,2 Parir era tão perigoso que a expectativa de vida de uma mulher grancessa no século era de 26 anos.. No reino Unido séculos16 e 17 a taxa de mortalidade das esposas era de 70 % maior do que a dos maridos umnúmero explicável pelas mortes durante o parto.

Nessas condições na França do século dezessete quase 80 % dos homens se casavam mais de uma vez. Essas segundas esposas favoreciam seus filhos ao invés das enteadas. Em época em que os recursos naturais eram tão escassos, nada mais natural que as  madrastas privilegiassem os próprios filhos, tadinhas.  

Estupro e feminicídio. Branca de Neve e a Bela Adormecida , caso vivessem hoje exigiriam que os belos príncipes que as estupraram fossem presos. Se não elas pelo menos a sociedade politicamente correta. Você, leitora já parou para imaginar se estivesse dormindo e um estranho começasse a beijar sua boca? E depois se fosse obrigada a casar com esse… violador? A história da Bela Adormecida original tem lances de estupro quando esta é violada durante o sono e fica grávida de dois gêmeos que provocam a ira da mulher do príncipe quando ela acorda e os gêmeos nascem. Quando o príncipe sabe fica com raiva da esposa e joga a esposa na fogueira. Ou seja , além de estrupador o príncipe é feminicida.   .       Quer uma vida de contos de fada ou prefere ficar na nossa, caro leitor? Eu preferirira a nossa. Pelo menos podemos ler um conto de fadas na fila do INSS, enquanto ainda não somos queimados vivos.

José Ewerton Neto é autor de O Ofício de matar suicidas

O oficio de matar suicidas tem últimos exemplares na livraria AMEI, São Luis ou pela Internet
sem comentário »

Cenas amorosas de um carnaval

0comentário
amor etc.

Mudaram os carnavais. Hoje em dia, a crônica do que aconteceu de relevante privilegia  menos às competições entre as escolas e cada vez mais os lances amorosos entre as celebridades com milhões de seguidores nas redes sociais . Eles é que são  o assunto.

Em 2019  amor não faltou. Começando exatamente à meia-noite como quase todo amor de Carnaval.

.Cronologia de um Triângulo Amoroso. (Neymar, Bruna e Anitta)

Meia Noite. Bruna Marquezine avisa que está na área. Obs. ( Nada a ver com  área de campo de futebol, apesar de haver  um craque envolvido).

00:05. Bruna chega ao Nosso Camarote (Na realidade, camarote deles, os endinheirados). Bruna chega de cabelos curtos. Desde que começou o Carnaval é a terceira mudança de cabelos de Bruna, mostrando que ela troca mais de penteado do que o ex-namorado troca de tombo (o popular cai-cai).

00:10. No camarote vizinho Neymar , Anitta e David Brasil assistem o mesmo show. David Brazil , pra quem não sabe, é alcoviteiro oficial das celebridades. Da primeira vez em que Bruna voltou para Neymar,  graças à sua interferência, ganhou uma BMW do jogador. Deve estar de olho em outra BMW.

1h. Neymar adentra o Nosso Camarote (deles) causando grande confusão e alvoroço. Ele, Anitta e os parças são levados para uma área especial dentro do camarote, que já é especial. Ou seja, coisa de Sheik das Arábias.

 Logo depois da chegada de Neymar, Bruna sobe ao palco onde Preta Gil está se apresentando.

1h30. Chega a vez de Ludmila subir ao palco. Neymar e parças permanecem do lado direito, Bruna do lado oposto. Curtos circuitos amorosos se espalham pelo ar como se fossem confetes. A nação BRUMAR (Bruna + Neymar) treme. A nação BRASIL, treme também.

1h50.Ludmila chama Neymar para cantar. Ney não sobe ao palco. Pega um microfone na parte de baixo e canta um funk com Ludmilla.

2h10.Ludmila chama Bruna de lado para dançar Favela, música feita em parceria com Anitta. Neymar vira de costas e  Anitta cochicha em seu ouvido. Seria a volta do xingamento de “ Vacilão” com o qual ela já havia presenteado o craque em Salvador?

 obs. Bom lembrar que Vacilão já é aumentativo e não existe outra palavra para expressar graus mais elevados na arte de Vacilar.

(Por algum tempo a cronologia é interrompida e dá margens a especulações. Tudo indica que o terceiro personagem do trio, Anitta, haja começado  a  introduzir seus lábios na boca de Neymar executando aquilo que em períodos fora do Carnaval  se convencionou chamar de beijo). 

2h25.Satisfeito com o que acabou de acontecer  Neymar deixa o Novo Camarote e segue para o Camarote Rio.

3h10.Por sua vez, com o poposão cansado de tanto rebolar em vão Bruna deixa o local. O popozão parece desconsolado.

3h20. Bruna deixa de seguir Anitta nas redes sociais. Teria tomado conhecimento da pegação Anitta/Neymar.

5:20.Neymar deixa a Sapucaí acompanhado de seu séquito (parças) Aparenta estar cagando e andando para a sorte do seu time, o PSG da França e menos ainda para a sua contusão no pé.  Vai se apresentar no dia seguinte em Paris com a novidade de uma conclusão científica recém-descoberta por ele mesmo:

“Carnaval faz muito bem para a saúde dos craques. E Beijo de Anitta é melhor do que chifre de Bruna para dores no metatarso do pé direito.”  

[email protected]

Jose Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

O abc bem humorado em segunda edição revista e ampliada
sem comentário »

O que ficou de um Oscar

0comentário

A cerimônia do Oscar tornou-se um evento global que, embora cafona e previsível, continua a arrebatar plateias no mundo inteiro. A tendência é que continue assim por muito tempo.

Mesmo não tendo assistido aos filmes em disputa, somos capazes de estabelecer nossas preferências  a partir do roteiro resumido, dos atores em ação ou pela memória do que já vimos, através da qual estabelecemos nossa conexão com o filme. Basta então sentar diante da TV para, conscientemente ou não,   estabelecermos torcidas e aspirações.

Destaco do que vi:.

1.Torcia para que Glenn Close fosse premiada com o Oscar de melhor atriz. Sou seu fã desde sua marcante atuação em Atração Fatal quando, de tão intensa, fez com que praticamente nos esquecêssemos de sua rival nesse filme.  A sua interpretação de uma mulher obsessiva, plena de ambiguidades, mas carente, gera inusitado desconforto para com seu destino anunciado de punição, apesar das crueldades perpetradas pelo seu personagem.

Sabedor que, aos 75 anos,  concorria pela quinta vez ao prêmio, torci mais ainda. A vencedora, no entanto, foi Olívia Colman, uma atriz inglesa, pouco badalada, que foi escolhida pelo seu desempenho no filme A Favorita. Sua descontraída emoção ao ser anunciada como vencedora e o discurso espontâneo de reverência à própria Glenn Close, desfez algum mal estar dos fãs de Close, conquistou a todos e foi um dos melhores momentos da premiação. 

2.Lady Gaga, por sua vez,  foi a rainha da noite, nem um pouco estranha no ‘ninho’ do cinema apesar de seu sucesso já estabelecido em arte distinta. Seria essa uma tendência atual, a de os talentos da área musical popular escaparem dos limites de abrangência de sua atividade para se  sobreporem em outros espaços de manifestação artística? Ora, Bob Dylan, não faz tempo,  ganhou um Nobel em Literatura. Agora, Lady Gaga ganhou um Oscar de melhor canção, mas quase abocanhou o de atriz, para o qual também foi apontada.

3. Ainda sob o peso da sugestão acima, surge uma pergunta natural quando nos referimos ao prêmio concedido de melhor ator a  Rami Malek pelo filme Bohemian Rhapsody. Teria ele ganho o prêmio fosse sua crucial interpretação, não a de Fred Mercury, ídolo popular, mas de outro biografado menos conhecido e menos apoteótico? Difícil responder, principalmente para mim que não assisti a nenhum dos selecionados.

Uma coisa é certa. Como fã de rock e da banda Queen aspirava a que esse filme fosse premiado.

Ou seja, o “não vi  mas gostei” também faz parte do Oscar.

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

sem comentário »

Capetas, exorcismo e presidência

0comentário
So chamando um padre
para exorcizar

PRE-HISTÓRIA DO EXORCISMO Alguns religiosos-cientistas acreditam que o Universo tenha começado por causa do exorcismo (ou melhor, pela falta dele). Aporrinhado com as chateações do Satanás, e sem ter acesso aos cursos espanta-demônios que somente começaram a existir neste século,  Deus teria resolvido criar o Mundo para se ver livre do capeta em definitivo. Meio como quem diz:  “Toma, pega tudo isso aí, te diverte, mas me deixa em paz!”

As labaredas quilométricas e as temperaturas altíssimas durante o big-bang  típicas de um inferno em expansão seriam a prova mais cabal disso.  Somente bilhões de anos após,  ao acordar,  o Todo Poderoso  se deu conta do que havia feito e mandou seu filho para tentar consertar as coisas. (obs. Como o tempo nada significa para Deus, toda essa demora foi equivalente apenas ao seu sono de uma noite).

Acontece que os  demônios, mal-acostumados, e já tendo se apossado da maioria das almas daqueles seres minúsculos e arrogantes denominados homens, resolveram crucifica-lo. Deus, triste e decepcionado, desistiu pela segunda vez e resolveu tirar uma breve soneca por mais alguns bilhões de anos.

Durante o sonho, porém, teve visões de que os  demônios haviam tomado conta do planetinha onde mataram seu filho. As provas mais contundentes eram as aparições de figuras diabólicas como Gilmar Mendes, Donald Trump,  Nicólas Maduro etc. Magoado com essa visão perturbadora Deus teria dito: Nada mais farei para salvá-los! Que aprendam sozinhos.

1. Esse aprendizado demorou mas chegou. A prática do espanta-demônio (também chamada de exorcismo) existe desde antes do catolicismo,  há mais de dois mil anos, mas foi aperfeiçoada com o tempo. Na Bíblia há várias passagens sobre expulsão de demônios. Até a reforma protestante no século XVI para exercê-lo bastava ser religioso, a partir daí, um exorcista aprendia com o outro como lidar com Satanás até que no século XVII a Igreja instituiu o exorcismo e estabeleceu regras para o rito oficial.

2. Em tons pós-modernos  o exorcismo ressurgiu a partir de 1999 quando o padre Gabriele Amorth principal exorcista do Vaticano fundou a Associação Internacional dos Exorcistas que desde então organizou o curso que agora está sendo oferecido , mundialmente. As mudanças de método se tornaram um tema de debate palpitante durante o curso, acreditando-se que, em breve, se possa expulsar demônios até pelo whats app – principalmente se este estiver na forma do namorado ou vice-versa.  

Diante disso, várias entidades administrativas em nosso país estão cuidando de credenciar especialistas com o fim de resolver problemas bizarros e insolúveis somente explicáveis pela influência do demo. Uma forte corrente do Governo Bolsonaro, por exemplo, sugere que se peça ajuda do Vaticano para promover a vinda urgente de padres diplomados na matéria.

Como se sabe, o que anda acontecendo de trapalhada por lá não é normal e mais gente do que se imagina estaria possuída. Os filhos de Bolsonaro, por exemplo.  

                                                                       [email protected]

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

sem comentário »

Casca de banana e tragédia

0comentário

“Existe uma casca de banana por perto de toda grande tragédia.” Graham Greene

            A frase acima, do escritor inglês Graham Greene, usei-a algumas vezes nas reuniões preventivas sobre segurança de trabalho, antes das jornadas diárias no ambiente de produção metalúrgica, quando me cabia, como engenheiro, ser o palestrante.

            Era repetida aqui e acolá, porque além de seu fácil entendimento continha, em poucas palavras, o apelo à necessária e permanente vigilância de qualquer funcionário diante de desleixos ocasionais que podem ter consequências acumulativas e avassaladoras.

            Uma casca de banana, disposta de forma ocasional e aparentemente inofensiva: um laudo ignorado; uma decisão que se adia; um equipamento sem manutenção; um jeitinho brasileiro; uma barreira de contenção que não se avalia e… Pronto, eis a tragédia!  

            As tragédias de Brumadinho e do Ninho do Urubu são exemplos recentes de como, especialmente em nosso país, os nossos administradores (seja de uma cidade,  de uma empresa, ou de um time de futebol) fazem questão de jamais enxergarem as cascas de banana por considerarem, que são imunes às suas consequências porque jamais pisam no chão de fábrica, num campo de futebol ou no trajeto  de um fluxo de lama. No popular, é como se pensassem “Se alguém tiver de morrer serão os outros, portanto melhor deixar como está !.” 

            No caso do Ninho do Urubu, foi necessária a morte de 10 rapazes para se enxergar o que acontecia nos arredores do luxo obsceno dos salários e das contratações milionárias de jogadores tidos como ídolos. Enquanto isso se dava,  numa farra de gastos incompatível com a privação em paralelo de Jogadores humildes e ainda sem nome, estes eram jogados em contêineres, em condições precárias.

 À semelhança do descaso criminoso de outras tragédias: Mariana, Brumadinho, Boate Kiss etc cujo número de mortos excede a mil,  esse último episódio mostra  que isso ficou corriqueiro num país onde tudo se vê, mas se faz de conta que não , onde as cascas de banana não são afastadas, mas, são deixadas no mesmo lugar para que sobre elas paire o tempo que fará esquecê-las.

Enquanto o ídolo Zico, egresso das divisões de base, em depoimento pungente exigia a apuração rigorosa dos fatos o presidente em exercício  general Mourão Filho, dando uma de torcedor tardio e deslocado,  preferia atribuir a morte dos rapazes a uma fatalidade. Ou seja, ao responsabilizar o imprevisto da natureza para acobertar crimes de descaso o general cometeu o mesmo crime de leniência que as autoridades cometeram em relação aos culpados de Mariana, cuja punição exemplar teria evitado o segundo massacre.

            A omissão no enquadramento desses dirigentes (de times de futebol a  executivos de empresa e  administradores públicos ) por conduta leviana e indiferente  transforma-se assim na casca de banana mais perigosa, a que se perpetua trazendo outra e mais outra, enfim, uma sucessão de grandes tragédias que, pelo visto, tão cedo não serão estancadas.

                                                                       [email protected]

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis, um livro sobre as coisas típicas da ilha, em segunda edição revista e ampliada

sobre foto dos sobrados de São Luis, de Ivanildo Ewerton
sem comentário »

O INVERNO E SEUS HERÓIS

0comentário

1.O GUARDA-CHUVA

Basta o inverno chegar, ei-lo de novo. Quase do mesmo jeito que há mais de 200 anos, quando o inglês Jonas Hanway introduziu seu uso diário, apresenta poucos sinais de evolução científica, digamos assim. Um acionamento quase automático aqui, uma cobertura de plástico ali, mas basta uma olhadela em sua direção para constatar que continua o mesmo de sempre: sério, sorumbático e deselegante, com uma indisposição histórica.

Esse seu estoicismo talvez seja decorrente da indiferença com que é tratado pelos homens, nos dias comuns e ensolarados. Tanto se associou à chuva (razão de sua existência) que acabou parecendo uma extensão da mesma. Revoltado com o descaso, torce pela chuva, cagando  e andando para os que o apanham para se proteger. Quando isso acontece demora-se a abrir, e mais ainda a fechar-se, além de dar um jeito de se esconder nos locais mais improváveis. Recente estatística  descobriu que 70 % dos guarda-chuvas são esquecidos (ou fogem) do comprador antes de serem usados pela primeira vez .

Em termos evolucionistas, o único modismo em que se insere é o de pertencer à classe dos produtos descartáveis, por obra e graça dos asiáticos. Em qualquer ajuntamento de camelô chinês, lá estão os guarda-chuvas, aos montes, fazendo concorrência a bonés, pomadas japonesas, bugigangas paraguaias e  mulheres rodando celular (elas não usam mais bolsinhas).  Comprados a preço de banana, são fabricados em escala industrial mais volumosa que a de produção de miojo. Têm prazo de garantia, mas este costuma não passar de meia hora – se não estiver trovejando e relampejando.

Tem-se como verdadeiro, na comunidade científica, que o uso  do guarda-chuva em pleno século XXI acontece muito mais por uma imposição psicológica. Ao começarem os raios seguidos de trovões um medo anterior e ancestral se apossa do inconsciente humano e o indivíduo se socorre da arma que tiver em mãos para superar seu pavor. A seguir, faz questão de brandir seu guarda-chuva como se fosse um escudo ou uma arma.  Claro que, ao fim, se encharca todo, mas a ilusão de que enfrentou de igual para igual as adversidades impostas pela natureza acaricia seu subconsciente, e isso lhe basta.

Recentemente, um cientista japonês se saiu com uma teoria originalíssima para justificar o fato de nenhuma civilização extraterrestre, haver estabelecido,  até hoje, contato com os terráqueos. Segundo ele, ao tomarem conhecimento da geringonça que os homens usam para se proteger das tempestades, enviaram para as demais comunidades interplanetárias uma mensagem com os seguintes termos: “Não percamos tempo com eles. Não é merecedora de atenção uma raça que após 4 milhões de anos não conseguiu inventar, para se proteger da água,  um equipamento melhor do que um guarda-chuva.”

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem-humorado de São Luis , segunda edição revista e ampliada nas bancas e livrarias da cidade.

sem comentário »
https://www.blogsoestado.com/ewertonneto/wp-admin/
Twitter Facebook RSS