artigo publicado no jornal o Estado do Maranhão
autor de O ABC bem humorado de São Luis
Reportagem recente do Fantástico enfatiza o drama da doação de órgãos: doentes à espera de um doador que não vem. Sem eufemismos, de um morto que não chega. Nessa ocasião, cessam os orgulhos e as vaidades e todos se igualam. Ricos ou milionários que antes evitavam os pobres agora não se incomodam em misturar seus órgãos com os dos miseráveis, desde que lhes permitam um pouco da saúde que o dinheiro não lhes conseguiu comprar.
“Não há grande homem para seu criado de quarto!”, dizia Napoleão Bonaparte, e a morte corrige essa injustiça: equaliza a todos. Diante do drama surge naturalmente a pergunta: “Por que motivo o débito de doadores aqui no Brasil é tão grande , justamente um país onde seu povo é tido como cordial e solidário?”
Sem a pretensão de intuir a causa , ouso sugerir que uma das razões está justamente nas atitudes de ricos, especialmente aqueles que quando egressos da política ficaram ricos e poderosos sem causa parente. Ao escancararem a ambição que os movem, a ponto de se apossarem do bem coletivo, introduzem a desconfiança no cérebro das eternas vítimas “Será que meu parente morreu mesmo, ou estarão matando-o para beneficiar os de sempre ?”
Foi por isso que um amigo meu, Juca Polincó veio com esta: “Pobre não deveria doar nada a rico”. E enfileira uma série de razões para justificar a sua teoria da incompatibilidade de órgãos de pobre em corpo de rico:
Juca Polincó
PÉ. O pé do pobre é pé-de-chinelo, quase sempre um depósito de fungos e bicheiras. Não serve para andar em shoppings luxuosos, nem participar de celebrações em hotéis de luxo, cruzeiros em transatlânticos, e férias em Dubai. Enfim, um pé desacostumado ao chão onde rico pisa , tropeça em qualquer tapete. “Pé de pobre pra rico não dá pé!”
SANGUE. O sangue do pobre é sangue de barata, ou seja, sangue que não corre cem por cento nas veias, tanto assim que aguenta, sem reclamar, tanta injustiça. Como não há escala diferenciada para medir pulsação de sangue de pobre e de rico, é de se esperar que depois do transplante realizado os aparelhos alarmem anunciando que a pressão do milionário está baixa, o que será um deus nos acuda.
CORAÇÃO. O coração do pobre é honesto, humilde por obrigação, espontâneo. Uma prova disso é que passa ano sai ano continua votando nos mesmo políticos que o enganam e roubam. É um coração que não funciona a contento em corpo de rico, que, como todos sabem, precisa ter o peito fechado para doações e apelos de qualquer natureza. (Recente pesquisa comprovou que os pobres doam mais, do pouco que têm, que os ricos, do muito que possuem).
PELE. A pele de pobre é casca dura de tanto pegar sol, mas nas partes subcutâneas é pele de cordeiro, de animal manso e obediente. Pele de rico é, ao contrário, macia por fora, mas dura, por dentro: impenetrável e seca. Imune a apertos de mãos, abraços, solidariedade etc.
OLHO. O olho de pobre é olho que só aumenta de tamanho depois que morre ou leva susto. Jamais poderia viver na órbita de um rico que precisa sempre ter olho grande para aumentar cada vez mais o seu quinhão de posses indevidas.
Não vê o olho do Nestor Cerveró? Depois que enriqueceu nem coube mais na órbita original e invadiu o meio do rosto.