“Ora (direis) nomear estrelas. Certo perdeste o senso…” escreveu o poeta Olavo Bilac.
Estaria o poeta certo? Ele sim, eu é que não. O poeta disse ‘ouvir estrelas’ e não ‘nomear estrelas’. Mas, seria igualmente falta de senso nomear estrelas?
Evidente que não. Tantas estrelas se descobrem a cada dia, muito mais que na época do poeta, e se torna necessário nomeá-las. Usam-se números para isso, mas estrelas são estrelas e não convêm (para a ciência e bem mais para a poesia) que estas se eternizem associadas a números e não a nomes.
Graças a Deus que assim pensam os membros da IAU ( União Astronômica Internacional) , pretendendo dar ao infinito estelar um toque, digamos, pop. Com isso determinaram que os países ligados a ela teriam o direito de escolher como vai se chamar um minissistema – constituído de uma estrela e o planeta a ela associado – desses que gravitam fora do sistema solar, mas ainda dentro da Via Látea.
A associação da dupla de astros para cada país foi escolhida pelo critério da distância: precisava estar próximo o suficiente para se fazer visível , por meio de um telescópio, à população do lugar que a batizará. No caso do Brasil a dupla a intitular é atualmente conhecida pela junção de letras e números HD23079, fica a mais de 100 anos-luz da Terra e pode ser avistada entre os meses de Dezembro e Fevereiro, do Brasil, com auxílio de um telescópio.
A competição para escolha do nome foi lançada em 2019, durou até agosto e qualquer brasileiro podia participar dando asas à sua criatividade, satisfazendo certas regras: os nomes careciam ser representativos da cultura do país e possibilitar novos nomes em harmonia com a dupla original, para a eventualidade de descobertas de novos planetas girando em torno dessa estrela. Como há, por exemplo, uma estrela batizada com o nome de Cervantes, tendo planetas em seu entorno com os nomes de Quixote, Sancho, Rocinante etc. Uma verdadeira e justa apoteose ao maior de todos os romancistas!
Já pensou ser você o autor do nome escolhido para batizar uma estrela? Imagino que Olavo Bilac, o poeta que ouvia estrelas, gostaria de ter sido um, infelizmente não pode e as mais votadas foram aparecendo: Ceci e Peri, Capitu e Bentinho, Tupã e Jaci, Ribaldo e Diadorim etc saídos da literatura e da cultura indígena. Confesso que cheguei a torcer por Capitu e Bentinho, por causa de Machado, mas depois aceitei que isso seria uma maldade com os astros. Explico. Não por Capitu, sobre quem até hoje pesa, injustamente a meu ver, a pecha de ter sido adúltera. Mas por causa do marido: paranoico, obsessivo e com vocação de cornudo até a alma a ponto de manchar para sempre a memória da mãe de seus filhos só porque esta era brejeira, tinha os olhos de ressaca parecendo uma epilepsia do mar e era mais bonita do que ele. E, convenhamos: Bentinho lá é nome de astro?
Soube, posteriormente, que nenhum dos nomes acima citados foi escolhido e que a competição foi vencida pelas palavras Tupi e Guarani, o que considerei apropriado. Palmas, portanto, para o vencedor. Confesso, porém, que, do jeito que as coisas estão neste Brasil e como brasileiros decididamente escolhem mal, cheguei a temer que a preferência acabasse repousando nos nomes de algumas dessas infinitas duplas sertanejas que não param de infernizar nossos ouvidos. Já pensou?
José Ewerton Neto é autor de Pequeno Dicionário de Paixões Cruzadas,