Mudou o carnaval ou mudei eu? Desta vez, não há como parodiar o romancista carioca para encontrar a resolução dessa equação simples. Evidentemente, que, neste caso, mudaram ambos. Mudou o Carnaval sim, como também mudaram as pessoas. Entre os ingredientes pessoais, mudou a alegria, que já não é espontânea, mas dirigida. Mudou também a inocência, ao serem excluídas as fantasias antigas como o fofão, quando os propósitos eram apenas os de se iludir e se divertir.
Quanto à estrutura carnavalesca, quem diria, os trios elétricos acabaram se impondo às manifestações improvisadas em todo o país seduzindo a populaça à reboque de decibéis em profusão colocando para correr o que seria o tal “espírito carnavalesco” . Até a execrável música sertaneja inseriu-se na balbúrdia na base do “ bote os decibéis para tocar que até dessa coisa eu vou atrás”
Algumas marchinhas e sambas, porém, ainda resistem heroicamente, com suas melodias ressoando tímidas diante da invasão. Tanto que suas letras, mal entendidas pelas novas gerações carregam o ranço da perdida inocência. Talvez necessitassem que fossem adaptadas com urgência ao mundo atual. Vejamos como ficariam:
Camisa Listrada. “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí. Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu Paratí. Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão, e corria quando o povo dizia: Sossega, Leão! Sossega Leão!”
Hoje: “Pegou uma moto roubada e saiu por aí. Em vez de tomar Coca com torrada ele cheirou cocaína. Levava um trabuco no cinto e um celular na mão. E sorria quando o povo dizia: Sossega o Otário , Raspa logo o Otário! “
Máscara Negra: “Quanto riso, oh quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão. Arlequim está chorando pelo amor da colombina, no meio da multidão.”
Hoje: “ Quanto medo, oh quanta correria. Mais de mil apavorados na avenida. O homem tá sangrando da facada que levou, no meio da multidão. “
O teu cabelo não nega:” O teu cabelo não nega, mulata Porque és mulata na cor. Mas como a cor não pega, mulata, Mulata, eu quero o teu amor!”
Hoje: “A tua idade não nega, coroa, porque és coroa na pele. Mas como botox não pega, coroa. Coroa, quero teu carrão.”
Cachaça não é água “Se você pensa que cachaça é água? Cachaça não é água não. Cachaça vem do alambique E água vem do ribeirão.”
Hoje: “Se você pensa que crack é craque . Crack não é craque não. Craque vem do dente de leite . E crack vem da cracolândia.”
Sassassaricando: “Sassassaricando, todo mundo leva a vida no arame. Sassassaricando, o brotinho, a viúva e a madame. O velho na porta da Colombo, é um assombro, Sassaricando.”
Hoje: “Estão se revelando. Todo mundo aproveitando a putaria. Tão se revelando. A mulher, a comadre e a vizinha. E o marido na porta do cinema, é um assombro, só esperando.”
Jardineira: “Oh, jardineira por que estás tão triste, mas o que foi que aconteceu. Foi a camélia que caiu do galho deu dois suspiros depois morreu.”
Hoje: “Oh, periguete porque estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu. Foi o coroa que quebrava teu galho, deu dois suspiros, depois morreu.”