Um conto de fadas moderno

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Um bom conto de fadas moderno
começa no celular

Como deve agir,  hoje em dia, uma moça bonita,  mas pobre, para casar com um príncipe? Antigamente bastava virar personagem de um conto de fadas,  mas tudo muda. O buraco (literalmente) é mais em baixo e muitas não resistem à tentação de apelar justamente para ele.

A Cinderela atual tem nome bonito, corpo bonito,  e nasceu em São Paulo. Pobre, nunca chegou a ser uma gata borralheira, no máximo chegou a  gata, como a tratavam  os rapazes suburbanos que a assediavam. Penou para sobreviver,  mas nunca arredou do sonho típico  das Cinderelas. As de antigamente, como se sabe, recorriam às fadas ou às bruxarias para acessar seus príncipes, as de hoje recorrem às redes sociais. Foi o  que fez nossa  Cinderela versão 2019.

Ela sabe que é fácil encontra-los dando sopa por aí, nos facebooks da vida. Hoje eles já não enfrentam dragões e  bruxas.  Pra quê? Muito mais fácil é correr atrás de uma bola, virar craque e ganhar muita grana. O poder que  os príncipes possuíam, que as casadoiras almejavam, e que vinha da beleza, da coroa e do sangue azul hoje vem dos euros que recebem. Grana, muita grana.

Pois foi com um príncipe desses que a cinderela 2019 sonhou. Ao invés de vestidos bonitos, como se exigiam das futuras princesas, os príncipes de hoje preferem que as candidatas dispensem as roupas. Quanto menos pano para cobrir, melhor! Ao invés de bilhetes, mensagens obscenas; ao invés de promessas de amor, vídeos de strip-tease.

Nossa  Cinderela mandou ver  e foi tão exuberante em sua  performance que o príncipe, sucumbindo aos seus encantos, mandou busca-la do outro lado do Atlântico . Claro, carruagens e corcéis são coisas do passado, príncipes de hoje preferem jatos transatlânticos para transportar suas escolhidas.

E foi só a partir desse ponto que o conto de fada virou  conto enfadado. A cinderela bem que fez a sua parte tentando salvar a lua de mel a que tinha o direito, vindo de tão longe. Queria a festa da meia-noite durando por toda a eternidade, mas não tardou  a descobrir que  o melhor não era reservado para ela. O príncipe, mais veloz que o jato que a trouxe, só queria mesmo uma rapidinha.

Só então a Cinderela se tocou, vendo seu sonho desmoronar e disse: “ Peraí, Príncipe ! Vai me deixar sozinha aqui neste hotel . Cadê nossa lua de mel ?” O príncipe , generoso como seus ‘parças ‘ insinuam,  deve ter se achado  dono de toda filantropia do mundo quando respondeu: “ A lua você olha pela janela Cinderela, já o mel eu mando trazer de Uber. Pode ficar tranquila” .

Não restava outra saída para Cinderela senão iniciar uma sessão de tapas com segundas e terceiras intenções. Vendo  que o príncipe,  mesmo com toda fama de cai cai,  era duro na queda  Cinderela subiu o tom da vingança: “  Você não passa de um príncipe  encantado de segunda! Nem pra me comer direito serve, garanto que o lobo mau comeu o chapeuzinho vermelho melhor do que você. Vou gritar e mentir pra todo mundo que você me estuprou.”

O resto,  a imprensa toda divulgou,  confirmando que é desse jeito que os contos de fada modernos terminam . Na delegacia. Não deve ser  por falta de príncipes, nem de cinderelas. Talvez, porque já não se fazem mais contos de fada como antigamente.

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

2a edição , somente na livraria AMEI, shopping São Luis

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MANIFESTAÇÃOLOGIA, ou os outros que se f…

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MANIFESTAÇÃOLOGIA é a ciência que estuda as manifestações populares reivindicatórias.

Originou-se a partir da necessidade de entender e teorizar sobre a sucessão de eventos que, com essa denominação, tomaram conta da rotina de certos países, especialmente no Brasil onde se tornou um hábito. A Manifestaçãologia, assim, é uma ciência nascida e desenvolvida em nossa terra,  o que deveria nos encher de orgulho pátrio.

O Postulado fundamental da nova Ciência anuncia-se:

“Nenhuma Manifestação carece de Manifesto!” Ou seja, por mais estranho que pareça, nenhuma manifestação precisa de motivação para que aconteça, o que traz por consequência os  seguintes  corolários:

1.”O ato de se manifestar é mais importante do que a Reivindicação.” Sendo uma só manifestação insuficiente para resolver determinado assunto, as manifestações acabam se tornando mais importantes do que o assunto.

O que, por sua vez, gera os seguintes corolários:

1.1”Basta um local se encher de gente para que o brasileiro se ajunte.” O que implica na Lei da Aglomeração: “Brasileiro gosta mesmo é de aglomeração”.

As explicações sociológicas e psicológicas desse comportamento remontam ao mais profundo do inconsciente humano, proveniente da busca ancestral de proteção grupal contra as intempéries. Nos últimos tempos, isso pode ter sido agravado  pelas redes sociais.

Estudos científicos comprovam que um sujeito, grudado num celular o tempo todo, perde a referência da companhia humana e ao deparar com um grupo de pessoas maior que cinco, se sente atraído compulsivamente, nem que seja para saber de que se trata. O que faz  descambar em nova  lei fundamental da nova ciência:

1,2”Nada  seduz tanto um brasileiro como a companhia de gente que não tem o que fazer”.

O que, por sua vez, redunda no corolário de Miltão, padeiro nas horas vagas e  observador das massas ( tanto de pão, como humana):

Se for para ficar longe do celular, antes mal acompanhado do que só.”

HISTÓRICO.

Tem-se como definitivo, que a primeira manifestação que se tem notícia foi a de Deus contra si mesmo – não havia outra possibilidade. Deus manifestou-se contra si porque estava aporrinhado pela falta do que fazer e, aborrecido, para se vingar de si próprio, resolveu criar o mundo.

Isso explica porque até hoje a principal motivação para as manifestações é não se ter o que fazer. Poucas dúvidas restam de que Deus, o primeiro entediado, inspirou todas as manifestações que vieram depois.

O OUTRO.

Outro elemento de destaque no estudo e na elaboração da nova ciência é o Outro. Sim, o Outro, porque tudo depende do outro, e sem o outro não se garante manifestação alguma:

            O Outro que está berrando acolá, e que você nunca viu. O Outro que não sabe por que está ali. O Outro que lhe pergunta onde e quando isso vai terminar. O Outro que está  doido pra lhe  roubar o seu celular e, finalmente…

            O Outro que não faz parte da manifestação e que pode estar indo para o trabalho, para a missa, para o hospital ou para o cemitério. Esse Outro  que…

Enfim, esse Outro que fez surgir, do ponto de vista dos manifestantes, o segundo postulado fundamental da nova Ciência, também chamado Postulado da  Indiferença e da Histeria Coletiva, que se anuncia.

“Os outros que se f…”

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis, segunda edição

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As Grandes Batalhas Filosóficas

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Encenação, nada mais. A finalidade é outra

Filosóficas, sim (Mas, nem tanto… ):

1.ESQUERDA X DIREITA.

Você já viu sua mão esquerda brigar com a direita? Claro que não, ambas têm o mesmo fim que é o de agirem sob o comando de seu cérebro.

Pois sobre a guerra esquerda x direita, chega-se, cada dia mais, à conclusão, de que esta não passa de uma ficção a serviço de uma ação preconcebida, em conformidade com a obsessão que todo cérebro humano tem pelo poder. Lembram-se do Telecatch, uma pantomima  a meio caminho entre briga e teatro, nos anos 70?  Só por alguns segundos dá a impressão de que estão brigando de verdade.  

Ambas as ideologias dizem que defendem os fracos e oprimidos. Uma, a esquerda, diz que isso se efetiva pela melhor distribuição de renda, a outra diz que melhores resultados são obtidos quando se alcança  maior riqueza geral. Dá no mesmo, mas os debates continuam porque o palavreado inútil excita a plateia, enquanto os  contendores fazem de conta que se engalfinham no ringue .

E representam tão bem que acabam acreditando na mentira que propagam, contaminando a plateia, que se empolga e sai na  tapa também. Depois que o juiz proclama a vitória, temporária, de um dos oponentes, não há ideologia que  permaneça,  toda boa intenção cessa. “É tudo farinha do mesmo saco”, como diz o caboclo, ambos só querem mesmo é se fartarem  das benesses do poder.

Quem perde a batalha? Nenhuma das partes, pois sempre aparece uma fatia de consolação ao derrotado, só a corrupção muda de endereço. Isso acontece até o próximo round, de 5 em 5 anos, nos países democráticos.  Quem perde? Ora, os perdedores são os de sempre: o povo,  com sua multidão de miseráveis.

2.CIÊNCIA X RELIGIÃO.

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Quando nos referimos a essa guerra, estamos tratando dos fanáticos, aqueles que vociferam um contra o outro, tanto religiosos empedernidos, como os cientistas obcecados. Ou seja, da parte religiosa, os que se predispõem contra a razão,  da parte da ciência os que se põem contra a liberdade e o direito de cada um acreditar naquilo que deseja e crê. Não participam dessa briga os religiosos e cientistas que  preferem conviver em paz, e que se unem para descobrir  a origem e o significado da vida,  e a melhor forma de usufruí-la.

E a luta começa. Uma (a Ciência) diz que o mundo surgiu do acaso. Outra (a Religião) diz que o mundo surgiu por interferência divina, enfim, a partir de uma força superior a que se nomeou assim. Ora, se chamarmos o acaso/nada (que os cientistas consideram capaz de originar o universo)  do mesmo agente/força superior (a quem os religiosos, conscientes disso ou não,  chamam de Deus )  essa turma está brigando por que e para quê ,  se, no fundo, estão dizendo a mesma coisa?

A verdade é que, assim como existem religiosos que se aproveitam da boa fé de gente ingênua para se apropriar de seus bens, também existem  cientistas que vociferam contra o conteúdo religioso apenas para vender livros e ficarem famosos, tornando-se assim especialistas em fanatismo mais  do que aqueles a quem condenam (Richard Dawkins e sua turma). Por que não agem como cientistas de respeito como Francis Collins e Marcelo Gleiser, que convivem com a religião sem traumas e acusações?

Essa luta termina empatada, pela intolerância das partes. Se existir o  diabo, e ele for o juiz,  há de proclamar a ambos vencedores.

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

À venda nas principais livrarias

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Prêmios à beira de um ataque de nervos

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Camões, quem diria! virou Chico Buarque

Muita gente que não conhecia o Prêmio Camões passou a falar do mesmo depois que o compositor e cantor Chico Buarque de Holanda arrebatou a honraria. Se a intenção foi essa o propósito foi atingido.

Porém, se o propósito foi difundir e referenciar a Literatura como a arte das artes, ao mesmo tempo estimulando o exercício da escrita e a epifania do compromisso de um artista com sua sina escolhida, o resultado passou ao largo.

As respostas abaixo talvez digam mais do que qualquer debate:

1.Existe paralelo entre o Prêmio Nobel e o Prêmio Camões na base do Bob Dylan esteve para o Nobel  assim como Chico está para o Camões?

 Talvez sim, se o propósito foi o de potencializar  uma visão ‘modernosa’ que estabelece um letrista de música popular como possuidor  de equivalente aura poética à daquele que escreve direcionando-se aos livros. É bom lembrar que o poeta ‘de livros’ concorre em posição desvantajosa, já que o letrista de música se socorre da visibilidade e dos aplausos de uma plateia acostumada a reverenciá-lo.   

Quanto aos premiados há uma sutil diferença. Bob Dylan jamais se pretendeu escritor, tendo sido sacado de seu ambiente musical a contragosto, esquivando-se de se posicionar diante de uma distinção que não almejou. Tanto assim que enviou para representa-lo na premiação, a cantora e letrista de música, Patti Smith, esta sim uma grande escritora vencedora do National Book Award com o livro So garotos ( Li e recomendo) . Como se, através de  uma indireta aos jurados  o cantor se penitenciasse com um constrangedor mea culpa por ter recebido a distinção.

Chico, ao contrário, ‘cavou’  seu ingresso no mundo literário, rodeando-se de orientadores já instalados como o escritor Rubem Fonseca e associando-se a editoras capazes de catapulta-lo ao panteão dos best sellers. Vendeu muito, como era de se esperar, e  ganhou prêmios como o Jabuti cercado de controvérsias quanto a lisura da votação,  sem jamais se constranger com isso ou com os  epítetos desabonadores de gente insuspeita como a escritora irlandesa Edna Ó Brien. Enfim, Chico  jamais obteve de um crítico internacional de peso um louvor descompromissado à sua obra literária.

2.Faz sentido ser alguém merecedor de um prêmio em Literatura apenas pelo mérito como poeta musical , considerando que seu talento  romanesco  é de raso para mediano?

Esse tipo de questão é irrespondível, mesmo que a premiação  seja pelo conjunto da obra. Mas, o que seria mesmo  esse conjunto da obra? Seria a soma das incursões medianas em várias artes contrapondo-a a envergadura literária inconteste de um concorrente?

Ora, mesmo sendo Chico um notável compositor e letrista a admiração incondicional que lhe é devida, peca por açodamento quando, por exemplo, se compara seu talento musical à genialidade impulsiva e espontânea de um Noel Rosa, morto aos 27 anos, cujas letras irônicas e mordazes são retratos impagáveis do cotidiano e das emoções humanas. Algumas letras de Chico Buarque, por vezes soam datadas e artificiais especialmente as que tentam soar um posicionamento ideológico pré-anunciado.

O que fica da peneira dos fatos é que, de repente, para dissabor da literatura, os prêmios literários ficaram neuróticos, quase à beira de um ataque de nervos, ávidos  por quinze segundos de fama, como é típico da sociedade atual .

Enfim, já não se fazem prêmios literários para divulgar um escritor, mas escolhem-se os premiados  para divulgarem o prêmio.

José Ewerton Neto é autor de O oficio de matar suicidas
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