Jose Ewerton Neto, autor de O oficio de matar suicidas.
(artigo publicado no jornal o Estado do Maranhão,quinta feira)
A recente premiação do Nobel de literatura para Bob Dylan, poeta e músico (porém, mais músico que poeta) indignou muita gente no meio intelectual e provocou um daqueles debates sem solução a que já estamos acostumados, em outros temas. Neste caso: até que ponto um prêmio de literatura deve ser exclusivo de quem pratica a literatura através da escrita de livros?
Alguns elementos para o debate:
1.Bob Dylan tem tal envergadura como ícone da cultura universal do final do século passado que não vale a pena esmiuçar sua biografia à cata de referências que o credenciem como artista. É desses talentos que, surgindo raramente, conseguem aglutinar multidões em torno de seu brilho, e conseguem cintilar, mesmo num céu já polvilhado de estrelas.
- Seu talento musical, no entanto, é de tal forma exuberante que limita a compreensão do seu alcance literário e esse parece ser o xis da questão. Como dissociar uma coisa da outra? Se a concessão de um prêmio é, por natureza, competitiva, deveria ser elementar que todos pudessem disputa-lo em igualdade de condições. Ora, soa como covardia para com os demais poetas do mundo ( que escrevam apenas livros) que um deles possa concorrer a um prêmio literário à reboque das músicas que canta, e das fascinações que suscitou a partir disso.
- Parece oculto a tanta gente que discordou da escolha, o fato de que a literatura sai ganhando com a eleição de Dylan de uma forma sutil, porém mais explícita do que aparenta à primeira vista. Sim, a velha Literatura sai dos debates irradiando mais uma vez a sua notável abrangência e sua face universal ( principalmente para os que disso ousam duvidar) de maior de todas as artes. Só mesmo a Mãe Literatura, poderia encampar , sob debates, ou não , um divo de outra arte, colocando- o premiado sim, mas como um refugiado, sob seu manto.
4.A atribuição do Prêmio de Literatura para Dylan (sendo ele estranho no ninho ) nada tem de inovadora, inusitada, sequer original. Aqui mesmo, no Brasil, escritores e críticos literários que se escandalizaram com a escolha do músico, aceitam naturalmente que Chico Buarque de Holanda, por exemplo, seja concorrente a prêmios literários e os vença , sem mérito literário, certamente porque pesa na concessão do prêmio, a densidade de seus títulos oriundos da música . No caso de Dylan há uma diferença. O norte- americano jamais se propagou escritor ou poeta, como fez Chico Buarque . Não foi ele quem procurou o Nobel, mas, o vice-versa que aconteceu.
Dito isso, os argumentos contra e a favor de Dylan/Nobel, se exaustivamente discutidos, apenas escondem o aspecto mais danoso dessa problemática. Até que ponto hoje se fazem prêmios para…premiar o prêmio? Seja na Suécia, no Brasil ou em Portugal? Quantos dos prêmios imerecidamente ganhos por Chico Buarque, Gabriel Pensador e outros aconteceram apenas por que, hoje em dia, não se fazem mais prêmios para premiar o escritor, mas escolhe-se alguém famoso para engradecer o prêmio?
Neste sentido, o maior dos prêmios, conhecidos, o Nobel apenas se tornou mais uma vítima dessa doença típica da modernidade: a de querer aparecer – como diria o caboclo. E escolheu para isso (maquiavelicamente, diga-se de passagem) alguém acima de qualquer suspeita: o grande Bob Dylan.