O CAVALO CANTOR
Em o Cavalo Cantor, recente livro da romancista, compositora musical e poeta Denise Emmer lançado pela editora Espelho d’Alma (antiga Escrituras) estamos diante de uma autora “que escreve em letras destacadas, como a poesia que permitiu em sua vida” , como ela mesma diz na abertura do livro.
Quantos de nós permitimos a poesia em nossas vidas? Parece simples, mas não é, pelo contrário, é muito raro e especial! O escritor francês Vítor Hugo já determinava: “As palavras como se sabe, são seres vivos”. É fácil imaginar, então, a poesia escrita, esse ser ainda mais vivo que as palavras, porque é composta delas, nos acercando, nos envolvendo, pedindo passagem, sem que nós estabeleçamos, na maioria das vezes, a ponte para recebê-la , porque nos falta sensibilidade, talento ou mais alguma coisa, ocupados que estamos com o cotidiano de nossas sensaborias, mesquinhas e passageiras.
Este Cavalo Cantor, de Denise Emmer é testemunho disso. Uma enxurrada de poesia em prosa poética que nos salva da indiferença, que nos resgata trazendo-nos de volta, da realidade para nós mesmos, para esse ser anterior à cegueira cotidiana à qual aderimos para não ver, para não sentir e testemunhar o quanto nos afastamos da beleza e da epifania das palavras e da natureza das coisas.
O que há de novo neste livro Cavalo Cantor de Denise Emmer, como há muito tempo não víamos é, justamente, a conjugação da narrativa típica da construção do conto com as metáforas características da arte poética, num todo uníssono e indissociável. Não se trata exatamente de poesia em prosa, mas sim de uma narrativa poética, não por intenção ou malabarismo, mas por ter nascido assim, por imposição do destino, como nascem os gêmeos univitelinos. A intensidade poética, como se verá, é destacada na introdução, intitulada Prosa e Poesia de Álvaro Alves de Faria, poeta e artista plástico, quando a poetisa e escritora esclarece que nos contos de agora (deste livro) “ A poesia e o enredo se encontram num ponto comum da forma mais madura”.
Dito isso, recomenda-se cuidado ao leitor para que este não se perca na aparente complexidade que isso pode trazer. A narrativa não é linear, foge aos estereótipos do gênero, há apenas um breve intervalo de alguns segundos, na realidade sugerida, antes de se imergir e tomar fôlego na poesia que se apresenta dessa forma para cedo nos fazer perceber que não há salvação da leitura fora do domínio poético. Como no conto Escadaria de Pedra em que o narrador diz: “quando ela se cansava ou sentia os calos dos verões, puxava a lua para baixo e abria um guarda-chuva para a noite”.
Num de seus contos mais pungentes e tristes Sem começo, meio e fim o sem rumo dos desvalidos e solitários expõe a radiografia de suas almas em palavras como estas: “Ao perceber-se vivo , vira para o outro lado e morre. Tanto faz.” São Imagens de metáforas arrebatadoras que somente poderiam jorrar de alguém que se permitiu destacar a poesia em sua vida. Assim como essa imagem, tantas outras se sucedem, mas o leitor quase não as percebe, apenas se extasia, porque já está devidamente montado na sela do cavalo-cantor, a relinchar, vitorioso, a sua melodia sedutora.
José Ewerton Neto é autor de O ofício de matar suicidas