Prêmios à beira de um ataque de nervos

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Camões, quem diria! virou Chico Buarque

Muita gente que não conhecia o Prêmio Camões passou a falar do mesmo depois que o compositor e cantor Chico Buarque de Holanda arrebatou a honraria. Se a intenção foi essa o propósito foi atingido.

Porém, se o propósito foi difundir e referenciar a Literatura como a arte das artes, ao mesmo tempo estimulando o exercício da escrita e a epifania do compromisso de um artista com sua sina escolhida, o resultado passou ao largo.

As respostas abaixo talvez digam mais do que qualquer debate:

1.Existe paralelo entre o Prêmio Nobel e o Prêmio Camões na base do Bob Dylan esteve para o Nobel  assim como Chico está para o Camões?

 Talvez sim, se o propósito foi o de potencializar  uma visão ‘modernosa’ que estabelece um letrista de música popular como possuidor  de equivalente aura poética à daquele que escreve direcionando-se aos livros. É bom lembrar que o poeta ‘de livros’ concorre em posição desvantajosa, já que o letrista de música se socorre da visibilidade e dos aplausos de uma plateia acostumada a reverenciá-lo.   

Quanto aos premiados há uma sutil diferença. Bob Dylan jamais se pretendeu escritor, tendo sido sacado de seu ambiente musical a contragosto, esquivando-se de se posicionar diante de uma distinção que não almejou. Tanto assim que enviou para representa-lo na premiação, a cantora e letrista de música, Patti Smith, esta sim uma grande escritora vencedora do National Book Award com o livro So garotos ( Li e recomendo) . Como se, através de  uma indireta aos jurados  o cantor se penitenciasse com um constrangedor mea culpa por ter recebido a distinção.

Chico, ao contrário, ‘cavou’  seu ingresso no mundo literário, rodeando-se de orientadores já instalados como o escritor Rubem Fonseca e associando-se a editoras capazes de catapulta-lo ao panteão dos best sellers. Vendeu muito, como era de se esperar, e  ganhou prêmios como o Jabuti cercado de controvérsias quanto a lisura da votação,  sem jamais se constranger com isso ou com os  epítetos desabonadores de gente insuspeita como a escritora irlandesa Edna Ó Brien. Enfim, Chico  jamais obteve de um crítico internacional de peso um louvor descompromissado à sua obra literária.

2.Faz sentido ser alguém merecedor de um prêmio em Literatura apenas pelo mérito como poeta musical , considerando que seu talento  romanesco  é de raso para mediano?

Esse tipo de questão é irrespondível, mesmo que a premiação  seja pelo conjunto da obra. Mas, o que seria mesmo  esse conjunto da obra? Seria a soma das incursões medianas em várias artes contrapondo-a a envergadura literária inconteste de um concorrente?

Ora, mesmo sendo Chico um notável compositor e letrista a admiração incondicional que lhe é devida, peca por açodamento quando, por exemplo, se compara seu talento musical à genialidade impulsiva e espontânea de um Noel Rosa, morto aos 27 anos, cujas letras irônicas e mordazes são retratos impagáveis do cotidiano e das emoções humanas. Algumas letras de Chico Buarque, por vezes soam datadas e artificiais especialmente as que tentam soar um posicionamento ideológico pré-anunciado.

O que fica da peneira dos fatos é que, de repente, para dissabor da literatura, os prêmios literários ficaram neuróticos, quase à beira de um ataque de nervos, ávidos  por quinze segundos de fama, como é típico da sociedade atual .

Enfim, já não se fazem prêmios literários para divulgar um escritor, mas escolhem-se os premiados  para divulgarem o prêmio.

José Ewerton Neto é autor de O oficio de matar suicidas

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